sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Ó-pa-í-ó!

Estréia hoje na Globo, o seriado Ó-pa-í-ó... mais uma chance para o grande público finalmente descobrir que o Lázaro Ramos é apenas mais um canastrão...

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Como enlouquecer um estádio...

Os tempos mudam...



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve um dia,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se a cada dia,
Outra mudança faz de maior espanto,
Que não se muda já como soía.


Luís de Camões, soneto 45

Eclesiastes - capítulo 11


Leitura anterior: Eclesiastes - capítulo 10

Eclesiastes 11 é o menor capítulo do livro. Nele, o Pregador inicia a conclusão de seu pensamento, e o faz de uma maneira muito bela, chamando a atenção para o fato de que vale a pena viver. 

Se não concluísse de uma maneira positiva, restaria a impressão de que nada vale a pena na vida, quando ele pensa exatamente o contrário. 

Talvez Fernando Pessoa tenha captado, inadvertidamente, o "espírito" da conclusão do Pregador: "tudo vale a pena se a alma não é pequena". 

É este o sentido dos 3 primeiros versos do capítulo 11, chamando a atenção de que trabalhar ajuda a ter rendimentos para ajudar o próximo. 

"Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás" (v. 1) é um belo versículo que algumas vezes é usado fora de contexto, geralmente para dízimos e ofertas, como se fosse algum negócio que pudesse ser realizado com Deus. 

É, sim, um versículo sobre liberalidade, sobre desprendimento, sobre repartir com os outros aquilo que se tem (v. 2), sem esperar nada em troca (v. 6), já que ninguém sabe o dia de amanhã. 

Os tempos são instáveis, imprevisíveis (v. 3), e não devemos ficar parados, apenas observando (v. 4). Os desígnios de Deus também são imprevisíveis, mas boa e oportuna sempre é a Sua providência (v. 5). 

Assim, podemos entender melhor o que significa lançar o nosso pão sobre as águas. Pão é sempre visto na Bíblia como um símbolo do sustento, do cuidado do Pai, do pão nosso de cada dia, fruto do nosso trabalho, e remete à primeira conseqüência do pecado original, quando Deus falou a Adão: "Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás" (Gênesis 3:19). 

O suor do nosso trabalho não é em vão. Vaidade é reter o pão na vã confiança de que a nossa vida depende dele. 

O maná que caía no deserto durava apenas um dia, exceto o do 6º dia, que podia ser aproveitado no sábado (Êxodo 16:25-26). 

De novo, a providência divina está em evidência aqui. Lançar o pão sobre as águas significa, no contexto de Eclesiastes 11, não retê-lo, mas usá-lo para ajudar ao próximo, para repartir aquilo que não só o nosso trabalho, mas também a providência de Deus, nos permitiu ter e comer. 

E o próprio Deus não reteve Seu Filho, mas o enviou a nós como o "pão da vida" que desceu dos céus para nossa salvação (João 6:33-51).

A idéia básica de Eclesiastes 11:1 é exatamente este lançamento de uma nau aos mares do mundo, ao desconhecido, na esperança de que, de alguma forma, depois de muito tempo, a encontraremos de novo. 

A Bíblia do Peregrino traduz este versículo assim: "Ainda que envies o teu trigo pela superfície do mar, no fim do tempo o recuperarás", e comenta sobre os seis primeiros versículos:

Se Coélet aceita e aconselha algo, é usufruir do fruto do próprio trabalho. Logo, é preciso trabalhar para obter este fruto. Pois bem, a correspondência entre trabalho e resultado não é mecânica, a proporção não é matemática, o êxito não é seguro. Então, não vale a pena trabalhar?
A insegurança é faca de dois gumes: um empreendimento arriscado – o comércio marítimo – tem êxito, um empreendimento normal se expõe a múltiplos riscos; as nuvens fazem a árvore crescer, o vento a derruba, nuvens e vento seguem suas leis, entre firmes e caprichosas. O marido não sabe exatamente quando a mulher vai conceber ou como a vida entra no feto: como vai saber o plano misterioso de Deus que dá e sustenta toda a vida? A conclusão de Coélet é positiva: deve-se trabalhar enfrentando o risco e com esperança.


Desta maneira, o Pregador recupera e dá uma visão mais abrangente daquilo que já havia escrito em Eclesiastes 8:15. "exaltei eu a alegria, porquanto para o homem nenhuma coisa há melhor debaixo do sol do que comer, beber e alegrar-se; pois isso o acompanhará no seu trabalho nos dias da vida que Deus lhe dá debaixo do sol". 

O fruto do seu trabalho não deve ficar só para si, mas deve ser doado, "lançado" aos outros com alegria, pois, segundo Paulo lembra, "Deus ama ao que dá com alegria" (2 Coríntios 9:7). 

E assim, é formado um círculo com Eclesiastes 2:26, onde se diz que "Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus". 

Se o pecador, o ímpio, ajunta para dar involuntariamente ao justo, este deve ajuntar o que recolheu com o fruto de seu trabalho e redistribuí-lo voluntariamente aos outros, não apenas o rendimento, o salário, o dinheiro, mas o seu tempo, o seu cuidado, a sua disposição, sabendo que, em tudo, Deus está no comando, e fará prosperar aquilo que lhe apraz, e recompensará a cada um segundo a Sua vontade e providência. 

Aproveitemos o hoje, pois "doce é a luz, e agradável aos olhos ver o sol" (v. 7). No fundo, isso é tudo o que temos, o momento presente, o agora, como lembra o escritor de Hebreus (3:13) que nos aconselha a nos exortarmos "uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de nós se endureça pelo engano do pecado", e "pecado", na visão do Pregador, significa dar ao trabalho, às necessidades imediatas, enfim, à existência material um valor tal que desvie nossos olhos do Criador, e não nos prepare nem nos console nos dias de trevas, que são muitos (v. 8), pois, finaliza, "tudo quanto sucede é vaidade".

É neste, digamos, "espírito", que o Pregador se dirige aos jovens agora, aconselhando-os a se alegrarem na juventude, recreando o coração nos dias da mocidade, sempre tendo em mente que Deus pedirá contas de todas essas coisas, naquele que é um dos versículos mais conhecidos de Eclesiastes (11:9). 

É interessante perceber que o Pregador não aconselha uma vida de reclusão, de ascetismo, ou de completo isolamento, tanto que no versículo seguinte (10), chama a atenção para que se evite o desgosto, a depressão, a dor, mas se busque a alegria da vida com responsabilidade, sabendo que até a primavera da vida, que é a juventude, também é vaidade, preparando o seu leitor/ouvinte, principalmente jovem, para o conselho maior que dará no primeiro versículo do capítulo 12: "Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer".



Leitura seguinte: Eclesiastes - capítulo 12


terça-feira, 21 de outubro de 2008

Faça musculação em casa...

se você tiver coragem de pagar um mico desses...
(de preferência acompanhado de paramédicos e um desfibrilador)

sábado, 18 de outubro de 2008

Hipocrisia jornalística

O Painel de Leitor da Folha de S. Paulo de hoje (acesso aqui para quem tem UOL) traz a carta do leitor Evaldo Novelini, que demonstrou a contradição do psicanalista Contardo Calligaris, no melhor estilo "Esqueçam o que eu escrevi" inaugurado pelo FHC. Pêgo com a boca na botija (e as calças curtas), o psicanalita saiu-se com uma resposta ridícula; parece mesmo que ele está em outro mundo, a que ele chama de "ideal":

"Sugiro um tema para o próximo artigo do psicanalista Contardo Calligaris: hipocrisia.

No artigo "Marta com McCain" (Ilustrada, 16/10), ele classifica como sórdida a tentativa de Marta Suplicy de atacar, de forma sub-reptícia, a opção sexual do prefeito Gilberto Kassab.

O texto indignado na Folha nem parece ser da mesma lavra do homem que, dois meses atrás, disse à revista "Imprensa" (edição número 237, agosto de 2008) que concordava com a lógica de expor, durante as campanhas eleitorais, a vida privada dos candidatos: "Não estamos falando apenas da divulgação do imposto de renda, mas inclusive com quem ele transa. Isso interessa a todos a partir do momento que é candidato. (...) Nesse sentido, acho relevante saber se o cara transa com o ascensorista no 17º andar"."

EVALDO NOVELINI, jornalista (Mogi das Cruzes, SP)

Resposta do colunista Contardo Calligaris - Claro, no meu mundo ideal, não haveria nada a esconder, mesmo; a ponto que as opções seriam indiferentes. Agora, a campanha de Marta agiu contando com o fato de que estamos em outro mundo, em que a sexualidade poderia ser fonte de vergonha e descrédito. Isso, sim, é vergonhoso.


Ainda que Calligaris não seja exatamente um jornalista, mas colunista da Folha, este episódio não deve nada à diferença de abordagem praticada pelo jornal em questão. Valia tudo para massacrar e desqualificar a Marta, quando esta era prefeita e candidata à reeleição em 2004, inclusive explorar à exaustão o seu divórcio. Agora, ainda que a suposta "ofensa" ao Kassab seja "fichinha" perto dos adjetivos que foram usados contra a Marta, chamada de "Dona Marta e seus dois maridos", o que rendeu o "Dona Marta" que o Kassab hoje adora usar e a Folha finge não perceber, simulando horror com uma insinuação de homossexualidade, que está muito mais na ideologia (ou no "mundo ideal") de quem a ouve do que a mensagem propriamente dita. Típico de um jornal que há muito tempo deixou de ter o rabo preso com o leitor... isso, sim, é vergonhoso.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

The subprime crisis, explained

Ainda no campo da economia, em fevereiro deste ano, o programa humorístico Bremner, Bird & Fortune, do Channel 4 da Inglaterra, já adiantava, muito satiricamente, a atual crise do subprime, no melhor estilo do humor britânico:



em inglês, infelizmente sem legenda

Papagaios de pirata

Na atual crise financeira dos chamados "mercados", pelo menos algo se aproveita: o sistema se desnuda e começamos a perceber como ele funciona. Chama a atenção a opinião de "economistas" nos programas especializados na matéria. Trata-se, geralmente, de homens (na maioria) e mulheres geralmente nos seus 30, 40 anos de idade, saídos da classe média (mais para baixa do que alta), que fazem o seu curso de Economia, seu estágio na bolsa, e vão trabalhar em corretoras e consultorias do ramo. Aí, começam a dar as suas opiniões, cumprindo fielmente o cerimonial e o jargão do business. Perpetuam, assim, o jogo do poder, em que o grande capital é o que realmente interessa (e comanda). Compreende-se que eles estão apenas "defendendo o seu", assegurando o seu trabalho e o pão de cada dia, mas não deixa de ser tragicômico vê-los como a mão e a boca visível do mercado, repetindo incessantemente a mesma ladainha ao deus Mercado, voltados para Wall Street, e sempre dispostos a garantir a máxima privatização dos lucros e a correspondente socialização dos prejuízos.

sábado, 11 de outubro de 2008

Sofrimento, o megafone de Deus

"O Espírito humano não tentará entregar a sua vontade própria enquanto tudo parecer estar em ordem com ela. Agora, tanto o erro quanto o pecado têm essa característica de que quanto mais profundos, menos as suas vítimas suspeitarão da sua existência; trata-se de maldades mascaradas. O sofrimento é uma maldade sem máscara, inconfundível; toda pessoa sabe que algo está errado quando está sendo machucado. [...] Contudo o sofrimento não é só imediatamente reconhecível, mas também um mal impossível de se ignorar. Podemos até deitar a cabeça satisfeitos apesar dos nossos pecados e de toda a nossa estupidez; qualquer pessoa que já tenha observado glutões engolindo as mais exóticas especiarias, como se não soubessem o que estão comendo, admitirá que é possível ignorar até mesmo o prazer. Mas o sofrimento insiste em que nos ocupemos dele. Deus sussurra nos nossos prazeres, na nossa conversa e por meio da nossa consciência, mas grita por meio do sofrimento. O sofrimento é o megafone de Deus para despertar um mundo surdo."

(C. S. Lewis, em "O Problema do Sofrimento", transcrito em "Um Ano com C. S. Lewis – Leituras Diárias de suas Obras Clássicas", Ed. Ultimato, 2005, p. 317)

sábado, 4 de outubro de 2008

Leituras cristãs - 4

"O Caminho do Claustro" é o título do livro escrito por Kathleen Norris, em que ela relata boa parte da sua experiência como oblata (uma espécie de visitante leiga) num mosteiro beneditino norte-americano. O interessante é que Norris tem formação presbiteriana, e, embora não relate nenhuma conversão ao catolicismo, ela faz essa ponte entre as duas grandes tradições cristãs ocidentais - protestantes e católicos - de uma maneira muito tranqüila, serena, sem se preocupar com aquilo que as divide, mas se concentrando no que as une, que é a oração, a meditação, a contemplação, que podem ser resumidas como uma prática de adoração a Deus. Desta maneira, ela nos brinda com reflexões profundas e inspiradoras sobre a condição humana, a submissão a Deus e a prática da meditação e do silêncio num mundo que vive em pânico, convidando-nos a checar as nossas prioridades, como cristãos. Norris é freqüentemente citada por Philip Yancey em seus livros, e realmente "O Caminho do Claustro" merece ser lido por quem quiser encontrar inspiração para desacelerar o seu ritmo e dar valor ao que realmente tem valor na vida. Destaco um trecho belíssimo do livro:


MEU PRIMEIRO PAI

(Kathleen Norris, em “O Caminho do Claustro”, Ed. Nova Era,
págs. 65 a 69 e 73)

“A capacidade negativa...
(é ser) capaz de estar no meio de
incertezas, mistérios, dúvidas, e
não teimar em recorrer
à realidade ou à razão.”
(John Keats, poeta inglês, 1785-1821)


Uma coisa estranha acontece quando eu entro, como artista convidada, numa turma de primeiro grau, na qualidade de artista em visita, para ler poesia e estimular as crianças a escreverem. É algo menos relacionado a mim, como indivíduo, do que ao poder da poesia, podendo ser, também, um efeito colateral do simples fato de que conheço muito pouco as crianças. Vou ao seu encontro como um quadro-negro esperando o giz. Descobri que, invariavelmente, não importa se a escola é pobre ou rica, no campo, na periferia ou na cidade, os garotos que o professor classifica como “bons alunos” serão capazes de escrever poemas e contos aceitáveis mas sem nada de extraordinário. Os poemas notáveis vêm do lado torto, isto é, dos maus alunos, aqueles que os professores costumam criticar por não participarem das atividades da turma.

Um dia, quando estava com alunos de quinta série de uma escola num bairro operário na Dakota do Norte, olhei de relance para a folha de um menino e vi as palavras “Meu Primeiro Pai”. Percebi que algo muito pessoal e profundo devia estar acontecendo. Não me lembro mais do que pedira que escrevessem, mas sei que não era nada tão invasivo como “faça um poema sobre alguém da sua família”. Era mais provável que tivesse sido um exercício livre, utilizando metáforas. Apesar da possibilidade de escrever sobre qualquer coisa, este menino escolhera falar sobre seu “primeiro pai”, e, embora sem interferir, conversei várias vezes com ele. Sua reação foi de surpresa e satisfação, quando mostrei que suas comparações eram tão boas que o tinham colocado, de imediato, em profundo contato com a metáfora. Ele escrevera sobre o pai:


“Eu me lembro dele,
como Deus em meu coração, eu me lembro dele no meu coração
como as nuvens lá em cima,
e sorvete de morango e bananas
quando eu era pequeno.
Mas, do que eu me lembro mais
é do seu amor,
grande como o Texas,
quando eu nasci.”


O menino me disse, cheio de orgulho, que nascera no Texas, mas nada falou a seu respeito. Sua professora, igualmente surpresa, foi quem me deu mais detalhes. Ela me contou coisas que não me surpreenderam, em função da minha experiência como artista convidada:

- Ele não é um bom aluno, e embora se esforce, nunca fez nada assim antes.

Em compensação, também me disse que o menino jamais vira o pai; o sujeito sumira da cidade no dia de seu nascimento.

Por incrível que pareça, foi gratificante para mim saber disso. Bastara a presença de um poeta em sala, dando aulas sobre comparações e metáforas (oficialmente, para justificar a minha presença em termos reconhecidos pelo sistema educacional, era isso que eu “ensinava”), para permitir a este menino contar aos adultos em sua vida – sua professora, sua mãe, seu padrasto – algo que eles precisavam saber, que um “primeiro pai” é figura de realce em sua emoção. Como Deus em seu coração, diz ele em seu poema, revelando o íntimo de sua alma.

...

Todavia, são os outros alunos, os maus alunos, os marginalizados, geralmente dotados de uma forma de inteligência que não costuma ser apreciada na escola, os que me escutam com mais atenção. São estes meninos, para os quais o abandono e a frustração são a norma na escola e, de uma maneira geral, na vida – quem sabe, na noite anterior o namorado da mãe, bêbado, não cometeu algum abuso contra ele -, que se sentem na poesia como os patos na água. Às vezes, como aconteceu com aquele aluno da quinta série, eles descobrem que adotar uma voz poética pode dar ensejo a uma revelação. É como se, pela primeira vez na vida, estivessem livres para falar com suas próprias vozes. É sempre um prêmio – para o professor, para a turma e para mim – quando uma criança nos leva ao íntimo da poesia. Aquele garoto falou diretamente à nossa própria solidão e exílio e fez recordar que o nosso mundo cotidiano é mais misterioso do que imaginamos: quem iria imaginar que um menino comum, numa turma comum na Dakota do Norte, carregava consigo, o tempo todo, um amor e uma perda tão grandes quanto o estado do Texas?

...

O menino que escreveu sobre seu pai ausente tinha uma história a contar. Seu coração estava exilado, e a natureza catalisadora da poesia o ajudou a voltar para casa. E o catalisador da fé? Alimentando-se tanto da razão quanto de nossa habilidade para a capacidade negativa, a fé pode ajudar-nos a ver que nossas experiências mais valiosas são sempre aquelas que deixam em nós, como disse o escultor e crítico Edward Robinson, “um lembrete inconsciente... 2 mais 2 são iguais a 5”, experiências que nos obrigam a ter em mente que nosso relacionamento com os outros e com o mundo são mais misteriosos do que aceitamos admitir. No Universo feito por Deus, o mundo real a que chamamos lar, o amor é maior do que o Texas, e maior até do que a morte, e 2 mais 2 podem ser iguais a 0, a 11, ou mesmo a 4.

Farsas políticas

Falar de política no Brasil seria algo cômico, não fosse trágico. Amanhã teremos eleições municipais em todo o país, e longe dos grandes centros é mais fácil observar alguns "fenômenos" que revelam o quanto ainda nos falta para termos governos sérios. Em geral, as cidades pequenas ainda são dominadas pelos mesmos velhos coronéis de um século atrás. As caras (e alguns sobrenomes) mudaram, mas as práticas ainda são idênticas. Ao redor de uma determinada figura que, pelo seu poderio econômico, se sobressai nas comunidades menores, gravita uma legião de puxa-sacos que dependem do seu coronel para receber o seu minguado salário todo mês. A Prefeitura Municipal é, invariavelmente, o maior empregador, e indispor-se com o mandatário de plantão equivale a um passaporte para a desgraça. Muitas vezes, esses coronéis são também corruptos, e constroem seus pequenos impérios às custas das verbas públicas. Na chamada "cara dura", se apropriam dos recursos que seriam destinados à saúde e à educação, por exemplo. Entretanto, fazem questão de passar uma imagem de decência, honestidade e desapego ao material, ainda que isso fique apenas no discurso, não porque têm uma queda inevitável para a mentira. É que eles realmente precisam de um consolo, que é acreditar que não são corruptos, e a mentira, muitas vezes repetida para si mesmos, termina por travestir-se de verdade. Nesta ilha da fantasia particular, os seus cupinchas também são de grande serventia, porque participam desta farsa coletiva que é colocar o coronel acima do bem e do mal, de preferência com uma caneta na mão para nomear seus apaniguados que perpetuam a lenda da sua honestidade. Esses, por sua vez, comportam-se como uma torcida de futebol. Torcem pelo seu deus nessa terra como se fossem os mais apaixonados e doentios corinthianos ou flamenguistas. Esquecem-se facilmente de que política é algo muito mais sério, e suas conseqüências afetam muito mais gente do que uma simples partida de futebol. Assim, a santa e pura democracia se embrenha nesse matagal das misérias e das vaidades humanas, e, diante de tanta promiscuidade, não lhe resta outra alternativa senão, envergonhada, exilar-se para - talvez - nunca mais voltar. Amanhã à noite, o astronauta de plantão na estação orbital será a testemunha privilegiada do clarão dos fogos que espoucarão pelo nosso território. Imaginará ele, provavelmente, que ganhamos uma Copa do Mundo extemporânea, quando na verdade, estaremos cavando - um pouco mais - o nosso lamentável rebaixamento à mediocridade.

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