terça-feira, 4 de agosto de 2009

A verdadeira vida abundante

No meio da confusão generalizada em que as igrejas evangélicas estão metidas ultimamente, não deixa de ser curioso observar como pastores se deixam levar pelo oba-oba da teologia da prosperidade e começam a desvirtuar os textos bíblicos com o objetivo de seguir as, digamos, “tendências” atuais da (má) exegese. Talvez isso se explique (mas não se justifique) pelo mundo materialista em que vivemos, em que as estratégias mercadológicas ditam a maneira como as pessoas devem se comportar, relacionar e organizar. Somos bombardeados diariamente com o consumismo desenfreado e o discurso fácil e pegajoso da teologia da prosperidade que impera na televisão, e os frequentadores das igrejas evangélicas exigem que seus líderes sigam a onda que veem nos telepastores. Perceba que eu disse “frequentadores”, já que a alta rotatividade dos templos e suas “propostas de trabalho” ou “planos de riqueza” já não permite mais o antigo e romântico nome de “membros”. O líder, na iminência de perder o seu rebanho, não vê outra saída senão aderir ao modismo, deixando o bom ensino bíblico de lado, e assim retroalimenta o problema, pois pessoas mal instruídas na Bíblia são presas fáceis para os espertalhões que travestem o evangelho da cruz de Cristo pela ilusão fácil do pensamento positivo com floreios bíblicos.

Este atávico desejo de pertencer a alguém ou a um grupo, que os seres humanos desenvolveram tão bem, faz com que as igrejas evangélicas se pareçam mais hoje em dia com clubes de serviço – do tipo Rotary, Lions, etc. -, onde as pessoas trocam cartões, quando deviam trocar orações, ensino e admoestações. Este instinto gregário é facilmente manipulado por quem não tem compromisso algum com o ensino da Palavra, e está muito mais preocupado em se dar bem, não importa quais textos bíblicos tenha que distorcer. Um desses textos é João 10:10, em que Jesus diz que veio para que tivéssemos vida, e vida em abundância. A “pregação moderna” engloba no quesito “vida abundante” tudo quanto seja sinal externo de prosperidade. Assim, tem vida abundante quem tem posses, riquezas, ou seja, onde cair morto, para aproveitar o curioso contraste com o ditado popular. Entretanto, uma análise mais acurada das palavras de Jesus mostra que ele não estava se referindo às coisas materiais quando falava de “vida”, mas da vida espiritual que os humanos, mortos em seus pecados, jamais teriam se não se convertessem a Ele. Dentro do contexto do evangelho de João, fica claro que é a esta ressurreição espiritual que Jesus se refere, como vemos em João 5:24 – “Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas já passou da morte para a vida”. “Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água viva” (João 7:38). “Pois, assim como o Pai levanta os mortos e lhes dá vida, assim também o Filho dá vida a quem ele quer” (João 5:21). “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem; eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:28-29).

Não por acaso, a palavra “vida” aparece 40 vezes só no evangelho de João, e nunca com o sentido de posse de bens materiais, ou como uma promessa de prosperidade a quem crê em Jesus. Vida, para João, está associada à crença em Jesus e à salvação espiritual que daí advém, conforme ele próprio finaliza o seu evangelho (20:31): “Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão escritos neste livro; estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” Só nos resta esperar e orar para que os pastores simplesmente preguem a Palavra tal como nos foi revelada, e parem de adicionar “revelações” e “interpretações” particulares que nada acrescentam; apenas demonstram que o líder é só mais um no meio da massa ignara que quer utilizar a Bíblia para fins escusos.

“Vida abundante”, portanto, na acepção bíblica da expressão, significa o gozo, a alegria do crente que estava morto em seus pecados, e pela graça de Deus, rendeu-se a Cristo certo de que o sacrifício dEle em seu lugar é poderoso e bastante para salvá-lo. Aí ele tem entrada na vida abundante, não importa em que situação esteja ou venha a estar. Todo o resto é secundário. Há vida abundante para o rico e para o pobre. Há vida abundante na alegria, nas posses, mas também na pobreza, na dor e no sofrimento. Paulo foi preso, apedrejado e apanhou muitas vezes, passou fome, frio e nudez (2 Coríntios 11:23-27) e ninguém tem coragem de dizer que a sua vida não era abundante. Como ele próprio disse: “Sei passar falta, e sei também ter abundância; em toda maneira e em todas as coisas estou experimentado, tanto em ter fartura, como em passar fome; tanto em ter abundância, como em padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4:12-13). Até este último versículo é acintosamente subtraído do contexto para justificar as pregações megalomaníacas de quem vê apenas dinheiro na sua frente.

Prefiramos, então, a verdadeira vida abundante. Como diz o antigo corinho, “com Cristo no barco, tudo vai muito bem...”. Pode vir qualquer tempestade, que tudo seguirá muito bem. Vida abundante se resume em estar com Cristo em todos os momentos da vida, bons ou difíceis, com a certeza de que este é só o começo de toda uma eternidade com Ele, porque Ele nos amou primeiro (1 João 4:19) e nos resgatou com Seu sangue, tirando-nos da morte para a vida. Vida abundante é a nossa entrega incondicional a Deus, mediante Jesus Cristo, nosso Salvador. Como Jeremias já profetizava no Velho Testamento: “Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em entender, e em me conhecer, que eu sou o Senhor, que faço benevolência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor. (Jeremias 9:23-24)

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