
A Argentina continua refém do seu passado, seja o glorioso, de um país rico que viveu décadas de prosperidade, mas perdeu o bonde da História; seja o tenebroso, de um país dividido em classes e castas, de federalistas contra unitários, de Buenos Aires contra as províncias, brancos contra índios e negros, imigrantes contra autóctones, radicais contra peronistas, proprietários de terras contra operários, classe média contra sindicalistas. É o tango inacabado de um Boca x River sem fim. A grandeza de um país, que se libertou do caudilhismo de Rosas e se estabeleceu como nação democrática e próspera já no fim do século XIX, que foi o celeiro do mundo no início do século XX, e que já a partir de 1930, começou a padecer (junto com o Brasil) de intervenções militares sistemáticas. A década de 40 trouxe Perón e Evita, e os golpes militares que se seguiram, dos quais o de 1976 foi a maior desgraça que se abateu sobre a nação. Menem vendeu ao país a ilusão de primeiro mundo que Collor não teve tempo de impor ao Brasil. A crise de 2001 mostrou a fragilidade de sonhos que não se sustentam em bases sólidas nem num projeto de nação. Mesmo assim, um aparato sindical sem similar no mundo garante que o peronismo siga vivendo apenas como uma garantia de que os ideais de Perón e Evita continuem servindo para se ganhar e manter o poder, não importando quem o detenha. A classe média empobrecida não se entrega aos caprichos populistas dos Kirchner e os ruralistas viram no atual
boom agrícola mundial a chance de recuperar os prejuízos de décadas perdidas. Ontem, Cristina Kirchner (ao lado do marido Néstor) reuniu seus comandados peronistas na Plaza de Mayo para um discurso de confrontação e não de conciliação (ver matéria no
Clarín) com aqueles que promovem um
lock out no abastecimento do país. Ainda que tenha apelado a argumentos legítimos, como o fato de ter sido recentemente eleita pelo voto popular, e dos seus adversários não poderem dizer que representam o povo enquanto o desabastecem, "la presidenta" preferiu endurecer o discurso, o que invariavelmente leva os argentinos a mais impasses, e quem sai perdendo com tudo isto é o país que vinha em franca recuperação, mas, ao que tudo indica, vai ter que amargar mais algum tempo de marcha-à-ré. Infelizmente, para nós todos que amamos este imenso país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por visitar O Contorno da Sombra!
A sua opinião é bem-vinda. Comentários anônimos serão aprovados desde que não apelem para palavras chulas ou calúnias contra quem quer que seja.
Como você já deve ter percebido, nosso blog encerrou suas atividades em fevereiro de 2018, por isso não estranhe se o seu comentário demorar um pouquinho só para ser publicado, ok!
Esforçaremo-nos ao máximo para passar por aqui e aprovar os seus comentários com a brevidade possível.