Páginas

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Albert Camus, 50 anos depois

Artigo de Moacyr Scliar na Folha de S. Paulo de hoje:


Após 50 anos, obra de Albert Camus permanece atual

Profundidade do pensamento e domínio da forma literária marcam produção do argelino, Nobel de literatura em 1957

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Este 4 de janeiro assinala os 50 anos da morte de um dos escritores e intelectuais mais influentes do século 20: Albert Camus. Nascido em 1913 em Mondovi, Argélia, Camus era filho de um francês morto na Primeira Guerra e de uma descendente de espanhóis. Era, portanto, um "pied noir", "pé-negro", termo que designa a população de origem francesa que vivia na Argélia.

Sua infância, em Argel, foi pobre: trabalhou com o tio, tanoeiro, e a muito custo estudou. Cursou filosofia e doutorou-se com uma tese sobre Santo Agostinho. Poderia ter seguido a carreira docente, mas a tuberculose da qual sofria (como muitos artistas e intelectuais à época) agravou-se, impedindo-o de trabalhar na área.

Em 1939, mudou-se para a França e, em 1940, aderiu ao movimento da resistência contra a ocupação nazista. Ainda em 1940, fundou, com outros, a revista "Combat", da qual foi redator-chefe de 1944 a 1946. Simultaneamente, dava início à uma carreira literária que lhe valeria o Nobel de literatura em 1957. Na Argélia, publicara "O Avesso e o Direito" e "Bodas em Tipasa". Seguiram-se "O Estrangeiro", "A Peste", "O Mito de Sísifo" e "O Homem Revoltado". Também escreveu para o teatro "Calígula", "Os justos" e "O Estado de Sítio".

Mãos sujas

Em 1942, conheceu Jean-Paul Sartre, de quem foi amigo por dez anos e com quem manteve uma das polêmicas mais famosas do pensamento contemporâneo, vinculada às grandes transformações ocorridas após a Segunda Guerra.

Com a vitória da União Soviética no fronte oriental, o comunismo stalinista expandiu-se, tomando o poder em vários países. Porém, a entusiástica adesão de muitos intelectuais à Revolução Russa, de 1917, agora dava lugar à decepção, quando não à franca revolta, como mostram os depoimentos de Arthur Koestler, Ignazio Silone, Richard Wright, Louis Fischer e Stephen Spender em "O Deus que Falhou" (1949).

Koestler, autor de "O Zero e o Infinito", romance anti-stalinista, influenciou muito Camus. Sartre, mais velho que Camus e visto como o expoente maior do existencialismo, só se aproxima da política em 1941, mas, então, sua postura é bem mais rígida. Ele de certa forma justifica os excessos do stalinismo e do regime maoista sob o argumento de que política exige "mãos sujas" ( "Les Mains Sales", título da peça teatral claramente autobiográfica descrevendo os conflitos de um jovem intelectual burguês).

Antes sujar as mãos, diz o filósofo, do que ficar em cima do muro, uma questão, como vemos, muito atual. Ao mesmo tempo, Sartre manifestava-se contra o domínio francês na Argélia que havia desencadeado uma luta de libertação. Camus era a favor da independência, mas contra o terrorismo usado pela guerrilha. A polêmica entre os dois é descrita em "Camus e Sartre - O Fim de uma Amizade", de Ronald Aronson, publicado no Brasil pela Nova Fronteira (2007).

Jogo de futebol

Àquela altura, a reputação de Camus já estava consolidada e ele viajava pelo mundo inteiro. Veio ao Brasil, em 1949, e pediu para assistir a uma partida de futebol e deu conferências em várias cidades, apesar de sentir-se doente -pode ter havido uma reexacerbação da tuberculose.

Manoel Bandeira, que esteve com ele e também era tuberculoso, conta que falaram sobre a doença e outros temas com simplicidade: "Não havia nenhum vestígio dessa personagem odiosa que é a celebridade itinerante. Não parecia um homem de letras. Era um homem da rua, um simples homem".

A autenticidade, associada à profundidade do pensamento e ao domínio da forma literária, torna a obra de Albert Camus, morto em 1960 em um acidente de carro, sempre atual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por visitar O Contorno da Sombra!
A sua opinião é bem-vinda. Comentários anônimos serão aprovados desde que não apelem para palavras chulas ou calúnias contra quem quer que seja.
Como você já deve ter percebido, nosso blog encerrou suas atividades em fevereiro de 2018, por isso não estranhe se o seu comentário demorar um pouquinho só para ser publicado, ok!
Esforçaremo-nos ao máximo para passar por aqui e aprovar os seus comentários com a brevidade possível.