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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Quando a aflição é boa

O Salmo 119 é conhecido por ser o salmo (e capítulo) mais longo da Bíblia (176 versículos) e é constantemente lembrado por se referir quase que exclusivamente à importância da Palavra de Deus para aqueles que dizem segui-lO. São muitas as lições e referências, daí a importância de se concentrar num tema específico para extrair dele o máximo possível. Um desses temas é a aflição. O salmista diz no v. 71 que “foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos”. Soa estranho ver algo bom na aflição, na tribulação, ainda mais numa época em que o discurso triunfalista de muitos líderes evangélicos no Brasil ensina que a aflição é coisa do diabo e que o sinal distintivo do cristão é exatamente a ausência dela. Por sinal, nada mais estranho ao salmista do que o discurso da assim chamada "teologia da prosperidade", conforme fica claro no v. 14: "Folgo mais com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas". Infelizmente, muitos líderes evangélicos brasileiros reescreveriam este versículo assim: "Folgo mais com meia dúzia de riquezas do que com o caminho dos teus testemunhos". Entretanto, o salmista enaltece a aflição como uma espécie de “terapia”, por assim dizer, ainda que dolorosa, para se aprender e fixar os ensinamentos da Palavra de Deus. O mesmo raciocínio ele usa pouco depois, no v.75, clamando: "Bem sei eu, ó SENHOR, que os teus juízos são justos e que em tua fidelidade me afligiste". Esta é certamente a experiência de muitos cristãos, que através da dor e do sofrimento se achegam mais a Deus e à Sua Palavra. No v. 67 o salmista já dizia que “antes de ser afligido, eu me extraviava; mas agora guardo a tua palavra”, o que lhe dá a firmeza a que se refere no v. 133 (“Firma os meus passos na tua palavra; e não se apodere de mim iniquidade alguma”).

Esta ideia da aflição como uma etapa necessária do crescimento espiritual do cristão é recorrente nas Escrituras. No Novo Testamento, Paulo retoma este tema:

Romanos 5:
3 E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a perseverança,
4 e a perseverança a experiência, e a experiência a esperança;
5 e a esperança não desaponta, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.

2ª Coríntios 1:
3 Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação,
4 que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.
5 Porque, como as aflições de Cristo transbordam para conosco, assim também por meio de Cristo transborda a nossa consolação.

Logo, o cristão não deve fugir das aflições e tribulações a todo custo, ou ver nelas uma negativa peremptória do socorro divino. O próprio salmista apela a Deus dizendo: “olha para a minha aflição, e livra-me, pois não me esqueço da tua lei” (Salmo 119:153). Neste caso ele não estava sendo afligido por haver-se desviado (v. 67) ou para que aprendesse a lei como havia dito no v. 71, mas mesmo não se esquecendo dela, estava passando por aflição e clamava a Deus por livramento. Este sentimento fica mais explícito no v. 143, quando confessa que “tribulação e angústia se apoderaram de mim; mas os teus mandamentos são o meu prazer”. Nada mais contundente, portanto. Mesmo com tribulação e angústia “tomando posse” do salmista, a Palavra de Deus continuava sendo o seu grande prazer, algo completamente diferente do que se ensina nas igrejas hoje como “tomar posse”. Na tribulação e na angústia, o salmista encontrava prazer nos mandamentos de Deus, não porque os havia transgredido antes, mas por aceitar que o sofrimento e a dor faziam parte do seu crescimento espiritual. Guardadas as devidas proporções, sua atitude se assemelha àquela que Paulo atribui a Abraão, que “à vista da promessa de Deus, não vacilou por incredulidade, antes foi fortalecido na fé, dando glória a Deus, e estando certíssimo de que o que Deus tinha prometido, também era poderoso para o fazer” (Romanos 4:20-21). Palavra de Deus também é promessa, e bem-aventurado aqueles que a guardam, respeitam e esperam, mesmo na aflição, como diz o salmista no Salmo 91: “Quando ele me invocar, eu lhe responderei; estarei com ele na angústia, livrá-lo-ei, e o honrarei”. Poucos percebem que Deus promete estar com o crente durante seu período de angústia. Dure o que durar, haverá livramento, mas principalmente incessante companhia divina antes, durante e depois. O Salmo 119 (vv. 49-50) também proclama esta verdade: "Lembra-te da promessa que fizeste ao teu servo, na qual me tens feito esperar. O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra me vivifica". Basta crer na Palavra-Promessa de Deus. Ele não te desampara e não te deixa atravessar sozinho a aflição. E se for difícil crer, siga o conselho de Abraão para fortalecer a sua fé: louve!





Para um comentário mais aprofundado do Salmo 119, recomendo a leitura do texto de minha autoria que está no site e-cristianismo.

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