Páginas

quinta-feira, 3 de março de 2011

Novo livro de Bento XVI combate o anti-semitismo

Com lançamento marcado para o próximo dia 10 de março, o novo livro do papa Bento XVI, intitulado "Jesus de Nazaré. Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição" traz um panorama dos últimos dias de Jesus, dando ênfase especial ao processo que levou à sua crucificação. Neste aspecto, o papa exime - de maneira clara e contundente - o povo judeu de qualquer responsabilidade (coletivamente considerada) quanto ao sangue derramado na morte de Cristo, circunstância que foi utilizada durante séculos como razão de fundo para a perseguição aos judeus. Ainda que muitas vezes as motivações fossem mais econômicas e ideológicas, além do oportunismo barato que infesta a humanidade, a justificativa religiosa do deicídio (a morte de Deus na cruz) foi sistematicamente aproveitada para promover inquisições, conversões forçadas e extermínios, dos quais o Holocausto perpetrado pelos nazistas é o triste exemplo mais dramático. Em suma, o papa acusa a "aristocracia judaica", ou seja, o Sinédrio, como maior responsável pela execução de Jesus, e tira do versículo de Mateus 27:25 ("que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos") o significado de que este mesmo sangue de Cristo seria punitivo e vingador em relação a toda a nação judaica. Pelo contrário, Bento XVI vê neste sangue a reconciliação que Deus propõe à humanidade, judeus incluídos. São argumentos que já vinham sendo expressos pela Igreja Católica desde a bula Nostra Aetate de 1965, um dos frutos do Concílio Vaticano II, que deu início à reaproximação do Vaticano com as outras grandes religiões não cristãs do mundo, mas o livro do papa agora os reforça e os expande, o que foi reconhecido pelo rabino David Rosen, diretor de assuntos inter-religiosos do Comitê Judeu Americano e um dos líderes do diálogo com os católicos, em entrevista concedida ontem, 2 de março, ao jornal The Washington Post. Por seu lado, segundo informa o jornal israelense Haaretz, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enviou mensagem ao papa felicitando-o por sua atitude, dizendo que isto "ajudará no avanço da paz", expressando o desejo de vê-lo em breve para agradecer-lhe pessoalmente. O Haaretz ainda registra a repercussão favorável que este gesto teve na elite religiosa e intelectual de Israel.

Este é o segundo livro da trilogia que o papa escreve sobre Jesus. O primeiro volume, "Jesus de Nazaré. Do Batismo à Transfiguração"), foi publicado há quatro anos, e há uma uma terceira parte, que abordará os chamados «"evangelhos da infância". Pode-se discordar do pensamento de Bento XVI, mas há que reconhecer sua capacidade como pesquisador e erudito que utiliza a metodologia própria para uma obra desta envergadura. O site da Agência Ecclesia disponibilizou em PDF um excerto do atual livro, em português de Portugal, do qual destacamos os seguintes trechos:

Na descrição do andamento do processo, os quatro Evangelhos estão de acordo em todos os pontos essenciais. João é o único que refere o diálogo entre Jesus e Pilatos, no qual é esquadrinhada em toda a sua profundidade a questão da realeza de Jesus, do motivo da sua morte (cf. 18, 33-38). Obviamente, o problema do valor histórico desta tradição é objeto de discussão entre os exegetas. Enquanto Charles H. Dodd e também Raymond E. Brown a avaliam em sentido positivo, Charles K. Barrett exprime-se em sentido extremamente crítico: «Os acréscimos e as modificações que João faz não abonam em favor da sua credibilidade histórica» (op. cit., p. 511). Seguramente ninguém está à espera de que João nos tenha querido dar algo parecido com uma ata do processo. Mas certamente que se pode supor que ele tenha sabido interpretar, com grande exatidão, a questão central de que se tratava e, por conseguinte, nos coloque diante da verdade essencial de tal processo. Deste modo, o próprio Barret afirma que «João identificou, com máxima clarividência, a chave interpretativa para a história da Paixão na realeza de Jesus e pôs em relevo o seu significado talvez mais claramente do que qualquer outro autor neotestamentário» (p. 512).

Antes de mais, perguntemo-nos: quem eram precisamente os acusadores? Quem insistiu para que Jesus fosse condenado à morte? Nas respostas dos Evangelhos, há diferenças sobre as quais devemos refletir. Segundo João, eles são simplesmente «os judeus». Mas este termo, em João, não indica de modo algum – ao contrário do que o leitor moderno talvez se sinta inclinado a interpretar – o povo de Israel enquanto tal, e menos ainda reveste um caráter «racista». Em última análise, o próprio João, quanto à nacionalidade, era israelita, tal como Jesus e todos os seus. A comunidade primitiva era inteiramente formada por israelitas. Em João, o referido termo tem um significado específico e rigorosamente limitado: designa a aristocracia do templo. Portanto, no quarto Evangelho, o círculo dos acusadores que pretendem a morte de Jesus é descrito com precisão e claramente limitado: trata-se precisamente da aristocracia do templo, com alguma exceção, como deixa entender a alusão a Nicodemos (cf. 7, 50-52).

---------

Mesmo que «todo o povo», segundo Mateus, tivesse dito «que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos» (27, 25), o cristão há de recordar que o sangue de Jesus fala uma linguagem diferente da do sangue de Abel (cf. Hb 12, 24): não pede vingança nem punição, mas é reconciliação. Não foi derramado contra ninguém, mas é sangue derramado por muitos, por todos. «Todos pecaram e estão privados da glória de Deus. […] Deus ofereceu-O [Cristo Jesus] para n’Ele, pelo seu sangue, se realizar a expiação», diz São Paulo (Rm 3, 23.25). Tal como, a partir da fé, é preciso ler de modo totalmente novo a afirmação de Caifás acerca da necessidade da morte de Jesus, assim também se deve fazer com a palavra de Mateus sobre o sangue: lida na perspectiva da fé, ela significa que todos nós precisamos da força purificadora do amor, e tal força é o seu sangue. Não é maldição, mas redenção, salvação. Só com base na teologia da Última Ceia e da Cruz, presente na totalidade do Novo Testamento, é que a palavra de Mateus sobre o sangue adquire o seu sentido correto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por visitar O Contorno da Sombra!
A sua opinião é bem-vinda. Comentários anônimos serão aprovados desde que não apelem para palavras chulas ou calúnias contra quem quer que seja.
Como você já deve ter percebido, nosso blog encerrou suas atividades em fevereiro de 2018, por isso não estranhe se o seu comentário demorar um pouquinho só para ser publicado, ok!
Esforçaremo-nos ao máximo para passar por aqui e aprovar os seus comentários com a brevidade possível.