
Este é o segundo livro da trilogia que o papa escreve sobre Jesus. O primeiro volume, "Jesus de Nazaré. Do Batismo à Transfiguração"), foi publicado há quatro anos, e há uma uma terceira parte, que abordará os chamados «"evangelhos da infância". Pode-se discordar do pensamento de Bento XVI, mas há que reconhecer sua capacidade como pesquisador e erudito que utiliza a metodologia própria para uma obra desta envergadura. O site da Agência Ecclesia disponibilizou em PDF um excerto do atual livro, em português de Portugal, do qual destacamos os seguintes trechos:
Na descrição do andamento do processo, os quatro Evangelhos estão de acordo em todos os pontos essenciais. João é o único que refere o diálogo entre Jesus e Pilatos, no qual é esquadrinhada em toda a sua profundidade a questão da realeza de Jesus, do motivo da sua morte (cf. 18, 33-38). Obviamente, o problema do valor histórico desta tradição é objeto de discussão entre os exegetas. Enquanto Charles H. Dodd e também Raymond E. Brown a avaliam em sentido positivo, Charles K. Barrett exprime-se em sentido extremamente crítico: «Os acréscimos e as modificações que João faz não abonam em favor da sua credibilidade histórica» (op. cit., p. 511). Seguramente ninguém está à espera de que João nos tenha querido dar algo parecido com uma ata do processo. Mas certamente que se pode supor que ele tenha sabido interpretar, com grande exatidão, a questão central de que se tratava e, por conseguinte, nos coloque diante da verdade essencial de tal processo. Deste modo, o próprio Barret afirma que «João identificou, com máxima clarividência, a chave interpretativa para a história da Paixão na realeza de Jesus e pôs em relevo o seu significado talvez mais claramente do que qualquer outro autor neotestamentário» (p. 512).
Antes de mais, perguntemo-nos: quem eram precisamente os acusadores? Quem insistiu para que Jesus fosse condenado à morte? Nas respostas dos Evangelhos, há diferenças sobre as quais devemos refletir. Segundo João, eles são simplesmente «os judeus». Mas este termo, em João, não indica de modo algum – ao contrário do que o leitor moderno talvez se sinta inclinado a interpretar – o povo de Israel enquanto tal, e menos ainda reveste um caráter «racista». Em última análise, o próprio João, quanto à nacionalidade, era israelita, tal como Jesus e todos os seus. A comunidade primitiva era inteiramente formada por israelitas. Em João, o referido termo tem um significado específico e rigorosamente limitado: designa a aristocracia do templo. Portanto, no quarto Evangelho, o círculo dos acusadores que pretendem a morte de Jesus é descrito com precisão e claramente limitado: trata-se precisamente da aristocracia do templo, com alguma exceção, como deixa entender a alusão a Nicodemos (cf. 7, 50-52).
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Mesmo que «todo o povo», segundo Mateus, tivesse dito «que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos» (27, 25), o cristão há de recordar que o sangue de Jesus fala uma linguagem diferente da do sangue de Abel (cf. Hb 12, 24): não pede vingança nem punição, mas é reconciliação. Não foi derramado contra ninguém, mas é sangue derramado por muitos, por todos. «Todos pecaram e estão privados da glória de Deus. […] Deus ofereceu-O [Cristo Jesus] para n’Ele, pelo seu sangue, se realizar a expiação», diz São Paulo (Rm 3, 23.25). Tal como, a partir da fé, é preciso ler de modo totalmente novo a afirmação de Caifás acerca da necessidade da morte de Jesus, assim também se deve fazer com a palavra de Mateus sobre o sangue: lida na perspectiva da fé, ela significa que todos nós precisamos da força purificadora do amor, e tal força é o seu sangue. Não é maldição, mas redenção, salvação. Só com base na teologia da Última Ceia e da Cruz, presente na totalidade do Novo Testamento, é que a palavra de Mateus sobre o sangue adquire o seu sentido correto.
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