Críticos temem que Turquia se torne regime de partido único
O AKP, partido conservador e de origem islâmica, deve ganhar por grande maioria a eleição na Turquia. Críticos temem que país vire regime unipartidário, apesar das promessas de mais democracia e uma nova Constituição.
A reeleição do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan é dada como certa na eleição deste domingo (12/06) na Turquia. Pesquisas preveem uma vitória esmagadora do chefe de governo, com resultados que vão de 42% a 50% dos votos válidos.
Críticos temem que tal vitória leve Erdogan a acelerar seu avanço sobre o poder e a estabelecer um sistema que, na prática, seria unipartidário. Isso poderia trazer prejuízos à liberdade de expressão e aos direitos democráticos e elevar a pressão sobre a oposição secular e os grupos curdos.
O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, na sigla turca), de Erdogan, rejeita as críticas e promete que uma nova Constituição será aprovada. "Os temores sobre o futuro da democracia na Turquia são infundados", garante Volkan Bozkir, um ex-diplomata de carreira que liderou a campanha da Turquia para adesão à União Europeia e é agora candidato a deputado federal pelo AKP.
"O AKP já governa como partido único nos últimos oito anos e meio. A Turquia já está mais perto de ser uma democracia avançada, fundada em ideias liberais, na liberdade e na livre iniciativa, com um papel maior para a sociedade civil, com direitos básicos e liberdades garantidas pelo sistema", argumenta.
Na última década, a Turquia se tornou uma das economias de maior crescimento no mundo. Isso impulsionou significativamente o seu papel na política internacional, mesmo que, às vezes, tenha causado rupturas diplomáticas com um aliado de longa data, os Estados Unidos, e com Israel.
Mas, enquanto a Turquia ganhou mais reconhecimento internacional na condição de potência regional emergente, o seu retrospecto em relação aos direitos e liberdades democráticas se deteriorou nos últimos anos.
Polarização e repressão de críticos
O Freedom House, think tank sediado em Washington, vê a Turquia como um país "parcialmente livre" e critica o governo por suas restrições à liberdade de imprensa. Segundo a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a Turquia mantém ao menos 57 jornalistas na prisão. Outras preocupações são restrições ao acesso à internet, deliberada e generalizada prática de escutas telefônicas e uma intolerância crescente do governo com relação a seus críticos.
"Há uma ampla preocupação de que a Turquia esteja caminhando para se tornar um regime de um homem só, de um partido só", diz Dogan Tilic, porta-voz do grupo G9, que reúne as principais associações turcas de jornalistas. "Estamos entrando em um período mais difícil para os jornalistas. Cada vez mais jornalistas são presos. Isso é muito ruim para a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão na Turquia."
No poder desde 2002
O AKP chegou ao poder em 2002, com 34,3% dos votos. Em 2007, ganhou com 46,6%, mas, ao longo desses dois mandatos, não conseguiu obter uma maioria absoluta. Se o partido obtiver agora 367 ou mais assentos no Parlamento, terá uma maioria absoluta no legislativo e poderá mudar a Constituição, sem a necessidade de um referendo.
Desde que o AKP chegou ao poder, a Turquia tem vivido uma crescente polarização entre o partido, de um lado, e as Forças Armadas e o Judiciário, ambos seculares, do outro. O AKP conseguiu colocar os militares de volta aos quarteis e reduzir o papel deles na sociedade.
Pela primeira vez na história recente da Turquia, generais e altos oficiais militares podem ser processados por supostas tentativas de golpe. Apesar de alegações sensacionalistas nos indiciamentos dos casos de golpe, a falta de provas concretas e o longo período de detenção determinado para os suspeitos, a população tem se tornado cada vez mais crítica em relação aos militares.
O segundo bastião dos secularistas, o Judiciário, tornou-se menos ideológico após recentes reformas. Mas essas reformas significam que o governo agora tem mais influência sobre o Judiciário. Os críticos argumentam que, nos últimos anos, a Turquia tem sido deixada sem um sistema de freios e contrapesos. Eles afirmam que, em seu novo mandato, o AKP poderá forçar a islamização, através de um regime autoritário.
O cientista político Metin Heper, professor e vice-reitor na Universidade Bilkent, de Ancara, discorda. "O AKP chegou ao poder através de eleições. Até agora, não fez uma única tentativa para mudar a lei civil. O AKP não está tentando transformar a Turquia num Estado islâmico", opina. "Se o partido seguir a linha islâmica, perderá a maioria de seu eleitorado. Apesar de os militares terem perdido influência política, não ficariam indiferentes aos movimentos de qualquer partido para tentar transformar a Turquia numa teocracia. E, falando da adesão à UE, você fica de fora no momento em que puser a democracia de lado", argumenta.
Uma nova Constituição
Uma das principais promessas do AKP antes das eleições é uma nova Constituição. A atual foi elaborada após o golpe militar de 1980 e amplamente reformada durante a campanha de adesão à UE. O AKP diz que quer tirar ainda mais influência política dos militares e abrir caminho para a liberdade religiosa e, como Erdogan prometeu, adotar um sistema presidencial.
"O passo mais importante depois das eleições vai ser a nova Constituição. Ela irá marcar o fim da tutela militar e do temor aos golpes militares, que há desde 1960", diz o ex-diplomata Bozkir. "Haverá fortes alicerces na nova Constituição para impedir tais intervenções novamente. A Turquia terá a Constituição que merece. Uma Constituição libertária, que salienta o papel da sociedade civil e garante direitos e liberdades básicas."
Enquanto quase todos os partidos políticos concordam em limitar o poder político das Forças Armadas e ampliar os direitos e liberdades democráticas, duas questões importantes, o secularismo e direitos mais amplos para os curdos, continuam a ser os elementos mais polêmicos do debate constitucional.
O atual clima áspero da campanha eleitoral, com declarações duras e acusações entre os líderes políticos, criou um clima tenso, o que limita perspectivas de um consenso sobre uma nova Constituição depois da eleição. Isso também aprofunda a polarização e pode bloquear uma possível solução para o antigo problema curdo, que seria a incorporação das exigências daquela etnia à nova Constituição.
"O partido do governo pode aprovar uma nova Constituição. Mas se ganhar a maioria absoluta no Parlamento, a legitimidade do documento será questionável", avisa o politólogo Heper. "Os líderes políticos devem se mover no sentido da reconciliação. Caso contrário, a questão da Constituição voltará a polarizar a Turquia, dividindo o país em dois, três, quatro. Então, a Turquia vai enfrentar mais problemas."
Críticos temem que tal vitória leve Erdogan a acelerar seu avanço sobre o poder e a estabelecer um sistema que, na prática, seria unipartidário. Isso poderia trazer prejuízos à liberdade de expressão e aos direitos democráticos e elevar a pressão sobre a oposição secular e os grupos curdos.
O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, na sigla turca), de Erdogan, rejeita as críticas e promete que uma nova Constituição será aprovada. "Os temores sobre o futuro da democracia na Turquia são infundados", garante Volkan Bozkir, um ex-diplomata de carreira que liderou a campanha da Turquia para adesão à União Europeia e é agora candidato a deputado federal pelo AKP.
"O AKP já governa como partido único nos últimos oito anos e meio. A Turquia já está mais perto de ser uma democracia avançada, fundada em ideias liberais, na liberdade e na livre iniciativa, com um papel maior para a sociedade civil, com direitos básicos e liberdades garantidas pelo sistema", argumenta.
Na última década, a Turquia se tornou uma das economias de maior crescimento no mundo. Isso impulsionou significativamente o seu papel na política internacional, mesmo que, às vezes, tenha causado rupturas diplomáticas com um aliado de longa data, os Estados Unidos, e com Israel.
Mas, enquanto a Turquia ganhou mais reconhecimento internacional na condição de potência regional emergente, o seu retrospecto em relação aos direitos e liberdades democráticas se deteriorou nos últimos anos.
Polarização e repressão de críticos
O Freedom House, think tank sediado em Washington, vê a Turquia como um país "parcialmente livre" e critica o governo por suas restrições à liberdade de imprensa. Segundo a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a Turquia mantém ao menos 57 jornalistas na prisão. Outras preocupações são restrições ao acesso à internet, deliberada e generalizada prática de escutas telefônicas e uma intolerância crescente do governo com relação a seus críticos.
"Há uma ampla preocupação de que a Turquia esteja caminhando para se tornar um regime de um homem só, de um partido só", diz Dogan Tilic, porta-voz do grupo G9, que reúne as principais associações turcas de jornalistas. "Estamos entrando em um período mais difícil para os jornalistas. Cada vez mais jornalistas são presos. Isso é muito ruim para a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão na Turquia."
No poder desde 2002
O AKP chegou ao poder em 2002, com 34,3% dos votos. Em 2007, ganhou com 46,6%, mas, ao longo desses dois mandatos, não conseguiu obter uma maioria absoluta. Se o partido obtiver agora 367 ou mais assentos no Parlamento, terá uma maioria absoluta no legislativo e poderá mudar a Constituição, sem a necessidade de um referendo.
Desde que o AKP chegou ao poder, a Turquia tem vivido uma crescente polarização entre o partido, de um lado, e as Forças Armadas e o Judiciário, ambos seculares, do outro. O AKP conseguiu colocar os militares de volta aos quarteis e reduzir o papel deles na sociedade.
Pela primeira vez na história recente da Turquia, generais e altos oficiais militares podem ser processados por supostas tentativas de golpe. Apesar de alegações sensacionalistas nos indiciamentos dos casos de golpe, a falta de provas concretas e o longo período de detenção determinado para os suspeitos, a população tem se tornado cada vez mais crítica em relação aos militares.
O segundo bastião dos secularistas, o Judiciário, tornou-se menos ideológico após recentes reformas. Mas essas reformas significam que o governo agora tem mais influência sobre o Judiciário. Os críticos argumentam que, nos últimos anos, a Turquia tem sido deixada sem um sistema de freios e contrapesos. Eles afirmam que, em seu novo mandato, o AKP poderá forçar a islamização, através de um regime autoritário.
O cientista político Metin Heper, professor e vice-reitor na Universidade Bilkent, de Ancara, discorda. "O AKP chegou ao poder através de eleições. Até agora, não fez uma única tentativa para mudar a lei civil. O AKP não está tentando transformar a Turquia num Estado islâmico", opina. "Se o partido seguir a linha islâmica, perderá a maioria de seu eleitorado. Apesar de os militares terem perdido influência política, não ficariam indiferentes aos movimentos de qualquer partido para tentar transformar a Turquia numa teocracia. E, falando da adesão à UE, você fica de fora no momento em que puser a democracia de lado", argumenta.
Uma nova Constituição
Uma das principais promessas do AKP antes das eleições é uma nova Constituição. A atual foi elaborada após o golpe militar de 1980 e amplamente reformada durante a campanha de adesão à UE. O AKP diz que quer tirar ainda mais influência política dos militares e abrir caminho para a liberdade religiosa e, como Erdogan prometeu, adotar um sistema presidencial.
"O passo mais importante depois das eleições vai ser a nova Constituição. Ela irá marcar o fim da tutela militar e do temor aos golpes militares, que há desde 1960", diz o ex-diplomata Bozkir. "Haverá fortes alicerces na nova Constituição para impedir tais intervenções novamente. A Turquia terá a Constituição que merece. Uma Constituição libertária, que salienta o papel da sociedade civil e garante direitos e liberdades básicas."
Enquanto quase todos os partidos políticos concordam em limitar o poder político das Forças Armadas e ampliar os direitos e liberdades democráticas, duas questões importantes, o secularismo e direitos mais amplos para os curdos, continuam a ser os elementos mais polêmicos do debate constitucional.
O atual clima áspero da campanha eleitoral, com declarações duras e acusações entre os líderes políticos, criou um clima tenso, o que limita perspectivas de um consenso sobre uma nova Constituição depois da eleição. Isso também aprofunda a polarização e pode bloquear uma possível solução para o antigo problema curdo, que seria a incorporação das exigências daquela etnia à nova Constituição.
"O partido do governo pode aprovar uma nova Constituição. Mas se ganhar a maioria absoluta no Parlamento, a legitimidade do documento será questionável", avisa o politólogo Heper. "Os líderes políticos devem se mover no sentido da reconciliação. Caso contrário, a questão da Constituição voltará a polarizar a Turquia, dividindo o país em dois, três, quatro. Então, a Turquia vai enfrentar mais problemas."
Autor: Ayhan Simsek (md)
Revisão: Alexandre Schossler
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