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domingo, 19 de agosto de 2012

Riobaldo e a procissão da prosperidade

"Olhe: muito em além, vi lugares de terra queimada e chão que dá som – um estranho. Mundo esquisito! Brejo do Jatobazinho: de medo de nós, um homem se enforcou. Por aí, extremando, se chegava até no Jalapão – quem conhece aquilo? – tabuleiro chapadoso, proporema. Pois lá um geralista me pediu para ser padrinho de filho. O menino recebeu nome de Diadorim, também. Ah, quem oficiou foi o padre dos baianos, saiba o senhor: população de um arraial baiano, inteira, que marchava de mudada - homens, mulheres, as crias, os velhos, o padre com seus petrechos e cruz e a imagem da igreja – tendo até bandinha-de-música, como vieram com todos, parecendo nação de maracatu! Iam para os diamantes, tão longe, eles mesmo dizendo: “... nos rios...” Uns tocavam jumentos de almocreve, outros carregavam suas coisas – sacos de mantimentos, trouxas de roupa, rede de caroá a tiracol. O padre, com chapéu-de-couro prà-trasado. Só era uma procissão sensata enchendo estrada, às poeiras, com o plequeio das alpercatas, as velhas tiravam ladainha, gente cantável. Rezavam, indo da miséria para a riqueza. E, pelo prazer de tomar parte no conforto de religião, acompanhamos esses até à Vila da Pedra-de-Amolar. Lá venta é da banda do poente, no tempo-das-águas; na seca, o vento vem deste rumo daqui. O cortejo dos baianos dava parecença com uma festa. No sertão, até enterro simples é festa. Às vezes eu penso: seria o caso de pessoas de fé e posição se reunirem, em algum apropriado lugar, no meio dos gerais, para se viver só em altas rezas, fortíssimas, louvando a Deus e pedindo glória do perdão do mundo. Todos vinham comparecendo, lá se levantava enorme igreja, não havia mais crimes, nem ambição, e todo sofrimento se espraiava em Deus, dado logo, até à hora de cada uma morte cantar. Raciocinei isso com compadre meu Quelemém, e ele duvidou com a cabeça: – “Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho...” – ciente me respondeu."

(João Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”, 19ª ed., Nova Fronteira, 2001, pp. 73-74)



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