A estranha combinação de humor islâmico com católicos fundamentalistas da extrema direita assombra os franceses, segundo informou o Estadão em 12/01/14:
Humorista francês une islamistas e extrema direita
Piadas antissemitas e ridicularizando Holocausto transformaram Dieudonné M'Bala M'Bala em líder de radicalismos antagônicos
Andrei Netto
Em suas apresentações, sempre lotadas, ele prega o antissemitismo e opera um milagre: reúne um público que vai de fascistas a islamistas, unidos pelo ódio aos judeus - ou pelo direito de rir sobre qualquer assunto.
Dieudonné ganhou fama nos anos 90, quando suas piadas batiam firme em Jean-Marie Le Pen, à época presidente da Frente Nacional (FN), maior partido de extrema direita da França. Popular, chegou a se candidatar a deputado em 1997 e 2001, sempre com bandeiras antifascistas e até ambientalistas, além da defesa da minoria negra do país, da qual foi líder ao promover a Marcha dos Povos Negros da França, em 2000.
Mas seus alvos logo mudariam, para a surpresa do grande público e da imprensa. A partir de 2002, Dieudonné passou a adotar em seu repertório, sem razão aparente, piadas que sugeriam a negação do Holocausto e o antissemitismo, a denúncia do que chama de "lobby americano-sionista" e o apoio indireto ao extremismo islâmico.
Não bastasse, ele se aproximou da família Le Pen, aparecendo em público com Jean-Marie, a quem passou a apoiar. O extremista, argumentou o ator, "estende a mão aos franceses de origem estrangeira, e mais particularmente aos estrangeiros de origem africana". Em 2008, a aproximação os tornaria íntimos, quando o líder da Frente Nacional foi convidado a ser padrinho do filho do humorista, batizado em uma abadia católica ultraconservadora.
Nessa época, o ator já havia multiplicado declarações em favor de Mahmoud Ahmadinejad, ex-presidente do Irã, apoiado o grupo xiita libanês Hezbollah e o ditador da Síria, Bashar Assad, e até elogiado Osama bin Laden. Em 2012, chegou ao ápice de sua transformação ao tentar apresentar no Festival de Cinema de Cannes um filme denominado O Antissemita, barrado pelos organizadores.
"Dieudonné deixou o mundo dos humoristas e entrou no da política", afirmou ao jornal Le Monde o produtor cultural Alain Degois, que acompanhou o início de sua carreira. "É um humorista que mergulhou nas sombras", confirma François Rollin, também humorista e ator, que se distanciou do colega. "Hoje, é preciso proibi-lo de se apresentar. A liberdade de expressão não justifica tudo."
Foi a essa luta que o governo da França se lançou nessa semana. Em uma ofensiva legal contra o humorista, o Ministério do Interior acusou Dieudonné de incitar o ódio racial por divulgar o antissemitismo em seus shows, decidindo proibi-los.
Sua nova turnê, "O Muro", que entraria em cartaz na quinta-feira em Nantes, foi alvo de uma ordem circular que orientou cidades e departamentos de todo o país a proibirem a realização dos shows. A pressão surtiu efeito: no sábado, Dieudonné anunciou que renunciaria aos espetáculos.
A decisão foi tomada porque em suas mais recentes apresentações, já realizadas no Teatro La Main d'Or, em Paris, Dieudonné voltou a lamentar o fim do Holocausto e das câmaras de gás e a menosprezar os símbolos judeus. "Eu urinei no Muro das Lamentações", afirmou o ator em um de seus espetáculos, referindo-se ao local mais sagrado para os judeus. Sobre o jornalista Patrick Cohen, judeu, Dieudonné insinuou: "Quando eu ouço falar de Patrick Cohen, eu me digo: 'As câmaras de gás… Que pena'".
Além usar judeus e sionistas como seus alvos preferidos, o ator vem reforçando sua proximidade com a extrema direita. Dieudonné elogia personalidades fascistas, como o marechal Philippe Pétain, responsável pelo armistício com a Alemanha na Segunda Guerra, que resultou na ocupação da França e em um gabinete de extrema direita que colaborava com os nazistas. "No que diz respeito a presidentes, eu parei em Pétain. Eu gostava dele, porque ao menos via o que era justo", diz.
Seu percurso "artístico", porém, continuou a agregar admiradores até os últimos dias de 2013, quando o ministro do Interior, Manuel Valls, manifestou a intenção de impedir as exibições do ator. "Esses espetáculos não têm nada de criação artística", argumentou o ministro, classificando-o de "profundamente antissemita" em entrevista ao Journal du Dimanche. Também o presidente François Hollande mergulhou na polêmica, pedindo que "os prefeitos sejam vigilantes e inflexíveis" sobre a proibição.
A iniciativa, porém, provocou manifestações de desagravo. Em solidariedade ao ator, Nicolas Anelka, ex-centroavante da seleção da França - banido por sua indisciplina e desprezo pelos símbolos nacionais - não hesitou em reproduzir em campo, na Grã-Bretanha, a chamada "quenelle", um gesto fascista semelhante à saudação nazista, mas feito sobre o braço.
Apesar da ofensiva jurídica, o ator segue popular. Embora 71% dos franceses o rejeitem, 16% afirmam "ter uma boa imagem" de Dieudonné.
"Os espectadores não são antissemitas e têm consciência política, têm suas religiões e suas próprias visões críticas da história", assegura Jean-Louis Dupont, um de seus admiradores.
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