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domingo, 13 de julho de 2008

Grandes livros - 7


Começo dizendo que muita gente pode até discordar, mas, na minha modesta opinião, Miltom Hatoum é o maior escritor brasileiro vivo, o que não é pouca coisa nesta terra em que a leitura é tão desestimulada e a boa literatura é acessível a uma parcela muito pequena da população. 

O fato de seus três primeiros livros ("Relato de um Certo Oriente", "Dois Irmãos" e "Cinzas do Norte") terem recebido o Prêmio Jabuti (uma espécie de Nobel da literatura nacional) faz com que boa parte da crítica e de possíveis leitores virem o rosto para ele, numa atitude cínica e arrogante de que o que foi premiado não deve ser bom. 

Demorei bastante tempo até ler "Dois Irmãos", quando fui apresentado ao estilo refinado do escritor, com sua narrativa diferente e intrincada, elegantemente elaborada, onde se percebe a sua tentativa (bem-sucedida) de fugir aos padrões narrativos corriqueiros. 

É, portanto, de maneira enviesada, que somos apresentados à história dos gêmeos Yaqub e Omar, descendentes de libaneses na Manaus do começo do século XX, na transição do ciclo da borracha, já decadente, para a industrialização da Zona Franca. 

É um mundo que Hatoum certamente conhece muito bem, por ser manauara e descendente de libaneses, e ele conta esta estória com maestria, mostrando a rivalidade dos irmãos gêmeos à moda dos bíblicos Esaú e Jacó e do livro de Machado de Assis que também reconstrói - à sua maneira - a história dos filhos de Isaque. 

É interessante que Hatoum também se proponha a narrar os encontros e desencontros de uma família proveniente do mesmo Oriente Médio, perdida em meio aos calores do corpo e da alma da Amazônia. 

O seu relato às vezes parece fugidio, que se escapa da memória do narrador, desafiando-nos a persegui-lo, o que percebemos, afinal, que é um recurso proposital que o autor utiliza para experimentar, talvez, uma abordagem diferente, e que termina fazendo com que o leitor às vezes se perca nas brumas que separam (ou casam) o sol e a chuva de Manaus. 

Passado este desconforto inicial, a leitura se revela instigante, inteligente, diferente e um mundo novo, amazônico, é descoberto ao final: a belíssima literatura de Miltom Hatoum.


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