sábado, 24 de janeiro de 2009

Pequenos delírios racionais



Sempre que alguém quer criticar a idéia de Deus, ou a religião, ou as crenças transcendentais em geral, é muito comum o apelo à racionalidade, como se ela fosse a solução para todos os males e a única forma de vida possível no planeta. Não raras vezes, se alega que podemos ser felizes apenas respeitando o próximo e as leis, que podemos aprender com os nossos próprios erros, que devemos amar e nos deixar ser amados, enfim, todo um discurso muito bonito, mas muito mais emocional do que racional, o que não deixa de ser contraditório. Afinal, evoca-se a emoção para enaltecer a razão.

Entretanto, os racionais que me desculpem, mas irracional é imaginar uma sociedade perfeita como esta que os racionalistas emotivos propõem. É belíssimo imaginar um mundo livre e harmonioso, mas, convenhamos, essa sociedade não existe, nunca existiu e provavelmente jamais existirá neste mundo. Basta verificar o argumento do "respeito à lei". A própria noção de lei depende de um consenso moral, e a criação de uma entidade imaginária (o "Leviatã" de Thomas Hobbes), o Estado, que regule a todos. Ora, a própria noção de Estado é, portanto, em sua origem, irracional, por mais racionais que sejam os desejos de institui-lo. Entretanto, com exceção dos anarquistas mais puristas, parece que a idéia de Estado é aceita por todos como absolutamente natural, sendo que - pasmem! - se trata de uma ficção jurídica do séc. XVIII. Nem por isso, saímos por aí chamando todos os cidadãos de irracionais por aceitarem obedecer as leis de um Estado.

Além disso, quem é que vai definir o que é erro? Erro é apenas a desobediência à lei ou está ligado a valores morais? Quem é que vai definir o que é amor? Não é o amor indefinível, apenas experimentado ou "experimentável"? Quem é que vai obrigar o outro a "se deixar ser amado"? Não tem ele o direito de recolher-se em seu exílio auto-imposto? Não são - tudo isso - valores subjetivos, que dependem das circunstâncias de cada pessoa? Então, ninguém é obrigado a crer em nada, mas deixe que creiam, que não queiram ser amados, que errem à vontade, deixe que sejam apenas humanos, demasiadamente humanos, mesmo naquilo que transcende a humanidade.

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