segunda-feira, 26 de abril de 2010

A higienização evangélica e o ovo da serpente


Com o título "Maldita INVEJA, é necessário HIGIENIZÁHHHHR", repercutiu bastante na blogosfera cristã o ataque de Marco Feliciano às críticas que (não) vem recebendo ultimamente, em especial do blog Genizah

Digo "não vem recebendo" porque Feliciano já teve dias piores na internet, e parece que - mesmo que inconscientemente - a inveja parte dele, ao ver que Silas Malafaia não só tem monopolizado as críticas da blogosfera, como arrecadado muito mais dinheiro com suas campanhas financeiras. 

Sobrou, portanto, pouco espaço para que Feliciano seja lembrado, e seu ataque parece mais um grito de desespero do tipo "Ei! Estou aqui! Falem bem ou falem mal, mas falem de mim!". 

O episódio do pastor-pilão parece tê-lo lançado no ostracismo. O inconsciente (ou ato falho, que seja!) de Feliciano permite, entretanto, uma outra leitura, bem mais perigosa. 

O seu trocadilho de mau gosto, comparando "higienizar" com "genizah", além da ameaça explícita, revela um traço típico das ideologias fascistas que ainda penetram e colonizam muitas mentes. 

Aliás, há muito tempo a ideologia chutou a teologia pra bem longe de alguns arraiais ditos "evangélicos", no melhor estilo de zagueiro de várzea: "bola pro mato, que o jogo é de campeonato". 

A analogia futebolística se justifica, pois também há muito tempo o comportamento de pastores e membros de igreja se parece mais com o de torcidas organizadas brigando em estádios de futebol. 

Não congregam, nem festejam, apenas torcem e tripudiam... 

 Neste caso, não é diferente. 

A "higienização" proposta por Feliciano, ainda que remeta a uma espécie de "genética religiosa", se assemelha muito à "higienização racial" do nazismo, também conhecida como "eugenia". 

Diga-se a favor dos nazistas, se é que isto seja possível, que o termo eugenia ("bem nascido", segundo a fonte grega) não foi criação deles, mas do inglês Francis Galton, em trabalho publicado em 1883, em que defendia a "seleção artificial" como consequência lógica da "seleção natural" de Darwin. 

Muita gente séria embarcou nessa nau do inferno sem perceber as suas implicações nefastas que o nazismo levou às últimas consequências meio século depois, em prol do seu ideal de pureza racial, inclusive com o programa "Lebensborn" ("Fonte da Vida", em alemão arcaico), que incentivava a "procriação eugênica" dos alemães arianos, facilitando inclusive a gestação de mães solteiras que atendiam os seus critérios de "raça higiênica". 

Como se percebe pela escolha das palavras, o nazismo adotava toda uma mitologia própria das religiões, embora se esforçasse para não parecer uma delas, sobretudo pela ancestral divisão alemã entre católicos do sul e protestantes do norte, que foram igualmente devorados pelo discurso da intolerância. 

 Não chega a ser surpresa, infelizmente, que muitos religiosos "evangélicos" utilizem este termo - "higienização" - de maneira amoral, como se nele não houvesse nenhum significado perverso subjacente. 

O seu uso demonstra, entretanto, que por trás de palavras aparentemente inofensivas, ainda que de mau gosto, se escondem perniciosas intenções totalitárias. 

No mesmo espectro se enquadra o discurso do ódio (travestido de "amor") dirigido aos homossexuais, como se integrassem uma "raça" que também merece "higienização". 

Marco Feliciano estava incomodado por ter sido esquecido pela blogosfera cristã, daí seu grito de desespero para que fosse notado. 

Para se destacar na fogueira de vaidades que consome o evangelicalismo brasileiro, escolheu indubitavelmente um trocadilho de mau gosto, mas revelou - a contragosto - que o que se esconde por trás das pregações neopentecostais televisivas é um jogo sujo de poder que pretende "higienizar" não só os blogs que lhes são críticos, mas moldar uma nova "raça" - superior, é claro! - de crentes facilmente manipuláveis por alguns líderes neopentecostais, que dirão (como de fato já dizem) o que devem crer, combater, ler e ver, bem como se portar e votar. 

"O Ovo da Serpente" ("Das Schlangenei", 1979) é um filme de Ingmar Bergmann que, através de gente comum, tenta entender a gênese do nazismo na Alemanha da década de 1920. 

No meio das relações sociais convencionais do cotidiano, o nazismo foi se instalando até atingir a irreversível metástase catastrófica. 

A cena abaixo mostra um pastor pedindo perdão por sua apatia e indiferença, algo impensável no atual cenário da igreja evangélica brasileira, mais preocupada com os seus "direitos", "posses" e "privilégios". 

Que não sejamos apáticos e indiferentes, pois a serpente segue botando os seus ovos atrás das fogueiras de vaidade do televangelismo nacional, e, infelizmente, não estamos na ilha de Malta (Atos 28), nem temos um Paulo que seja picado pela serpente da fogueira e não sofra consequência alguma...

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