segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Grandes livros - 9

No dia em que faz 50 anos que Albert Camus morreu, nada melhor que lembrar aquele que muitos consideram a sua obra-prima, "O Estrangeiro". 

É uma leitura paradoxal. De um lado, o texto flui rápido e facilmente, mas a intensidade de emoções diante da apatia de Mersault, o personagem principal, vai crescendo a cada página. 

O livro começa com a notícia da mãe de Mersault, e já dá a pista de como ele tem dificuldades em lidar com as emoções: "Mamãe morreu hoje. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo…". 

De cara, o leitor fica curioso pela aparente indiferença do filho, que vai se confirmar durante o restante da obra, não só em relação à mãe, mas às pessoas de sua relação e à humanidade como um todo. 

A história se passa na Argélia, e numa visita à praia, no meio de uma confusão banal, Mersault mata um árabe não exatamente por necessidade ou prazer, mas por total indiferença à vida do outro. 

Ao longo de um processo rápido, suas emoções (ou a falta delas) são reveladas em público, e o grande argumento que o leva a ser condenado à morte é - pasmem! - o fato de não ter chorado no funeral da mãe. 

O leitor mais exigente que nos perdoe, mas aqui cabe uma pequena fuga do assunto para comentar algo que - aparentemente - não tem nada a ver com o tema proposto.

Curiosamente, embora não pareça em nada ter sido inspirado em Camus, quem acompanhou a série de TV "Seinfeld" sabe que, no episódio final, os personagens são julgados e condenados pelo seu total desprezo pela humanidade.

Há, de fato, um certo humor involuntário no drama existencialista escrito por Camus, uma falta de sentido na vida de alguém que passa por ela como um devaneio tétrico provocado por uma insolação na praia.

Ao ler o livro,  nos surpreendemos e, por assim dizer, nos assustamos por perceber que o tédio e a angústia da vida de Mersault não estão sujeitos à nossa análise corriqueira do que seja efetivamente uma vida feliz. 

No final, aquele que eu considero o melhor momento do livro: o diálogo de Mersault com o capelão antes da sua execução, que é um daqueles momentos em que a sinceridade de Mersault embrulha o estômago do leitor pela virulência e (paradoxal) lucidez de suas palavras, o seu desprezo à humanidade e também à religião. 

Também por isso, não é uma leitura fácil nem recomendada para quem vê a religião apenas como uma muleta para suas necessidades imediatas.

Entretanto, não deixa de ser uma excelente maneira de conhecer melhor o que passa na cabeça de muita gente que rejeita Deus pela hipocrisia de muitos religiosos. 

Ler "O Estrangeiro" é fundamental para pelo menos começar a entender Camus e a nossa miserável humanidade.

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