sábado, 19 de abril de 2008

Grandes livros - 3

"O Túnel" é, para mim, o melhor livro de Ernesto Sábato, mais um grande escritor deste país de grandes escritores (e jogadores de futebol) que é... a Argentina, para horror dos arroubos patrióticos do Galvão Bueno. Isto não significa demérito ao restante da sua obra, que é igualmente importante e digna de destaque, como "Sobre Heróis e Tumbas". Entretanto, "O Túnel" tem a vantagem (rara, hoje em dia) de ser um livro curto e grosso, sucinto, com uma narrativa ágil e eletrizante, bem ao ritmo do seu personagem central, Juan Pablo Castel, como que acompanhando o seu delírio passional que o leva a matar Maria Iribarne. Não se preocupem, não estou contando o final do livro. Pelo contrário, a sua primeira frase revela o assassinato. Aí, em retrospectiva, Juan Pablo Castel, em primeira pessoa, leva o leitor ao momento inicial em que conheceu Maria Iribarne. Ele, um pintor até certo ponto medíocre, está no recinto da exposição de seus quadros, quando Maria é a única pessoa, em todo o vernissage, que observou (e se comoveu com) um pequeníssimo detalhe de uma mulher olhando pela janela numa casinha num cantinho obscuro de um dos seus quadros. Este pequeno "incidente" desperta uma paixão instantânea (e incendiária) de Juan Pablo por Maria, em que o real e o imaginário, o são e o doentio, insistem em se chocar numa série de acidentes de percurso, até o desfecho fatal. Obviamente, como o fim é revelado logo no começo, o que menos importa é este desfecho, mas tudo o que o implica, todas as coisas que levam a este desenlace cruel de uma paixão louca e alucinada que percorre uma Buenos Aires da década de 40, envolta em brumas e mistérios que a calada da noite demoraria mais a revelar não fosse o ritmo desesperado que contagia o leitor. O livro foi lançado em 1948, mas permanece atual. Lê-lo é conhecer a alma do argentino típico, as suas crises, os seus rompantes passionais, o tango impregnado nas veias e nas vias de uma cidade e um país que começava a perceber a sua decadência econômica e moral. Nada muito diferente do Brasil, obviamente, afinal somos muito mais parecidos do que o mais ferrenho patriota (de ambos os lados) queira negar. O porquê do título do livro é revelado num dos capítulos finais, e, por mais que eu considere essa descrição um dos melhores momentos da literatura mundial, prefiro me silenciar a tirar do leitor o prazer de chegar até aí, lê-lo, entendê-lo e, por que não dizer, surpreender-se ao identificar-se com o "túnel" de Juan Pablo Castel (e de Ernesto Sábato, por supuesto).

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