sábado, 26 de abril de 2008

Grandes livros - 4

Minha querida amiga Kika, conhecedora da minha "queda" por boas leituras, certo dia chegou pra mim dizendo que queria adquirir este bom hábito e por isso tinha comprado o livro "Neve", do escritor que ganhara o Prêmio Nobel daquele ano, 2006, o turco Orhan Pamuk, que havia sido lançado naquele mesmo ano pela Companhia das Letras, num desses raros faros para sucesso editorial que só eles têm. Ela tinha adorado a leitura, e quis que eu lesse o livro para saber se ela estava num bom caminho. Confesso que sou meio reticente quanto a esses prêmios, principalmente o Nobel, que de vez em quando premia alguns escritores de gosto duvidoso, como foi o caso, por exemplo, do japonês Kenzaburo Oe em 1994, cuja obra "Uma Questão Pessoal" geralmente leva o leitor a ter uma questão pessoal contra o autor, no caso, querer o dinheiro de volta e o tempo perdido na leitura de uma bobagem como essa. Confesso também que fujo da lista de best-sellers, talvez um pouco por arrogância da minha parte, mas, em geral, tem bobagens ali (como Lya Luft e suas receitas de água e ar açucarados) que deveriam estar na lista dos livros proibidos para propensos ao enjôo.

Comecei a ler "Neve" com este espírito de nariz empinado, mas aos poucos fui abaixando-o, conformando-me com minha pequenez e deliciando-me com a leitura. A história se passa na Turquia, mais especificamente na região curda, numa cidade chamada Kars, onde a neve parece eterna (não por acaso, "kars" significa "neve" em turco). O passado de guerras entre os impérios otomano e russo, e o presente fronteiriço com Síria, Iraque, Irã e Armênia dão uma idéia da conturbação por que passa aquela parte do mundo, que contamina o personagem central, um poeta turco emigrado para a Alemanha, chamado Ka. Os confrontos são inevitáveis, entre turcos, curdos e armênios, islâmicos radicais e nominais, ocidentais e orientais, ateísmo, secularismo e religião, democracia e opressão, e as pessoas se encontram, desencontram e inexoravelmente se perdem neste labirinto sem fim (nem via de escape). Logo no começo já sabemos que Ka não chegará vivo ao final do livro (o que não tira o prazer da leitura, devo alertar). Revendo sua antiga cidade, seus antigos amores (a bela Ïpek) e dilemas, Ka submerge na neve ensandecida de Kars, e a sua história é contada em primeira pessoa, mas só conhecemos quem a narra no final. A Turquia é um país misterioso, do qual quase nada sabemos. Ler "Neve" é uma maneira de mergulhar neste país e nesta cultura que nos parece tão exótica, mas ao mesmo tempo tão próxima. Terminada a leitura, devolvi o livro pra Kika e a felicitei. Que bom gosto tem esta mulher!

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