sábado, 30 de junho de 2012

A vida precisa de links afetivos

Se você tem dúvidas sobre o que ler no fim de semana, principalmente se não tiver muito tempo e quiser aprender algo útil para o resto de sua vida, leia a entrevista com Julio Ribeiro, presidente da agência de publicidade Talent, publicada pela Sonia Racy no Estadão de 25/06/12.

Assim, você não precisará chegar - como ele - aos 79 anos de idade para desfrutar da sabedoria que a maturidade traz, principalmente quanto a aproveitar melhor a sua vida.

A última frase da matéria é emblemática: "tem gente que está no paraíso e reclama da qualidade das toalhas". No mínimo, você repensará aquela sua ideia antiga de que publicitários não são seres humanos...

“DO QUE A VIDA PRECISA? DE LINKS AFETIVOS”

Aos 79 anos, Julio Ribeiro, fundador e presidente da agência de publicidade Talent, tem tempo para pintar, aprender jazz ao piano e participar, ativamente, da criação de campanhas para seus (poucos) clientes.

Também escreve livros sobre sua grande paixão. O mais recente (Marketing de Atitude – Como Fazer Suas Equipes e Seus Clientes Gostarem de Você) será lançado amanhã, no Iguatemi.

O segredo? “Faço o que gosto!” – desde que começou, em 1958, quando foi trabalhar na McCann Erickson. Depois, passou por Denison, Alcântara Machado e MPM. Em 1967, fundou sua primeira agência: Julio Ribeiro Mihanovich Publicidade, juntamente com Armando Mihanovich. E, em 1980, criou a Talent.

Após mais um dia de trabalho – quando foi informado de que a agência havia ganhado o Grand Prix na categoria rádio em Cannes (além de outros três leões) –, ele recebeu a coluna e falou sobre novas mídias, responsabilidade social, coisas que fazem mal à saúde, toalhas e, claro, vida.

A seguir, os melhores momentos da conversa com este Jerry Maguire brasileiro.

É preciso mesmo que o cliente goste de você?

Ninguém tem de fazer nada (risos). Mas interação é fundamental, sim. Você sabe que a Talent não perde um cliente há cinco anos? Tem a ver com isso, com certeza. O mais importante, claro, é que você goste de você. Eu, por exemplo, gosto de mim (risos). Quem não gosta de si mesmo não vai a lugar nenhum. E um ambiente de trabalho saudável é essencial – para que as pessoas possam fazer o que tem de ser feito com tranquilidade. Isso tem de ser passado para fora, para o cliente. Escrevi o livro por acreditar, piamente, nessa forma de trabalhar. Nós temos um cliente, um laboratório de exames médicos. Você entra e tem a impressão de que todos ali gostam de você. Essa experiência faz diferença. Por exemplo: você vai comprar uma bicicleta para seu filho. Ninguém sai procurando em dez lojas. Geralmente, vai a duas ou três. Ou seja, existe um filtro. E esse filtro está ligado à experiência que o comprador tem quando chega à loja.

Não tem a ver com preço?

Nem sempre. Pesquisas mostram que preço não é o fator mais importante. A interação com os atendentes e a experiência positiva da compra são essenciais. A Apple não me deixa mentir. Sempre que anuncia um produto novo, a fila na porta das lojas se forma uma semana antes do lançamento.

Às vezes, a empresa não ajuda.

Estava lendo um livro sobre gestão, estes dias, e um exemplo me chamou a atenção. Uma empresa americana especializada em limpeza de banheiros de estádios de futebol. Ninguém gostava de trabalhar lá, a rotatividade anual de funcionários beirava 100%. Um dia, um novo chefe de RH resolveu saber por que o turnover era tão alto. Sabe o que ele descobriu depois de uma pesquisa com os empregados? Que a maioria não gostava de trabalhar lá porque precisava pegar três conduções para ir de casa até a sede da companhia. O que a empresa fez? Criou uma linha de ônibus fretado. O turnover caiu para 40%.

Conhecer quem trabalha com você ainda é a alma do negócio?

As pessoas passam o horário nobre de suas vidas no escritório. Imagina: o funcionário tem um dia a dia horrível, chega em casa dizendo “eu vou acabar pedindo demissão” ou “eu não aguento mais aquele lugar, aquelas pessoas” e ouve da mulher que ele tem de pensar nas contas, na escola das crianças… Uma pessoa que vive assim não consegue brincar com os filhos, com o cachorro, não consegue ser atencioso com a esposa. Porque não existe a cabine do super-homem. Agora, quando você trabalha numa empresa em que as pessoas gostam de você, te respeitam, fica tudo mais fácil. São vantagens que mudam uma companhia. A criação desses links afetivos é o objetivo do meu livro.

É mais fácil estabelecer links afetivos em tempos de internet e redes sociais?

A internet dificilmente cria links afetivos. Eles só se estabelecem com relação pessoal.

A Talent nunca fez campanha para cigarro, bebidas destiladas e para o governo. Por quê?

Porque os três fazem mal à saúde (risos). Desde o início da Talent, em 1980, decidimos que não aceitaríamos – o que nos custa dinheiro, porque são clientes muito ricos. No que diz respeito à política, eu sigo um lema: “Quem dorme com cachorro acorda com pulga” (risos).

Qual foi seu primeiro cliente?

A Grendene. E, na época, o Alexandre (Grendene, fundador da empresa) estava com um problema. As sandálias de plástico eram consideradas coisa de pobre – ele não conseguia mudar esse conceito. Eu fiz uma pesquisa e descobri que o problema não era o produto, mas as pessoas. E as pessoas achavam o produto de baixo nível. O que não condizia com a realidade. Então, disse a ele: “Existem duas verdades: a primeira é o que os olhos veem; a segunda, a tela da TV Globo” (risos). A estratégia que adotamos? Fazer com que atrizes de novela usassem a sandália. Isso mudaria o conceito. Outra estratégia: convencer as mais influentes colunistas de moda de que o produto tinha charme. E conseguimos.

Atualmente, se critica muito as campanhas de TV. Elas estariam ficando menos inteligentes?

Acho que propaganda idiota sempre existiu. O que há, hoje, é mais mídia, mais formatos. O marketing dos dias atuais nasceu de três invenções simultâneas: o computador, o avião a jato e o satélite. Isso mudou tudo. Aproximou as pessoas, diminuiu as distâncias. Novas formas de se comunicar foram criadas. E vão se tornando nativas das gerações. O computador, por exemplo: eu ainda apanho, já meus netos aprenderam a mexer nele na escola. Agora, independentemente da mídia, o conteúdo não muda.

O meio é a mensagem?

Com certeza. Veja o exemplo deste filme que ganhou o Oscar, O Artista. Em tempos de cinema digital, 3D, venceu uma produção muda, em preto e branco. E por quê? Porque as aspirações são as mesmas, as formas é que mudam.

O que acha da proibição de publicidade voltada às crianças?

Toda vez que o governo mete a mão em alguma coisa, piora. Crianças gostam de brinquedos, sabem o que querem e não querem as mesmas coisas.

O politicamente correto atrapalha a vida da agência?

A gente se policia. Algumas vezes, nos antecipamos: “Ah, isso não vai passar pelo Conar”. Faz parte do processo social, a sociedade vai mudando. Deve fazer uns quatro anos que eu não recebo reclamação do Conar. Todo mundo sabe o que é socialmente incorreto. Mas somos contra intervenção do governo, de proibir propaganda para crianças ou de produtos que engordem. O cara come porque gosta, você não pode proibir o sujeito de comer. Agora, campanhas educativas ao estilo “coma de forma mais saudável”, isso a gente gosta. Quando comecei na carreira, durante as reuniões de criação, cortava-se a fumaça do cigarro com uma faca (risos). Hoje, não existe mais esse problema, ninguém fuma em ambiente fechado. E o processo foi, essencialmente, educativo. Outro exemplo: um dia, estava em casa fazendo a barba. Com a torneira aberta. Meu neto chegou e me deu bronca: “Você está desperdiçando a água do planeta, vovô!” Fechei a torneira na hora (risos).

O seu jeito low profile é um estilo criado ou é inerente a sua personalidade?

Tem gente que adora brilhar, aparecer na TV, badalar, sair em jornal e revista. Mas eu… não gosto. Uma vez fui escolhido para ser jurado em Cannes. Declinei. Ninguém acreditou! (risos) Não tenho vocação para board de empresa. Meu negócio é fazer planejamento e criação, é disso que eu gosto. É para isso que me pagam.

Você sempre trabalhou com poucos clientes. Num mundo voltado para o “quanto mais melhor”, isso é um problema?

A gente rejeita clientes com alguma frequência. E somos muito prósperos. Acho impossível ter uma boa agência e não ter limite de clientes. Porque, se você começa a pegar todos os que aparecem, acaba com um monte de coelhos numa sala (risos), não dá. Sempre fomos assim.

Acredita que a internet vai comer as outras mídias?


Não, porque a internet tem um problema: ninguém descobriu como ganhar dinheiro com ela. É uma obrigação das agências nos dias de hoje, você precisa investir nela, mas a verdade é que não dá dinheiro. Tem-se falado muito no iPad, mas também não o vejo como substituto de jornais e revistas. E os números mostram que os jornais têm crescido, apesar das mídias digitais. As revistas estão estáveis. O Bill Gates disse, há mais de uma década, que o papel iria desaparecer. Mas fez a biografia dele em papel (risos). 

Tem Facebook, Twitter?


Tenho tudo (risos). Mas minhas paixões são outras. Sou pintor, voltei a pintar. E estou estudando piano, jazz, porque gosto de improviso. Além disso, hoje fico mais com a família, cultivo mais os laços.

A que horas costuma chegar à agência?

Hoje, estou mais moderado (risos). Costumava chegar às 7h30 e sair às 19h. Agora, chego umas 9h, saio às 18h30.

Vida pessoal e profissional convivem em harmonia?

Eu me casei com minha primeira namorada. Tive meus filhos, tenho meus netos, escrevo meus livros, gosto do que faço. Acho que tudo pode conviver, sim, em harmonia. Mas depende, claro, de você. Tem gente que está no paraíso e reclama da qualidade das toalhas (risos).

DANIEL JAPIASSU



Cientologia teria causado divórcio de Tom Cruise e Katie Holmes


Parece que chegou ao fim o casamento que já parecia esquisitão desde que Tom Cruise pulou no sofá de Oprah Winfrey para mostrar que estava apaixonado por Katie Holmes.



A cientologia, religião da qual Tom Cruise é uma espécie de "embaixador mundial", parece estar no centro do furacão matrimonial, segundo apurou o site de celebridades TMZ, que não costuma errar o alvo, em notícia publicada no Terra:

Religião pode ser causa do divórcio de Tom Cruise e Katie Holmes

O motivo para o fim do casamento entre Tom Cruise e Katie Holmes pode ter sido a discordância de ambos sobre a Cientologia e o temor da atriz de que a filha deles, Suri, se envolvesse demais com a religião, informou nesta sexta-feira (29) o site TMZ.

Katie, ao contrário de Cruise, nunca se comprometeu 100% com a Cientologia e não quer que a filha siga o mesmo caminho do pai.

A atriz, de 33 anos, pediu a custódia legal da filha de seis anos no processo de divórcio - documentos que foram apresentados nesta sexta-feira em Nova York -, especialmente porque, segundo o site, não deseja que Cruise controle as decisões sobre ela que tenham a ver com a religião.

A Cientologia, religião criada por L. Ron Hubbard que surge da fusão de princípios e práticas do budismo e do hinduísmo com o conhecimento e tecnologia ocidental, defende o homem como um ser imortal e espiritual, e acredita na reencarnação.

O processo movido por Katie cita "diferenças irreconciliáveis" para solicitar o divórcio e acabar assim com o casamento de cinco anos. "Este é um assunto pessoal e privado de Katie e sua família. A preocupação principal de Katie continua sendo, como sempre foi, o melhor para sua filha", explicou seu advogado, Jonathan Wolfe.

Eles se casaram em um castelo da Itália em novembro de 2006. O representante do ator, de 49 anos, divulgou um comunicado no qual indica que seu cliente está "profundamente entristecido". "Ele está concentrado em seus três filhos. Por favor, respeitem sua privacidade", diz a nota.

Este foi o primeiro casamento de Katie e o terceiro de Cruise, que já foi casado com a atriz Mimi Rogers por três anos e com Nicole Kidman durante 11 anos, com quem teve dois filhos adotivos.

Tom Cruise se encontra rodando o filme Oblivion na Islândia, onde o casal foi visto há duas semanas, segundo fotos publicadas pelo TMZ.




sexta-feira, 29 de junho de 2012

Mendigos do centro de SP podem ficar sem sopão

Parece que o processo de "nazificação" de São Paulo segue de vento em popa. Em vez de atacar o problema promovendo o ser humano, a Prefeitura local vem tomando uma série de medidas (como o fechamento dos albergues noturnos e as rampas anti-mendigos debaixo dos viadutos) para expulsá-los da cidade, "higienizando" o seu centro.

Com isso, muitas organizações (principalmente religiosas de todas as estirpes) que distribuem alimento à população carente estão sendo "vigiadas" e podem até ser criminalizadas se insistirem em continuar fazendo essa coisa horrorosa chamada "caridade", segundo noticia o Jornal da Tarde de 27/06/12.

Tudo isso debaixo do olhar complacente de muita gente que se diz cristã, mas prefere andar por uma calçada "limpa" fingindo que o problema não existe...

Prefeitura quer proibir sopão grátis no centro

GIO MENDES

Em um prazo de 30 dias, a Prefeitura de São Paulo quer acabar com a distribuição do sopão para moradores de rua realizada por 48 instituições que oferecem o serviço voluntário nas vias públicas da região central.

Segundo a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, as entidades sociais poderão ser punidas caso não aceitem o convite de distribuir o alimento nas nove tendas da Prefeitura, como são conhecidos os espaços de convivência social que atendem os moradores de rua durante o dia.

O secretário de Segurança Urbana, Edsom Ortega, disse que as instituições que insistirem em continuar oferecendo comida na via pública para a população de rua serão “enquadradas administrativamente e criminalmente”.

A afirmação foi feita por Ortega durante uma reunião com representantes dos Conselhos Comunitários de Segurança (Conseg) e da Associação Viva o Centro na quarta-feira da semana passada. Procurado ontem pela reportagem, o secretário informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria antecipar que tipo de crime ou infração administrativa as entidades estariam cometendo.

A intenção da Prefeitura é fazer que os moradores de rua procurem os albergues à noite, onde são oferecidas refeições. O advogado Kleber Luiz Zanchim, da Associação Viva o Centro, disse que as entidades podem ser punidas apenas administrativamente pela distribuição irregular de alimentos.

“A Vigilância Sanitária impede a promoção de práticas que possam sujar a via pública. As entidades podem ser multadas e ter os veículos apreendidos”, disse. Segundo o advogado, as instituições não podem ser processadas criminalmente por fornecer comida na rua. “Só se esse alimento causar algum malefício para o morador de rua, como uma intoxicação alimentar ou sua morte”, explicou o advogado.

Para o superintendente da Associação Viva o Centro, Marco Antonio Ramos de Almeida, a medida proposta pela Prefeitura irá tratar o morador de rua com dignidade. “Eles poderão se alimentar sentados em cadeiras e usando talheres. Nas ruas isso é impossível”, disse Almeida. Segundo ele, a distribuição de comida pelas entidades colabora para que os moradores de rua não procurem pelos serviços oferecidos pela Prefeitura.

A instituição Anjos da Noite, que há 23 anos distribui alimentos para moradores de rua da região central, é contra a proposta da Prefeitura. “Amar o próximo é crime agora?”, questionou o presidente da Anjos da Noite, Kaká Ferreira, de 59 anos. Segundo Ferreira, muitos moradores de rua não querem ir para os espaços da Prefeitura. “Nesse caso eles ficam sem comer? Uma coisa não anula a outra. Podemos oferecer a comida para quem está nas tendas, mas queremos atender os moradores que não vão para os albergues à noite”, afirmou Ferreira. Segundo ele, a entidade ainda não recebeu o convite da Prefeitura.



quinta-feira, 28 de junho de 2012

Homem condenado por transar com cadela da ex-mulher

Não adianta você dizer que já viu (ou leu) de tudo na vida, que sempre aparece uma notícia bizarra para te desmentir e te deixar de boca aberta.

Nicholas Saunders, hoje com 46 anos de idade, foi casado com Kelly Thacker, de quem está divorciado já há 13 anos. Entretanto, como tiveram 3 filhos enquanto os laços do matrimônio os uniam, fizeram de tudo para se dar bem mesmo separados.

Tudo ia razoavelmente bem até 15 de janeiro de 2011, quando Nicholas, um pouco alterado pela bebida e por uma discussão com sua então namorada, que Kelly adjetiva como “bipolar”, foi procurar consolo na casa da ex-esposa às 1:45 h da madrugada.

Chegando lá, começou a se insinuar para Kelly, chegando a se enrolar com ela na cama, quando o cachorro da raça boxer, vendo a dona em perigo, tratou de pular no leito para se meter entre os dois, dando tempo à mulher para se safar dos carinhos exagerados do ex-marido.

Kelly desceu então para a parte inferior da casa, enquanto Nicholas assobiou chamando o outro cão da casa, uma cadela da raça gigante bull mastiff, que chega a pesar mais de 50kg.

Estranhando o silêncio que se seguiu, Kelly decidiu subir ao andar superior do sobrado, e qual não foi a sua surpresa ao ver pela fresta da porta do quarto que Nicholas estava tendo relações sexuais com a cachorra.

Pego em flagrante, e chamada a polícia, Nicholas ainda tentou negar a história, mas a delegacia local requereu uma vistoria no seu pênis, do qual foi extraído material genético que exames laboratoriais posteriores confirmaram se tratar de DNA da cadela.

O inusitado caso deu origem a uma ação penal em Gloucester, na Inglaterra, em que o júri local considerou Nicholas culpado, e o juiz, talvez sem saber ainda como e no que condená-lo, dilatou o prazo para a sentença até o próximo dia 27 de julho, quando finalmente proferirá o veredito.

Enquanto isso, Nicholas Saunders está proibido de se aproximar da ex-esposa e dos filhos (além da cadela traumatizada, é claro), mas pelo menos agora ele é um tarado que virou motivo de chacota internacional.

Não fosse a fonte da notícia o The Independent, além do fato de estarmos já longe do 1º de abril, seria muito difícil acreditar na veracidade da história.

O que o desespero não faz, né não?




Como o mundo vê as missões entre os indígenas

Artigo de Felipe Milanez publicado na revista Rolling Stone nº 63 em dezembro de 2011, que merece ser lido para se ter uma visão de como o mundo secular percebe - negativamente - o trabalho missionário entre os indígenas:

O mercado de almas selvagens

Missionários cristãos investem pesado na evangelização dos índios brasileiros com métodos ortodoxos, investimento internacional e persistência messiânica

Jesus ressuscitou. Saiu do sepulcro e apareceu primeiro para Maria Madalena. Em seguida, ela anunciou aos que haviam estado com ele. Manifestou-se a dois que iam para o campo, e depois a outros. Finalmente, de acordo com o Evangelho segundo Marcos, capítulo 16, Jesus apareceu aos 11 assentados à mesa “e lançou-lhes em rosto a sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem crido nos que o tinham visto já ressuscitado”. Disparou então, segundo o livro sagrado dos cristãos, a mensagem determinante da “missão”, em versículos 15 e 16:

“E disse-lhes: ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura.”
“Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.”

No versículo 17, ainda segundo Marcos, Jesus vai mais longe: “E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome expulsarão os demônios, falarão novas línguas”.

Condenadas à danação de um pecado original estão as criaturas não batizadas, portanto, todas as culturas não cristãs. Aos crentes, foi dada a obrigação, na forma de uma missão, da evangelização universal: eles deveriam traduzir a Bíblia para todas as línguas. Tarefa arriscada nos “confins da Terra”, que viria a ser complementada, pelo versículo 18, com a proteção divina: “Pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão”.

Outubro de 2011, Caldas Novas, interior de Goiás: em um hotel de águas termais, tendas estão dispostas como uma conferência comercial, ou como uma feira de negócios na qual empresas utilizam estandes para vender seus pacotes e produtos. “Judeus por Jesus”; “Curso de Evangelização de Árabes”; “Missão Novas Tribos do Brasil”; “Adote um Povo”. Índios, ciganos, quilombolas, pobres do sertão nordestino: no VI Congresso Brasileiro de Missões, todas as criaturas desprovidas possuem representantes que negociam suas almas.

Minha alma, ateia, é a única condenada que circula pelo local. “Experimenta uma vez”, diz um senhor, com sorriso maroto no rosto. “Sou careta”, brinco. Ele quer que eu experimente a religião dele, como se fosse uma cápsula de felicidade a ser engolida. “Experimenta, você não vai se arrepender. Você vai ser feliz.”

Desconverso, contando histórias de aventuras na Amazônia. “Já sei”, diz o pastor Thomas Gregory. “Precisamos de gente com coragem.” Ele me oferece um exemplar do livro O Contrabandista de Deus, com a seguinte dedicatória: “Por Jesus vale a pena gastar nossas vidas! Experimente!” Em seguida, me apresenta a um jovem destemido da missão “Portas Abertas: Servindo Cristãos Perseguidos”. “Estamos indo traficar Bíblias para a China em dezembro. Ano que vem, vamos levar até a Coreia do Norte”, o rapaz me relata, determinado, consciente dos riscos de antecipar o que acredita ser o “julgamento final” e negando qualquer tipo de medo. “Não. Jesus está comigo”, diz.

No encontro organizado pela Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), os índios são apenas uma parte de um universo pagão de almas condenadas. Parte pequena, porém cobiçada: de acordo com levantamento da própria AMTB, os índios são compreendidos como 616 mil indivíduos de 340 etnias (para a Funai são 220) e que falam 181 línguas. Ainda segundo os mesmos cálculos, no Brasil há 69 línguas sem a Bíblia traduzida, 182 etnias contam com presença missionária evangélica e 257 programas de evangelização estão em curso, coordenados por cerca de 15 agências missionárias de diferentes denominações evangélicas históricas, mas em sua maioria batista, associadas à AMTB.

De todas as almas selvagens existentes, as consideradas mais valiosas são as dos índios ditos “isolados”: elas representam o universo a ser conquistado e cuja alma adquire maior valor, econômico e moral, no mercado espiritual. O levantamento da AMTB indica que 147 etnias não possuem a presença missionária evangélica, e que 27 povos seriam considerados “isolados”. O principal desafio que consta no relatório “Indígenas do Brasil” são as “etnias remotas (com pouco ou nenhum contato externo)”, que somam 42 povos. A lista mais recente da Funai, a ser divulgada, aponta 84 referências onde podem existir povos indígenas sem contato. Nesses locais, geralmente áreas de difícil acesso, é proibida a entrada de qualquer indivíduo sem a autorização da Funai.

Os “índios isolados” são as comunidades indígenas que vivem de forma autônoma na floresta, evitam a aproximação com o universo ocidental e esse contato, se ocorrer, é eventual e conflituoso. A ocupação recente da Amazônia ocasionou os primeiros encontros com diversos povos, como os zo’é e suruwahá, que a Funai considera de “recente contato”. Eles recebem proteção especial em razão da vulnerabilidade física da população, suscetível a epidemias.

O principal objetivo dessas agências evangelizadoras é “alcançar” outras culturas com a leitura de sua forma de crença, daí o aspecto “trans” do tema “cultural” das religiões. “Precisamos de mais 500 novos missionários para pregar o Evangelho a todos os povos indígenas no Brasil”, conclama no microfone Ronaldo Lidório, um dos principais líderes desse movimento. Traduzindo: o objetivo é convencer os índios, assim como todas as pessoas do mundo, a se tornarem crentes – salvar as almas condenadas pelo pecado original.

Henrique terena é alto, tem cabelos longos e usa um charmoso cocar de penas azuis de arara. Falando com desenvoltura e retórica apurada, ele anda sempre próximo a Eli Tikuna, líder indígena que vem da margem do rio Solimões, já quase na fronteira com a Colômbia. Juntos, aguardam o chamado para pregar no salão lotado de brancos, curiosos para ouvir os tais “índios crentes”.

Grandes astros da conferência, os índios pastores formam o que os missionários evangélicos consideram ser a “terceira onda evangelizadora”. Primeiro, eram os estrangeiros que aportaram no Brasil com a Bíblia debaixo do braço (no século 19 e no pós-guerra); a segunda onda ocorreu por meio dos missionários brasileiros, com a institucionalização das missões estrangeiras no Brasil, ao longo da segunda metade do século passado; e hoje os próprios índios agem como missionários.

As almas indígenas são o objeto do alcance proselitista de um determinado grupo de evangélicos, principalmente os de denominação batista (conhecidos como “históricos”). O sistema de evangelização ocorre segundo regras capitalistas, com agências, igrejas e crentes financiadores. Por trás de tudo, há diversos interesses que se aliam com a conveniência exigida para a alma condenada ser alcançada – garimpeiros no Amapá, madeireiros e fazendeiros no Pará, seringueiros no Acre, o exército no Amazonas. Nessas alianças, domesticar os selvagens para servirem de mão de obra é o objetivo dos laicos. Já o alcance e a salvação das almas é a verdadeira missão religiosa.

Em 1991, a Fundação Nacional do Índio determinou a expulsão de todas as missões das áreas indígenas e rompeu os contratos que tinha com os missionários de prestação de saúde e educação para os índios. Por parte do governo, não havia o conhecimento exato do número de aldeias com presença missionária. Mas o então presidente da Funai, o sertanista Sidney Possuelo, conhecia de perto a atuação da New Tribes Mission (hoje, Missão Novas Tribos do Brasil) junto do povo zo’é, cujo primeiro contato ocorreu em 1986. Na época, a expedição contava com a presença de Edward Luz, que atualmente é o presidente da Novas Tribos do Brasil. Antropólogos afirmaram então que cerca de 30% da população índia pereceu devido a doenças levadas pelos missionários. Possuelo, que trabalhou junto aos zo’é, determinou a retirada dos missionários assim que assumiu a Funai. Na visão de Luz, que até hoje tenta retomar contato com os zo’é, a Funai “persegue” os missionários.

“Nós, como instituição, só temos a agradecer a essa perseguição. Porque quanto mais a perseguição vem, mais nós crescemos”, afirma Luz. “O Cristianismo sempre foi pautado por isso. O sangue dos mártires regava a semente daqueles que haviam de nascer. E no governo brasileiro isso foi a mesma coisa.”

Conheci Edward Luz no V Congresso Brasileiro de Missões, em 2008, em Águas de Lindoia (SP). Naquele momento, o drama da tribo dos índios suruwahá estava à tona: a Funai havia expulsado dali o grupo “Jovens com uma Missão” (Youth with a Mission, no original). Os missionários acusavam os índios de serem violentos assassinos de crianças e praticarem o infanticídio – era preciso a evangelização para salvá-los. A Funai culpa os missionários por uma leva de suicídios que chegou a atingir 10% da população local. Marcia Suzuki foi a missionária que se colocou como porta-voz do drama. “No Parque do Xingu também praticam o infanticídio, e dizem que não”, ela declarou na época. O tema do infanticídio foi levantado na mídia em torno de um filme de ficção, mas tratado como um “docudrama”, realizado pelo filho do fundador da Youth with a Mission, o cineasta David L. Cunningham. Em Hakani: A Survivor’s Story, índios suruwahá aparecem enterrando uma menina viva. O departamento da Funai que protege os suruwahá afirmou que os índios ficaram revoltados ao saber da história. Hakani, a tal criança índia, foi retirada da aldeia por Suzuki e hoje a acompanha em igrejas, na busca de recursos para a missão Atini. O drama de Hakani também serviu para divulgar um projeto de lei chamado Muwaji, que incriminaria funcionários públicos em caso de infanticídio e que legitimaria a presença de evangélicos em aldeias.

A bancada evangélica no Congresso Nacional, formada por cerca de 50 deputados, pouco se mobilizou. A maioria, pentecostal, é distante das denominações históricas, como os batistas. “Há evangélicos contra a evangelização dos índios, como os ecumênicos”, afirma Geter Borges, assessor parlamentar presente no Congresso Brasileiro de Missões. As divergências internas praticamente impediriam, diz ele, que a bancada mostrasse uma união sobre projetos – “não votam juntos, e não têm o peso e a força, por exemplo, dos ruralistas”, diz. Sobre a evangelização, Borges contextualiza: “Esse grupo da AMTB é que tem essa proposta de evangelizar os índios, que é proselitista. É a visão que se tem do Espírito Santo. Eu sou batista, mas creio que podemos ser salvos sem o batismo”.

A estratégia de utilizar os próprios índios como missionários foi definida no VI Congresso de Missões. E, para facilitar a realização do trabalho, eles farão uso de um dogma retórico: “O Estado não pode impedir um índio de encontrar um outro índio”, explica Luz. O objetivo das agências atualmente é capitalizar a maior quantidade de indígenas possível para se tornarem pastores. Para provocar uma reação pública, decidiram que irão solicitar, através dos índios kanamari, o ingresso na terra indígena Vale do Javari, onde está localizada a maior população de índios isolados remanescente do mundo. Caso a Funai negue a presença missionária, a estratégia prometida será acionar o Poder Judiciário contra o governo. “Metade dos povos indígenas não são aldeados. Um grande número frequenta as universidades. E a maioria fala: vou voltar para o meu povo e vou levar o evangelho pra eles. E contra essa força não há resistência”, conclama Luz.

O presidente da Novas Tribos insiste que o impedimento da entrada dos missionários nas aldeias tem cunho “ideológico”. “A Constituição não dá amparo para esse tipo de perseguição”, afirma Luz. “Nós temos o direito de pregar o evangelho para todo mundo. E toda pessoa tem o direito a aderir ou não. Vamos levar essa discussão às raias do Supremo.” Argumento-chave nesse debate é o que Luz chama de “direito da comunidade indígena de decidir o seu presente e seu futuro” – ou seja, de escolher sua religião. É o mesmo ponto levantado por alguns raros antropólogos que não se opõem aos missionários. “Os índios podem escolher seu destino”, declarou uma antropóloga evangélica que não quis ser identificada. “Agora, nem sempre os missionários são honestos nas opções que oferecem.”

“A motivação deles é ideológica: eles querem expandir a ideologia religiosa deles para todos os seres humanos do planeta”, rebate Márcio Meira, presidente da Funai, que alega que a Constituição Federal protege a liberdade de crença, assegurando a proteção aos locais de culto. Nesse caso, a Funai tem poder de vetar a entrada nas áreas habitadas por índios “isolados”, assim como dos povos de pouco contato: “Cabe ao Estado laico exercer o poder de proteção e impedir qualquer contato de missionários com índios isolados”.

“Alguns povos, como os zo’é, os yanomami, os suruwahá, possuem contato, mas não possuem elementos de conhecimento das outras religiões para tomar uma decisão. Temos que garantir seus espaços de liturgia”, prossegue Meira, afirmando ainda que a Fundação não intervém nos casos de povos com contato antigo com a sociedade envolvente. “A Funai tem a obrigação legal de respeitar a vontade dos índios de permanecerem isolados”, diz.

“Em 2 mil anos, a bíblia foi traduzida apenas para 500 línguas”, prega o pastor Ronaldo Lidório no grande salão do VI Congresso Brasileiro de Missões, com certo tom de indignação frente às ovelhas de seu rebanho. É a hora de provocar “um tsunami espiritual”, conforme reforça o pastor indígena Henrique Terena no mesmo salão principal. Todos parecem chocados com mais um dado “oficial” divulgado pela AMTB: “147 povos indígenas no Brasil não conhecem o Evangelho”.

O encontro das sociedades europeias com os índios na América aflorou entre os crentes a missão determinada pelo “ide” de Marcos. Pelo lado católico, a catequização foi praticada inicialmente na aliança da Companhia de Jesus, pelos jesuítas, com os estados colonizadores espanhol e português (rompida no século 18). As tentativas de conquista de holandeses e franceses foram acompanhadas de religiosos protestantes. Enquanto a famosa “Primeira Missa” católica foi celebrada em 26 de abril de 1500 pelo frade Henrique de Coimbra, o primeiro culto evangélico em terras brasileiras ocorreu mais de 50 anos depois, em 10 de março de 1557, no Rio de Janeiro, pelos huguenotes franceses. Poucos anos depois, Jacques Balleur foi enforcado por pregar a religião da Reforma junto aos índios tamoios.

Hoje, os católicos atendem sob a organização do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que prega, de forma oficial, o respeito às religiões indígenas. De acordo com essa leitura, o papel do Espírito Santo salvaria as almas, independentemente do batismo. “É a tese de São Tomás de Aquino. Mas alguns ainda praticam o proselitismo”, assume Paulo Suess, um dos principais teólogos do Cimi. “Nunca oficialmente. Nunca vão dizer isso abertamente em uma assembléia do Cimi. Mas na aldeia eles podem agir assim.” A última missão jesuíta em atividade no Brasil foi a Utiariti, no Mato Grosso, completamente destruída pelos índios nos anos 70. Alguns líderes indígenas, jovens na época, guardam más lembranças das atuações dos padres. “Forçavam o casamento interétnico”, recorda o índio pareci Daniel Cabixi. “A gente sofria muito.”

Com as revoluções sociais do pós-guerra, sobretudo por causa do Concílio Vaticano II, e a teologia da libertação que se desenvolveu em seguida, os católicos na América passaram a optar pelo princípio da “encarnação”, segundo manifesto escrito em Goiânia, em 1975: “Seguindo os passos de Cristo, optar seriamente, como pessoas e como igreja, por uma encarnação realista e comprometida com a vida dos povos indígenas, convivendo com eles, investigando, descobrindo e valorizando, adotando sua cultura e assumindo sua causa, com todas as consequências; superando as formas de etnocentrismo e colonialismo até o ponto de ser aceito como um deles”.

Em 1912, ocorreu a evangelização dos índios terenas, no atual Mato Grosso do Sul. Esse é o marco, entre os evangélicos, da primeira evangelização indígena no Brasil. E foi também entre os terenas que foi “plantada” a primeira igreja. Em julho de 2012, o Conselho Nacional dos Pastores e Líderes Indígenas (Conplei) prepara a comemoração do centenário desse primeiro batismo. “Vai ser um grande encontro”, promete o pastor Henrique Terena, que diz contar com a presença de indígenas evangélicos do Paraguai e da Bolívia. “Vamos receber cinco mil indígenas. E vamos criar o Conselho Mundial dos Pastores e Líderes Indígenas.” As inscrições para o evento custam de R$ 80 (índios) a R$ 200 (não índios).

Nesse verdadeiro mercado de almas que é o Congresso Brasileiro de Missões, até é possível “adotar” um povo. Em um dos estandes, a missionária explica: “Você assume esse povo, e deve orar por eles”. Além da oração, é sugerido também que sejam doados recursos para financiar o trabalho missionário. Valores não são mencionados, mas estima-se ser necessário cinco igrejas para sustentar o trabalho em um único povo. No palco, Eli Tikuna conta sobre o dia de glória que teve ao visitar uma igreja batista na Grande São Paulo: “Consegui R$ 10 mil em doações. Glória ao Pai!”

Na quinta edição do Congresso, em 2008, um empresário de São José dos Campos doou um avião modelo Caravan para a missão Asas do Socorro, que presta serviços de transporte aéreo para as agências missionárias e, segundo o comandante Rocindes Correa, conta já com 11 aeronaves. “Pregamos o evangelho integral, que cuida da alma, mas também da vida da comunidade”, diz Correa. Nesse intuito, a Asas do Socorro oferece também o transporte de médicos e dentistas evangélicos.

Segundo dados divulgados pela própria AMTB, a edição 2011 do Congresso Brasileiro de Missões custou por volta de US$ 40 mil e recebeu aproximadamente 500 pessoas (291 responderam a um questionário), sendo 40% batistas e mais da metade oriunda da região Sudeste. Um terço era de pastores, lideranças religiosas, e 98% dos presentes consideraram a programação “boa ou excelente”. A próxima edição, aliás, já tem data marcada: acontece em 2014.

E se jesus realmente retornar e for parar no meio dos índios? Dizem os crentes que a comunidade deverá estar preparada para recebê-lo – diferentemente do que aconteceu da primeira vez, quando ele nasceu em berço judaico durante a dominação romana e foi morto ainda jovem. Essa é a explicação sugerida pelo antropólogo Darcy Ribeiro, que morreu em 1997, sobre o principal motivo que leva os missionários a “gastarem sua vida” em nome da evangelização dos índios na Amazônia.

Foi Ribeiro quem trouxe os missionários do Summer Institut of Linguistics (SIL) para o Brasil, na década de 50. Preocupado com o desaparecimento das línguas indígenas, o antropólogo imaginaria que, ao custo da tradução da Bíblia, ao menos as línguas seriam documentadas, em caso de desaparecimento de um povo. Escreveu ele no livro Confissões: “Serviço maior meu foi mandar uma linguista do Instituto Linguístico de Verão, com doutorado, conviver com eles e dedicar-se por quase um ano ao estudo do idioma ofaié. Assim, ao menos sua língua se salvou pelo registro escrito e sonoro para futuros estudiosos das falas humanas”.

Quando se dedicou a salvar as línguas indígenas, Ribeiro desconhecia as ligações do SIL com a poderosa família norte-americana Rockfeller, que procurava novas jazidas de petróleo, e com a direita norte-americana e agências de informações dos Estados Unidos, fatos mostrados no livro Thy Will Be Done, de Gerard Coilby e Charlotte Dennet. No Brasil, onde persiste o fantasma da “internacionalização da Amazônia”, essas ligações suspeitas fizeram crescer os temores de ações escusas dos missionários.

Se externamente há fantasmas da internacionalização, nas aldeias, os índios reclamam da interferência em suas culturas. Os missionários Manfred e Barbara Kern, da New Tribes, divulgaram que um dos líderes indígenas da tribo uru-eu-wau-wau, de Rondônia, teria cometido adultério. “Pelo que entendemos, ele é reincidente e já foi repreendido pelos outros líderes”, escreveram eles, em uma carta pública divulgada em 28 de junho. “Reze para o Senhor fazer um grande trabalho de restauração na sua vida e da sua esposa.” Os uru-eu formam um povo tupi e não são tradicionalmente monogâmicos, mas, de acordo com os missionários, estão “aprendendo a ser”.

A abordagem em relação ao adultério foi justamente o que chamou a atenção do líder indígena Davi Kopenawa Yanomami sobre a conduta suspeita de missionários. Ele afirma ter conhecido o Evangelho através da ação de membros da Novas Tribos, que estiveram presentes na aldeia yanomami Toototobi, e fez sua opção: “O missionário não é como garimpeiro. É outro político. Eles não invadiam a terra, mas a nossa cultura, a nossa tradição, o nosso conhecimento. Eles são outro pensamento para tirar o nosso conhecimento e depois colocar o conhecimento deles, a sabedoria deles, a religião deles. Isso é diferente. Eu, Davi, já fui crente. Junto com eles. Mas depois queria conhecer Jesus Cristo. E não deu certo. Um missionário não índio namorou uma yanomami. Daí não deu certo. Descobri que não é verdade. Aí eu não acreditei mais. São crentes falsos. E não acreditei mais”.

De fato, não é incomum as alianças estratégicas para a evangelização assumirem feições mais mundanas, muitas vezes contrárias aos direitos indígenas. Em um caso emblemático ocorrido em 1986, a Novas Tribos teria se unido a seringueiros que escravizavam índios no Acre, conforme relata o cacique yawanawa Biraci “Bira” Brasil.

Ainda jovem, Bira foi morar em Rio Branco (AC), onde percebeu que “nosso povo estava não apenas perdendo a língua, mas perdendo o nosso espírito. Nossa conexão espiritual com nós mesmos, com a natureza, com o nosso mundo, com os nossos ancestrais”. Decidiu, então, unir os jovens e expulsar os missionários, instalados na tribo por três décadas. “Convenceram todo mundo a ser crente. Botaram uma ameaça no nosso coração, dizendo que sem essa religião todo mundo iria para o inferno, que nós não teríamos salvação, não seríamos capaz de ser um povo feliz. Que nós vivíamos com o demônio. Que nossos rituais e nossas crenças eram coisas do demônio.”

“Eram racistas”, o cacique prossegue. “Não gostavam da gente, pareciam que tinham nojo de índio. Não deixavam índio andar no mesmo barco com eles. Não deixavam comer junto. Nos tratavam mal. Sem respeito. Principalmente os americanos. Eram muito arrogantes. A gente sofria muito. A gente tinha vergonha de ser a gente. A missão estava dizendo que a nossa cultura era coisa do demônio. Nossa ayahuasca, nossas cerimônias. Nós éramos proibidos, através da intimidação, de realizar nossos rituais. Do lado da missão estavam os seringalistas, seringueiros. Se aliavam com todo mundo. E a igreja fazia a gente aceitar ser dominado. Além da evangelização, dessa descaracterização cultural do nosso povo, ainda mantinham a presença dos não indígenas dentro da terra. Faziam a gente aceitar nossa condição de escravo.”

A expulsão dos missionários e dos seringueiros ocorreu em uma noite de 1986. Em carta publicada em 28 de fevereiro desse ano, os missionários Stephen e Corine relatam que na época os índios queriam “roubar seus pertences e queimar suas casas”. A Polícia Federal foi convocada, e Bira foi perseguido e acusado de ter se engajado com uma “organização de esquerda”.

Atualmente, Bira é referência espiritual na aldeia e há uma década organiza um dos maiores festivais indígenas do Brasil, o Yawa, quando recebe povos de outras etnias e visitantes ocidentais para celebrar a cultura e a espiritualidade yawanawa, com muito rapé e ayahuasca. Ele também viaja pelo mundo realizando rituais xamânicos tradicionais de seu povo. Aprendeu com os pajés Yawa e Tatá, que nunca deixaram de praticar os ritos, ainda que escondidos, durante a dominação da Missão Novas Tribos.

No que depender das agências evangelizadoras, porém, a luta está apenas começando. “A perseguição nos dá força. O sangue dos mártires regava as sementes daqueles que haviam de nascer”, reforça o missionário Edward Luz, prometendo jamais desistir de evangelizar o povo zo’é, de onde foi expulso pela Funai. “Nós vamos voltar para os zo’é. Não sei como. Mas vamos voltar. Nosso Deus é soberano. O homem pode espernear, mas no final vai ter um encontro com Deus. E, se não estiver preparado, vai sofrer.”

Luz prevê que, se o Estado tentar impedir a pregação da Bíblia nas aldeias, o fato poderia unir todas as denominações evangélicas, que são rivais entre si. “Se [o governo] proíbe pregar o evangelho, está proibindo a liberdade da adoração; proíbe o autor do evangelho, o senhor Jesus; e proibiu a Bíblia, proibiu o Deus criador”, diz. E desafia: “E nós partimos para um confronto”



quarta-feira, 27 de junho de 2012

Quando o Vaticano se comporta como seita paraguaia

Artigo de Mauro Santayana no JBOnline:

O golpe em Assunção e a Tríplice Fronteira

A moderação dos Estados Unidos, que dizem estranhar a rapidez do processo de impeachment do presidente Lugo, não deve alimentar o otimismo continental. Em plena campanha eleitoral, a equipe de Obama (mesmo a senhora Clinton) caminha com cautela, e não lhe convém tomar atitudes drásticas nestas semanas. Esta razão os leva a deixar o assunto, neste momento, nas mãos da OEA. Na verdade, se as autoridades de Washington não ordenaram a operação relâmpago contra Lugo, não há dúvida de que o Parlamento paraguaio vem sendo, e há muito, movido pelo controle remoto do Norte.

E é quase certo que, ao agir como agiram, os inimigos de Lugo contavam com o aval norte-americano. E ainda contam. Conforme o Wikileaks revelou, a embaixada norte-americana informava a Washington, em março de 2009, que a direita preparava um “golpe democrático” contra Lugo, mediante o Parlamento. Infelizmente, não sabemos o que a embaixada dos Estados Unidos em Assunção comunicou ao seu governo depois e durante toda a maturação do golpe: Assange e Meaning estão fora de ação.

Não é segredo que os falcões ianques sonham com o controle da Tríplice Fronteira. Não há, no sul do Hemisfério, ponto mais estratégico do que o que une o Brasil ao Paraguai e à Argentina. É o ponto central da região mais populosa e mais industrializada da América do Sul, a pouco mais de duas horas de voo de Buenos Aires, de São Paulo e de Brasília. Isso sem falar nas cataratas do Iguaçu, no Aquífero Guarani e na Usina de Itaipu. Por isso mesmo, qualquer coisa que ocorra em Assunção e em Buenos Aires nos interessa, e de muito perto.

Não procede a afirmação de Julio Sanguinetti, o ex-presidente uruguaio, de que estamos intervindo em assuntos internos do Paraguai. É provável que o ex-presidente — que teve um desempenho neoliberal durante seu mandato — esteja, além de ao Brasil e à Argentina, dirigindo suas críticas também a José Mujica, lutador contra a ditadura militar, que o manteve durante 14 anos prisioneiro, e que vem exercendo um governo exemplar de esquerda no Uruguai.

Não houve intervenção nos assuntos internos do Paraguai, mas a reação normal de dois organismos internacionais que se regem por tratados de defesa do estado de direito no continente, o Mercosul e a Unasul — isso sem se falar na OEA, cujo presidente condenou, ad referendum da assembleia, o golpe parlamentar de Assunção.

É da norma das relações internacionais a manifestação de desagrado contra decisões de outros países, mediante medidas diplomáticas. Essas medidas podem evoluir, conforme a situação, até a ruptura de relações, sem que haja intervenção nos assuntos internos, nem violação aos princípios da autodeterminação dos povos.

A prudência — mesmo quando os atos internos não ameacem os países vizinhos — manda não reconhecer, de afogadilho, um governo que surge ex-abrupto, em manobra parlamentar de poucas horas. E se trata de sadia providência expressar, de imediato, o desconforto pelo processo de deposição, sem que tenha havido investigação minuciosa dos fatos alegados, e amplo direito de defesa do presidente.

Registre-se o açodamento nada cristão do núncio apostólico em hipotecar solidariedade ao sucessor de Lugo, a ponto de celebrar missa de regozijo no dia de sua posse. O Vaticano, ao ser o primeiro a reconhecer o novo governo, não agiu como Estado, mas, sim, como sede de uma seita religiosa como outra qualquer.

O bispo é um pecador, é verdade, mas menos pecador do que muitos outros prelados da Igreja. Ele, ao gerar filhos, agiu como um homem comum. Outros foram muito mais adiante nos pecados da carne — sem falar em outros deslizes, da mesma gravidade — e têm sido “compreendidos” e protegidos pela alta hierarquia da Igreja. O maior pecado de Lugo é o de defender os pobres, de retornar aos postulados da Teologia da Libertação.

Lugo parece decidido a recuperar o seu mandato — que duraria, constitucionalmente, até agosto do próximo ano. Não parece que isso seja fácil, embora não seja improvável. Na realidade, Lugo não conta com a maior parcela da classe média paraguaia, e possivelmente enfrente a hostilidade das forças militares. Os chamados poderes de fato — a começar pela Igreja Católica, que tem um estatuto de privilégios no Paraguai — não assimilaram o bispo e as suas ideias. Em política, no entanto, não convém subestimar os imprevistos.

Os fazendeiros brasileiros que se aproveitaram dos preços relativamente baixos das terras paraguaias, e lá se fixaram, não podem colocar os seus interesses econômicos acima dos interesses permanentes da nação. É natural que aspirem a boas relações entre os dois países e que, até mesmo, peçam a Dilma que reconheça o governo. Mas o governo brasileiro não parece disposto a curvar-se diante dessa demanda corporativa dos “brasiguaios”.

No Paraguai se repete uma endemia política continental, sob o regime presidencialista. O povo vota em quem se dispõe a lutar contra as desigualdades e em assegurar a todos a educação, a saúde e a segurança, mediante a força do Estado. Os parlamentos são eleitos por feudos eleitorais dominados por oligarcas, que pretendem, isso sim, manter seus privilégios de fortuna, de classe, de relações familiares.

Nós sofremos isso com a rebelião parlamentar, empresarial e militar (com apoio estrangeiro) contra Getulio, em 1954, que o levou ao suicídio; contra Juscelino, mesmo antes de sua posse, e, em duas ocasiões, durante seu mandato. Todas foram debeladas. A conspiração se repetiu com Jânio, e com Jango — deposto pela aliança golpista civil e militar, patrocinada por Washington, em 1964.

A decisão dos países do Mercosul de suspender o Paraguai de sua filiação ao tratado, e a da Unasul de só reconhecer o governo paraguaio que nasça das novas eleições marcadas para abril, não ferem a soberania do Paraguai, mas expressam um direito de evitar que as duas alianças continentais sejam cúmplices de um golpe contra o estado democrático de direito no país vizinho.



Jogando dominó com Van Gogh

Em fevereiro último mostramos aqui o trabalho interativo de Petros Vrellis com base na obra "A Noite Estrelada" ("La Nuit Étoilée") de Vincent Van Gogh (1853-1890).

Agora é a vez da Noite Estrelada virar brincadeira de dominó, em que um artista que se identifica como FlippyCat no youtube, utiliza 7.067 peças para montar um espetáculo lúdico:



(dica do Judson Maria)


terça-feira, 26 de junho de 2012

Rapper iraniano foge dos aiatolás

O rapper iraniano Shahin Najafi, hoje com 31 anos de idade, vive hoje escondido na Alemanha, condenado que foi pelas autoridades islâmicas do seu país, por causa de suas músicas de protesto.

Não precisa nem conhecer o idioma farsi para entender por quê ele é tão indesejável para os aiatolás do Irã. Basta ver o vídeo abaixo, que faz referência a álcool, homossexualismo, mulheres livres e liberdade sexual, o que é suficiente para ter uma ideia do furor que ele causa.

A música, Ba'd Az To, assumidamente inspirada em "Back to Black" da Amy Winehouse, é uma balada boa, mas a letra, conforme o Google Tradutor precariamente denuncia, faz mesmo referência explícita a tudo que você veladamente vê no vídeo.

A letra em farsi está abaixo. Se estiver curioso para ler o que ela diz, é só colocar no Google e pedir a tradução do persa para o português. Não vai ser lá essas coisas, mas é perfeitamente possível entender o que ele canta:


بعد از تو
شاهین نجفی
تنظیم:بابک خضأیی
شعر:مهدی موسوی
کارگردان:شروین ا.فکری
ملودی:شاهین نجفی

خاموش کردم توی لیوانت خدایم را شبها بغل کردم به تو همجنس هایم را
رنگین کمان کوچکی بر روی انگشتم در اولین بوسه خودم را و تو را کشتم
هی گریه میکردم به آن مردی که زن بودم شبها دراکولای غمگینی که من بودم
و عشق یک بیماری بد خین روحی بود تنهایی ام محکوم به سکس گروهی بود
سیگار با مشروب با طعم هم آغوشی یعنی فراموشی فراموشی فراموشی
بعد از تو الکل خورد من را مست خوابیدم
بعد از تو با هر کس که بود و هست خوابیدم
بعد از تو لای زخم هایم استخوان کردم
با هر که میشد هرچه میشد امتحان کردم
تنهایی در جمع در تنهای تنهایی با گریه و صابون و خون و تو خودارضایی
دل خسته از گنجشک ها و حوض نقاشی رنگ سفیدت را به روی بوم پاشی
لیوان بعد قرص های حل شده در سم باور بکن از هیچ دیگر نمی ترسم
پشت سیاهی های دنیامان سیاهی بود معشوغه ام بودی و هستی و نخواهی بود
بعد از تو الکل خورد من را مست خوابیدم
بعد از تو با هر کس که بود و هست خوابیدم
بعد از تو لای زخم هایم استخوان کردم
با هرکه میشد هر چه میشد امتحان کردم

کلمات کليدي: ویدئوی بعد از تو هدیه‌ای ‌ست از طرف شاهین نجفی و تیم شر موزیک به تمامی‌ دوستان همراه در ایران و سرتاسر جهان با تنظیم بابک خضأیی و شعر این کار از مهدی موسوی بوده و با کارگردانی زیبای شروین ا.فکری





A entrevista abaixo foi publicada no Estadão:



'Os fundamentalistas não sabem brincar'

Rapper iraniano que fugiu do país depois que os clérigos lançaram fatwas contra ele diz que religiosos 'não aceitam piadas'

GEORG BÖNISCH e TOBIAS RAPP
DER SPIEGEL

Fugindo das ameaças dos aiatolás iranianos, o rapper Shahin Najafi, de 31 anos, se refugiou numa casa perto de Colônia, na Alemanha. Embora esteja sob proteção policial, as quatro fatwas lançadas contra ele até o momento pelos principais clérigos iranianos parecem incrivelmente distantes. Najafi lançou uma música na qual implorava ao décimo imã, Ali al-Hadi al-Naqi, que voltasse à Terra para solucionar os problemas do Irã contemporâneo. Os xiitas veneram al-Naqi, que morreu 1.143 anos atrás e era descendente direto de Maomé. A canção foi baixada mais de 500 mil vezes apenas no Irã e foi assistida mais de meio milhão de vezes no YouTube.

Como é sua rotina no esconderijo em que está?

Leio, escrevo, tenho o violão comigo. Tento não pensar nas ameaças.

Alguém o visita?

Não, ninguém.

Você é casado aqui na Alemanha. Como sua família está lidando com a situação?

É difícil. Prefiro não comentar.

Quando começou a se interessar por música?

Dos 14 aos 18 anos, treinei para me tornar um cantor profissional dos versos alcorânicos.

Qual era o aspecto que mais o fascinava?

Eu era um menino muito religioso e, um dia, ouvi a música de um cantor alcorânico egípcio. A melancolia daquela música me tocou tão profundamente que me levou às lágrimas.

Depois, você frequentou a universidade?

Sim, cursei sociologia, mas não cheguei a me formar - principalmente porque se tratava de sociologia islâmica. Eu tinha dificuldade para aceitar os dogmas. Não se tratava de uma ciência, como ocorre no Ocidente. Fui expulso da universidade. Então, tive de me alistar no Exército. Foi então que perdi a fé.

O que houve?

Até então, eu era um jovem idealista. Vivia no mundo da poesia e das ideias. Pensava que a vida era apenas arte e filosofia. No Exército, descobri subitamente o mundo real.

Por que foi obrigado a deixar o Irã?

Depois do Exército, toquei em bandas que faziam versões cover de músicas pop ocidentais. Inicialmente, tocávamos apenas versões instrumentais, evitando problemas com as autoridades. Mas, a partir de 2003, comecei a compor, a tocar minhas próprias canções e logo me vi perseguido pelos agentes do serviço de informações. Em novembro de 2004, fiz minha última apresentação e fugi para a Alemanha, porque tinha sido sentenciado a 3 anos de prisão e a 100 chibatadas em razão de uma de minhas músicas.

Para um artista, não deve ser fácil viver no exílio. O público desaparece e é difícil conhecer novos ouvintes.

Experimentei bastante e, finalmente, passei a me dedicar ao rap. Na verdade, não gosto muito do hip-hop. A música é repleta de clichês e a subcultura, principalmente o lado machista, não me atrai. Mas, ao mesmo tempo, o rap é uma linguagem simples, direta e forte.

Não chega a ser surpreendente que sua canção 'Naqi' tenha provocado tamanha reação. Afinal, você evoca um imã considerado importantíssimo para os xiitas e faz versos falando de himens reconstituídos, corrupção e sexo. A capa mostra uma mesquita cuja redoma tem a forma de um seio, sobre a qual tremula uma bandeira do arco-íris. Você não acha que é difícil ser mais provocativo do que isso?

Sempre soube que minhas canções provocariam o regime. Entre outras coisas, a capa é uma alusão aos casamentos temporários no Irã. E a bandeira sobre a mesquita simboliza a pena de morte que é aplicada aos homossexuais em nome da religião. Ainda assim, admito que não esperava uma reação tão extrema.

Há algo de satírico nas letras de suas músicas.

Sim, sou um sátiro. Os poderosos não gostam de sátiros.

Salman Rushdie também poderia ser considerado um sátiro.

Os fundamentalistas não sabem brincar. Nunca aceitam piadas. Querem que obedeçamos cegamente e acreditemos nos seus dogmas.

Não se sente horrorizado pela possibilidade de ter de passar muito tempo escondido?

É claro que sim. Sou um músico. Preciso me apresentar. Não posso desistir. Tenho de ser ainda mais corajoso. Sabemos que temos muitos inimigos. Não apenas no Irã. Mas nada disso importa. O futuro nos pertence. Acho que a arte é uma força capaz de transformar o mundo.

São palavras nobres.

Na noite passada, vi um vídeo na internet. Nele, dois homens mascarados me ameaçam, falando em persa com sotaque afegão. Eles perguntam: por que você insulta nossa fé? Vamos encontrá-lo, não importa onde esteja escondido. Não estará a salvo em lugar nenhum. E eles também falam alemão. Talvez morem na Alemanha ou tenham crescido aqui. O que devo fazer? Desistir? Demonstrar arrependimento? Não farei nada disso. Acredito na história. Precisamos de tempo. Será preciso tempo para que as coisas comecem a mudar. Mas elas vão mudar.

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL



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