sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Grandes filmes - 6

Assistir "A Queda" ("Der Untergang") significa receber um soco no estômago sem dó nem piedade, virtudes que foram cruelmente desprezadas na Segunda Guerra Mundial. 

O filme mostra os últimos dias de Hitler ("as últimas horas de Hitler" é o seu subtítulo), refugiado no seu bunker na Berlim sitiada pelos russos. 

Baseado nos relatos de Traudl Junge (interpretada pela excelente atriz romena Alexandra Maria Lara), que serviu como secretária pessoal do líder nazista por mais de dois anos, o filme mostra um Hitler acuado, delirante, movimentando exércitos imaginários no mapa de uma Alemanha destruída e esfacelada, e, mesmo assim, ainda encontrando uma obediência cega dos seus subordinados, algo que nem a derrota iminente conseguiu abalar. 

Talvez lutassem apenas por algumas horas ou dias de vida, ou soubessem que o julgamento dos inimigos (e principalmente da História) seria devastador contra eles. 

O filme causou bastante polêmica mundo afora, principalmente por supostamente mostrar uma face humana do monstro nazista, algo que se deve, sem dúvida, à brilhante interpretação de Bruno Ganz no papel principal. 

Entretanto, esta polêmica não se sustenta, porque os nazistas, gostemos ou não, eram tão humanos como qualquer um de nós, e, se elevaram o mal à sua enésima potência, isso não os reúne em outra subespécie, apenas demonstra como a maldade é inerente à condição humana. 

Uma cena do filme me chama a atenção em particular: o momento em que um dos generais resolve sugerir a Hitler uma rendição honrosa para salvar os alemães que morriam pelas ruas de Berlim. 

Hitler se descontrola, e, aos berros, diz que se o povo alemão não foi capaz de ganhar a guerra, merecia ser exterminado até o último homem. 

Guardadas as devidas proporções, obviamente, trata-se, a meu ver, de uma aplicação da teoria da seleção natural, de Darwin. 

Aliás, em sua monumental biografia de Hitler, Ian Kershaw dá especial ênfase ao "darwinismo social" que ele considera como a grande força motriz (o leitmotiv, portanto) da visão de mundo do Führer. 

Extrema a aplicação, é verdade, mas mostra a que ponto o cientificismo, sobretudo da segunda metade do século XIX, com a sua negação absoluta da religião, da moralidade e da fé, levou o mundo a uma catástrofe sem precedentes, menos de um século depois. 

Sem contar a influência da filosofia de Nietzche, e de seu Super-Homem (Übermensch), que é assunto para outro momento, mas quero me limitar à ciência, à filosofia (e ao cinema) por ora. 

É um filme que merece (e deve) ser assistido, com todos os cuidados e reservas, para que saibamos, pelo menos, identificar as raízes do mal, quando ele se nos apresenta. 

Ainda que o filme se restrinja a contar o final de uma catástrofe, lá estão, ainda, as causas que a originaram. 

Em resumo, "A Queda" não é só uma tragédia alemã, circunscrita a um determinado território e a alguns anos em meados do século XX. 

"A Queda" é - infelizmente - a miséria de todos nós.

Leia também meus comentários sobre o livro "Hitler", a biografia escrita por Ian Kershaw, clicando aqui.





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