terça-feira, 19 de junho de 2012

Refutação ao discurso da prosperidade de Silas Malafaia


O Gustavo, co-editor deste blog, preparou uma excelente refutação ao "desafio" de Silas Malafaia para que apontassem os erros na sua pregação da assim chamada "teologia" da prosperidade.

O artigo foi publicado no e-cristianismo e reproduzimos aqui para que seja mais conhecido por aqueles que apreciam a verdade bíblica e ficam indignados com o contorcionismo retórico e mercadológico que alguns fazem para adaptá-la aos seus vãos desejos mundanos:




Silas Malafaia e a prosperidade em 2 Coríntios 9

Um dos assuntos mais polêmicos no meio evangélico brasileiro é a teologia da prosperidade. E entre as várias polêmicas, um personagem que se destaca certamente é o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Em uma Santa Ceia comemorada com sua igreja, o pastor pregou uma mensagem intitulada “Uma vida de prosperidade”, baseada no texto de 2 Coríntios 9. Ela dá uma boa perspectiva de como um defensor da teologia da prosperidade se aproveita do texto bíblico para defendê-la.



O pastor está plenamente convencido que este texto ensina claramente a teologia da prosperidade, chamando-o de “o melhor compêndio sobre o assunto”. Sua confiança é tanta, que recentemente em seu programa televisivo Vitória em Cristo, ele anunciou um desafio aos seus críticos. Ele os desafiava a responder biblicamente aquilo que ele pregou ali.

Da mesma forma, em vários momentos em sua pregação, ele repetiu aquilo que disse no início:
Eu queria que você fizesse 3 coisas. Não apenas comigo... Não apenas comigo... Mas isto fosse para você um lema, sobre tudo que você escuta. Faça estas 3 coisas: Duvidar, criticar e determinar.
Não apenas isto, mas ele ainda diz na mesma mensagem:
Você não pode receber aberto, direto, uma palavra, sem você antes analisá-la.
Aparentemente sua interpretação do texto é tão clara que qualquer um que o examine chegará às mesmas conclusões. E aparentemente nem os críticos de Malafaia seriam capazes de responder aquilo que ele pregou nesta mensagem.

Neste presente texto, aceitamos o convite feito pelo pastor. Não o convite ao desafio, que não faz o menor sentido, mas sim à análise do texto em questão. Afinal de contas, este texto realmente fala sobre ofertas à igreja? Este texto fala sobre prosperidade, assim como é entendida pelos defensores da teologia da prosperidade?

O tema de 2 Coríntios 9

É verdade que o texto de 2 Coríntios 9 fala de ofertas. Mas a pergunta que devemos fazer inicialmente é, que tipo de ofertas estamos tratando neste texto? E este tipo de pergunta naturalmente nos leva à análise do contexto. Somente entendendo o assunto tratado por Paulo nesta parte de sua carta é que nos será possível avaliar o significado de “oferta” aqui.

Paulo então começa a tratar do tema das ofertas no capítulo 8. Ali Paulo lembra o exemplo da Macedônia:
(2Co 8:3) Porque, dou-lhes testemunho de que, segundo as suas posses, e ainda acima das suas posses, deram voluntariamente,
(2Co 8:4) pedindo-nos, com muito encarecimento, o privilégio de participarem deste serviço a favor dos santos;
O tema do ato voluntário na doação será novamente mencionado por Paulo no capítulo 9, e será bastante enfatizado pelo pastor Malafaia. O pastor considera isto como uma característica do verdadeiro ofertante. Mas embora estes versículos – à primeira vista – possam se encaixar muito bem na pregação dele numa análise rápida e superficial, o contexto indica uma mensagem muito diferente, como podemos ver dos dois versículos anteriores:
(2Co 8:1) Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus que foi dada às igrejas da Macedônia;
(2Co 8:2) como, em muita prova de tribulação, a abundância do seu gozo e sua profunda pobreza abundaram em riquezas da sua generosidade.
Qual é a graça de Deus que foi dada às igrejas da Macedônia? Aqui Paulo não cita nenhuma das sugestões que Malafaia faz ao tratar da graça de Deus na vida do ofertante. A riqueza aqui é de generosidade. Eles eram pobres, mas mesmo assim generosos. Esta foi a graça dada por Deus a eles.

Mas esta generosidade não era para com a igreja local ou para suprir os desígnios particulares dos seus pastores. A generosidade é para com os santos, como Paulo relata no versículo 4. Quem são estes santos? As igrejas da Macedônia e de Corinto estavam organizando doações para os irmãos pobres em Jerusalém:
(Rm 15:25) Mas agora vou a Jerusalém para ministrar aos santos.
(Rm 15:26) Porque pareceu bem à Macedônia e à Acaia levantar uma oferta fraternal para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém.
(Rm 15:27) Isto pois lhes pareceu bem, como devedores que são para com eles.
Porque, se os gentios foram participantes das bênçãos espirituais dos judeus, devem também servir a estes com as materiais.
(Rm 15:28) Tendo, pois, concluído isto, e havendo-lhes consignado este fruto, de lá, passando por vós, irei à Espanha.
Assim, Paulo aqui está se referindo à coleta feita para ajudar os irmãos pobres de Jerusalém comentando com os coríntios como eles eram generosos pela graça de Deus. E então devemos observar aqui que Paulo reconhece que os coríntios eram ricos em tudo. No entanto, sua descrição não inclui nada que foi mencionado na mensagem do pastor Malafaia:
(2Co 8:7) Ora, assim como abundais em tudo: em fé, em palavra, em ciência, em todo o zelo, no vosso amor para conosco, vede que também nesta graça abundeis.
Paulo exorta aos coríntios aqui a serem ricos em generosidade também, ajudando também os pobres em Jerusalém. Como podemos ver no início deste capítulo, abundar não está ligado a melhorias materiais e emocionais, ou relacionado a mais vitórias espirituais. E riqueza aqui nem sempre está ligada a bens materiais. De fato, Paulo aqui emprega os termos rico e pobre para falar da glória e humilhação de Cristo, bem como nossa Salvação:
(2Co 8:8) Não digo isto como quem manda, mas para provar, mediante o zelo de outros, a sinceridade de vosso amor;
(2Co 8:9) pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que pela sua pobreza fôsseis enriquecidos.
Mas Paulo toca neste assunto das contribuições exatamente por que a igreja de Corinto se prontificou a ajudar também, como ele mesmo diz:
(2Co 8:10) E nisto dou o meu parecer; pois isto vos convém a vós que primeiro começastes, desde o ano passado, não só a participar mas também a querer;
(2Co 8:11) agora, pois, levai a termo a obra, para que, assim como houve a prontidão no querer, haja também o cumprir segundo o que tendes.
(2Co 8:12) Porque, se há prontidão de vontade, é aceitável segundo o que alguém tem, e não segundo o que não tem.
Observem aqui que Paulo diz para eles contribuírem segundo o que possuem. Ninguém é incentivado a dar mais do que puder para ajudar. Este ponto revela algo importante na concepção de Paulo sobre a ajuda ao pobre e que ele diz mais claramente nos próximos versículos:
(2Co 8:13) Pois digo isto não para que haja alívio para outros e aperto para vós,
(2Co 8:14) mas para que haja igualdade, suprindo, neste tempo presente, na vossa abundância a falta dos outros, para que também a abundância deles venha a suprir a vossa falta, e assim haja igualdade;
(2Co 8:15) como está escrito: Ao que muito colheu, não sobrou; e ao que pouco colheu, não faltou.
A oferta tem que ser feita de tal forma que não haja prejuízo para ninguém. Não deve ser centralizada a benefício de uma pessoa ou um grupo reduzido, sob qualquer pretexto... Ninguém deve ajudar a aliviar uma pessoa, enquanto se coloca em uma posição de aperto. Se todo este texto puder ser aplicado às ofertas na igreja, isto não significaria que a igreja também é responsável em partilhar seus bens em abundância com os membros mais pobres? O pastor que compra jatinhos não deveria antes buscar a igualdade entre seus membros? Já que o pastor Malafaia evoca a lei da semeadura em sua mensagem, poderia adicionar esta citação que Paulo faz aqui, mencionando que aquele que semeia muito e por consequência colhe muito, também não tem sobra... Ele compartilha e generosamente reparte os seus bens com os irmãos necessitados.

E assim, Paulo continua o texto apresentando os irmãos que ele enviou adiante, entre eles Tito. Terminadas as apresentações, Paulo passa para o capítulo 9, que é o texto que pretendemos analisar aqui.

O texto de 2 Coríntios 9

Paulo então termina o capítulo anterior apresentando os irmãos que ele enviou adiante, para conferir as ofertas. Alguém poderia pensar que esta atitude revela certa desconfiança de Paulo e é por isto que o apóstolo esclarece bem este ponto no início do capítulo:
(2Co 9:1) Pois quanto à ministração que se faz a favor dos santos, não necessito escrever-vos;
(2Co 9:2) porque bem sei a vossa prontidão, pela qual me glorio de vós perante os macedônios, dizendo que a Acaia está pronta desde o ano passado; e o vosso zelo tem estimulado muitos.
(2Co 9:3) Mas enviei estes irmãos, a fim de que neste particular não se torne vão o nosso louvor a vosso respeito; para que, como eu dizia, estejais preparados,
(2Co 9:4) a fim de, se acaso alguns macedônios forem comigo, e vos acharem desaparecidos, não sermos nós envergonhados (para não dizermos vós) nesta confiança.
(2Co 9:5) Portanto, julguei necessário exortar estes irmãos que fossem adiante ter convosco, e preparassem de antemão a vossa beneficência, já há tempos prometida, para que a mesma esteja pronta como beneficência e não como por extorsão.
Então a intenção de Paulo era garantir que as ofertas já estivessem prontas quando ele chegasse, pois temia que a preparação apenas no momento da sua chegada desse a entender para qualquer pessoa que pudesse acompanhá-lo, que as ofertas não haviam sido doadas voluntariamente.

Malafaia faz algumas citações desta primeira parte em sua pregação. Ele cita o versículo 2 para mostrar como o verdadeiro ofertante deve ser. E embora a oferta referida no texto não esteja falando exatamente de dízimos e ofertas, devemos concordar que a prontidão em servir é algo inerente ao ofertante cristão.

No entanto, a forma que Malafaia trata o versículo 4 está completamente errada. Ele primeiro pergunta, “O que é a oferta?”, respondendo depois com a citação da última parte do versículo: “firme fundamento de glória”. Ele usa o texto da Almeida Corrigida e Fiel em suas citações, e no versículo 4 o texto diz:
(2Co 9:4) A fim de, se acaso os macedônios vierem comigo, e vos acharem desapercebidos, não nos envergonharmos nós (para não dizermos vós) deste firme fundamento de glória.
No entanto, a glória de que Paulo está falando não é a glória de Deus aqui. Ele está fazendo referência aqui à prontidão dos coríntios, que era o motivo do apóstolo se gloriar, como ele diz no versículo 2:
(2Co 9:2) porque bem sei a vossa prontidão, pela qual me glorio de vós perante os macedônios, dizendo que a Acaia está pronta desde o ano passado; e o vosso zelo tem estimulado muitos.
O versículo 3 na Almeida Corrigida Fiel deixa isto mais claro:
(2Co 9:3) Mas enviei estes irmãos, para que a nossa glória, acerca de vós, não seja vã nesta parte; para que (como já disse) possais estar prontos,
E por isto que na Almeida Atualizada, o versículo 4 fala de “confiança”, não de “fundamento de glória”. Outras traduções bíblicas deixam o significado ainda mais claro. Na Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), temos:
(2Co 9:3) Eu vos envio os irmãos, a fim de que o orgulho que tenho de vós não seja esvaziado neste ponto e a fim de que estejais realmente prontos, como eu dizia.
(2Co 9:4) Teria receio de que, se macedônios fossem comigo e não vos achassem prontos, esta bela segurança se transformasse em vergonha nossa, para não dizer vossa.
Bíblia de Jerusalém:
(2Co 9:3) Entretanto mando-vos os irmãos, a fim de que o elogio que de vós fiz não seja desmentido neste ponto e para que, como dizia, estejais realmente preparados.
(2Co 9:4) Se alguns macedônios fossem comigo e não vos encontrassem preparados, essa plena confiança seria motivo de nos envergonharmos - para não dizer: de vos envergonhardes.
Bíblia do Peregrino:
(2Co 9:3) Eu vos envio os irmãos, para que nosso orgulho por vós nesse ponto não acabe infundado. Portanto, como vos dizia, estai preparados.
(2Co 9:4) Pois, se chegam comigo os macedônios e vos encontram despreparados, nós, para não dizer vós, ficaremos decepcionados em nossas esperanças.
NVI:
(2Co 9:3) Contudo, estou enviando os irmãos para que o orgulho que temos de vocês a esse respeito não seja em vão, mas que vocês estejam preparados, como eu disse que estariam,
(2Co 9:4) a fim de que, se alguns macedônios forem comigo e os encontrarem despreparados, nós, para não mencionar vocês, não fiquemos envergonhados por tanta confiança que tivemos.
O sentido do versículo é que se por acaso os macedônios fossem com Paulo e não encontrassem os coríntios em prontidão, como muitos acreditavam e com base em que foram incentivados, todos iriam se envergonhar. Se envergonhariam de ter acreditado que os coríntios estavam assim. Então, Paulo ali não está nem de longe falando da oferta ser fundamento de glória. Esta ideia - fruto de uma tradução antiga, do tempo em que ninguém pensava em deturpar um texto que era então claro para os leitores - nem passou pela cabeça do apóstolo.

No versículo 5, Malafaia destaca dois pontos. O primeiro é feito quando ele explica o que é oferta. Neste ponto, ele destaca a palavra bênção, presente na Almeida Corrigida e Fiel. Para ele, a bênção é “favor divino e meio de felicidade”. No entanto, as bênçãos aqui preparadas são as “vossas bênçãos”, não “as bênçãos de Deus”. Isto quer dizer que aqueles irmãos foram preparar as bênçãos dos irmãos de Corinto para os irmãos de Jerusalém. As bênçãos aqui não são primariamente favores divinos, mas são os favores entre irmãos. Embora haja passagens que falem de Deus abençoando aquele que ajuda os irmãos, o simples uso da palavra bênção em lugar de oferta não implica nesta ideia aqui.

O segundo ponto destacado por Malafaia no versículo 5 é a prontidão. Para ele, a oferta é um ato de inteligência no sentido de que o ofertante tem que planejar aquilo que vai ofertar. Aqui não há ressalvas.

O versículo 6 nos traz uma ilustração muito interessante, baseada na semeadura. É o texto que faz o pastor Malafaia “deitar e rolar”, como ele faz questão de ressaltar em sua mensagem. O que diz o versículo?
(2Co 9:6) Mas digo isto: Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e aquele que semeia em abundância, em abundância também ceifará,
Há a proporção entre o que é semeado e o que é ceifado, que é chamado pelo pastor de “lei da semeadura”. Ele vê aqui uma enunciação clara daquilo que conhecemos por teologia da prosperidade: aquele que paga mais dízimos e ofertas recebe mais bênçãos de Deus. Seria esta uma leitura válida?

Para avaliarmos isto, continuemos a ler o que é dito no versículo 7:
(2Co 9:7) Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, nem por constrangimento; porque Deus ama ao que dá com alegria.
Paulo já tinha exortado os coríntios a serem generosos, como vimos da análise do capítulo 8. No versículo 7 que complementa a ideia do versículo 6, Paulo exorta os coríntios a contribuírem sem tristeza ou constrangimento. Tristeza, por que aquele que contribui pode pensar que nunca mais verá o dinheiro que contribuiu. Quanto a isto, João Calvino fornece uma ótima explicação para a comparação com a semeadura:
6. Digo, porém, isto. Ele agora recomenda a assistência caridosa, usando uma bela comparação em que vincula-a à semeadura. Pois, na semeadura, a semente é lançada pela mão, espalhada aqui e ali, sobre o solo; é sepultada e, por fim, apodrece; de tal modo que, aparentemente, quase nem existe. Dá-se o mesmo com o donativo: o que sai de nós para alguém, parece diminuir o que possuímos, mas o tempo da ceifa virá, quando os frutos aparecerão e serão recolhidos. Pois o Senhor considera o que é doado aos pobres como sendo doado a Ele mesmo, e um dia recompensará o doador com juros fartos [Pv 19.17].

Focalizaremos agora a comparação de Paulo. Ele diz que o homem que é frugal em sua semeadura terá uma colheita tão escassa quanto sua semeadura; mas o homem que semeia generosamente e com as mãos abertas fará, igualmente, uma colheita generosa. Que esta doutrina seja solidamente radicada em nossa mente, a saber: sempre que a prudência carnal nos impedir de fazer o bem por receio de perdermos algo, tenhamos prontamente condições de resistir a tais impulsos, movidos pela lembrança da declaração do Senhor de que, ao fazermos o bem, estamos semeando. É preciso entender esta colheita, seja em termos de recompensa espiritual de vida eterna ou como uma referência às bênçãos terrenas com as quais o Senhor agracia o benfeitor. Pois o Senhor requer esta beneficência da parte dos crentes não só no céu, mas também neste mundo. É como se Paulo quisesse dizer: “Quanto mais liberais venhais a ser para com vosso semelhante, possuireis muito mais ricamente a bênção que Deus derrama sobre vós”. Aqui, novamente, ele usa o termo bênção como oposto de frugal, assim como um pouco antes ele o contrasta com avareza. Tudo indica que a palavra é aqui usada no sentido de liberalidade ampla e abundante.
(João Calvino, Comentário de 2 Coríntios, Editora Fiel, páginas 231 e 232)
Assim, a ilustração da semeadura realmente declara uma proporcionalidade entre doação e bênçãos recebidas. No entanto, esta ilustração foi feita para incentivar os irmãos a se ajudarem mutuamente. Aqui nem passava pela cabeça de Paulo incentivar quem quer que fosse a buscar a prosperidade material egocêntrica.

O versículo 7 é várias vezes citado por Malafaia.
(2Co 9:7) Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, nem por constrangimento; porque Deus ama ao que dá com alegria.
Para o pastor, o versículo mostra tanto como é o verdadeiro ofertante quanto os resultados da oferta na vida do ofertante. Como já mencionamos, o versículo exorta a não dar com tristeza, e neste ponto a ilustração da semeadura é muito importante. Aqui ainda nos é dado mais um incentivo à generosidade, onde Paulo nos diz que Deus ama aquele que dá com alegria. Os dois pontos são destacados pelo pastor, no entanto temos que lembrar que aqui, a oferta é a contribuição aos irmãos pobres de Jerusalém. Por outro lado, ao descrever como o ofertante se beneficia do amor de Deus, Malafaia nos diz:
Se Deus ama, Deus protege. Se Deus ama, Deus guarda. Se Deus ama, Deus supre.
Certamente isto é verdade. Mas este não é o único aspecto do amor de Deus e não parece ser estes aspectos que estão em vista neste texto. Paulo dá uma outra perspectiva no próximo versículo:
(2Co 9:8) E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda boa obra;
É deste versículo que o pastor Malafaia retira sua “lei total do favor de Deus” e onde ele explica que “graça é o favor imerecido, benevolente, amoroso de Deus para o homem”. Para ele esta graça atua na vida material, na vida emocional e na vida espiritual, que por sua vez, é exemplificado nas curas, vitórias espirituais, resolução de problemas financeiros e emocionais. No entanto, Paulo nos diz a finalidade para a qual esta graça de Deus abunda: “a fim de que, tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda boa obra”.

O versículo, portanto, é ainda mais amplo do que a interpretação que Malafaia dá a ele, e aqui é interessante o emprego da palavra suficiência (αὐτάρκεια), ou seja, um estado de ter o que é adequado (definição extraída da BDAG - A Greek-English Lexicon of the New Testament and other Early Christian Literature -, de Frederick William Danker e Walter Bauer, pág. 152). Isto indica que Deus dá sua graça com o objetivo de termos apenas o que nos é suficiente em tudo. Tendo esta suficiência, poderemos abundar em toda a obra. Sendo assim, não podemos entender esta graça dada como um contrato de prosperidade financeira proposto por Deus ao crente. Devemos entender aqui que Deus não deixaria o ofertante passar necessidade por ajudar os pobres.

É interessante notar que há apenas dois lugares na Bíblia onde αὐτάρκεια é usada. O outro uso da nos revela um texto altamente relevante para a discussão da prosperidade:
(1Tm 6:3) Se alguém ensina alguma doutrina diversa, e não se conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade,
(1Tm 6:4) é soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questões e contendas de palavras, das quais nascem invejas, porfias, injúrias, suspeitas maliciosas,
(1Tm 6:5) disputas de homens corruptos de entendimento, e privados da verdade, cuidando que a piedade é fonte de lucro;
(1Tm 6:6) e, de fato, é grande fonte de lucro a piedade com o contentamento (αὐτάρκεια).
(1Tm 6:7) Porque nada trouxe para este mundo, e nada podemos daqui levar;
(1Tm 6:8) tendo, porém, alimento e vestuário, estaremos com isso contentes.
(1Tm 6:9) Mas os que querem tornar-se ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e na perdição.
(1Tm 6:10) Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.
Aqui em 1 Timóteo 6 vemos a mesma palavra sendo usada por Paulo para combater a cobiça de alguns, que, como os defensores da teologia da prosperidade, faziam da piedade fonte de lucro. Paulo no entanto mostra que o nosso lucro é a piedade com contentamento. Nosso contentamento é ter alimento e vestuário.

Voltando a 2 Coríntios 9, Paulo confirma no versículo 9 que Deus não deixará o ofertante em necessidade:
(2Co 9:9) conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre.
Onde fica bem claro que o tema do capítulo é uma oferta aos pobres, não à igreja. Aqui, justiça está sendo empregada com o sentido de cumprir as expectativas de Deus não especificamente expressas em ordenanças (BDAG, pág. 248). Deus sempre lembrará da generosidade de alguém pelo pobre, como o próprio Jesus fez questão de dizer (Mt 10:42; Mc 9:41). É desta mesma justiça que o apóstolo continua falando no versículo 10:
(2Co 9:10) Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, e pão para comer, também dará e multiplicará a vossa sementeira, e aumentará os frutos da vossa justiça.
Aqui há, portanto, uma promessa de que Deus irá realmente suprir o ofertante de modo que ele não passe nenhuma necessidade. No entanto, quando o apóstolo fala de multiplicar as sementes, estaria ele falando que o ofertante seria próspero materialmente? Afinal de contas, é isto que o pastor Malafaia dá a entender com sua “lei da multiplicação”. Pelo uso da palavra “suficiência” no versículo 8, isto porém não é necessário. Mas é interessante que o apóstolo fala de um enriquecimento no próximo versículo:
(2Co 9:11) enquanto em tudo enriqueceis para toda a liberalidade, a qual por nós reverte em ações de graças a Deus.
Aqui Paulo fala de um enriquecimento “em tudo”, assim como no versículo 8 a suficiência era “em tudo”. Aqui Malafaia vê uma “lei da abundância” refletida na palavra “enriqueceis”, mesmo que Paulo estivesse tratando de suficiência no versículo 8. No entanto, o enriquecimento aqui, seja qual for a natureza dele, possui um propósito. O enriquecimento é “para toda a liberalidade”, ou seja, para toda generosidade. Em outras palavras, Paulo aqui está reiterando aquilo que foi dito no versículo 10: Deus nos dá o suficiente para nosso sustento, bem como para sermos generosos (Ef 4:28; Hb 13:16). Então, se o versículo 11 fala de alguma abundância, ele fala que esta abundância existe para que o ofertante possa ser generoso. A riqueza existe para ser compartilhada, não para ser individualizada.

O que acontece quando esta generosidade é praticada? Paulo nos diz aqui que tudo isto é revertido em ações de graças a Deus. Como se dá isto? Paulo completa:
(2Co 9:12) Porque a ministração deste serviço não só supre as necessidades dos santos, mas também transborda em muitas ações de graças a Deus;
(2Co 9:13) visto como, na prova desta ministração, eles glorificam a Deus pela submissão que confessais quanto ao evangelho de Cristo, e pela liberalidade da vossa contribuição para eles, e para todos;
(2Co 9:14) enquanto eles, pela oração por vós, demonstram o ardente afeto que vos têm, por causa da superabundante graça de Deus que há em vós.
(2Co 9:15) Graças a Deus pelo seu dom inefável.
A caridade glorifica a Deus por que todos veem que são os discípulos de Cristo, por puro amor, que ajudam aqueles em necessidade. E vendo estes discípulos agindo assim, quem não daria graças a Deus? E da mesma forma, os irmãos que são ajudados também oram pelos irmãos que foram generosos, demonstrando o amor que existe dentro da igreja.

Aqui então termina o capítulo 9 e o tema das ofertas aos irmãos de Jerusalém. Uma vez compreendido o que nos é comunicado pelo texto e comparando com a interpretação que dele faz o pastor Malafaia, podemos agora partir para as considerações finais.

Conclusão

Várias vezes durante sua mensagem, o pastor Silas Malafaia pediu que seus ouvintes “duvidassem, criticassem e determinassem”. Partimos então da dúvida, procedendo com a crítica acima. Agora é o momento de determinar. Afinal de contas, o texto de 2 Coríntios 9 é o “melhor compêndio sobre o assunto” da oferta?

Vimos que o texto está falando não da oferta feita na igreja para ajudar o ministério de um pastor que não presta contas a ninguém, mas sim, de uma oferta feita de maneira clara e organizada de irmãos interessados em ajudar irmãos pobres de outras igrejas. Repare que a oferta de 2 Coríntios 9 não é para evangelizar descrentes nem para financiar ministérios de evangelização de qualquer espécie. Há um denominador comum aqui que é a oferta em si, mas o tipo de oferta que é diferente.

Muito do que está presente na oferta aos irmãos pobres de Jerusalém pode ser aplicado às ofertas nas igrejas atuais. É verdade que o ofertante hoje deve ofertar livremente e por amor. É verdade que o ofertante deve ofertar aquilo que lhe sobra. E de certa forma também é verdade que mesmo na oferta para a igreja o ofertante recebe bênçãos, não necessariamente materiais, já que ajuda sua igreja a pagar suas despesas. Podemos obter deste texto princípios gerais de uma oferta.

No entanto, há princípios neste texto que o defensor da teologia da prosperidade não está preocupado em defender. Por exemplo, o princípio da igualdade presente em 2 Coríntios 8:14. A igreja está preocupada em exortar aqueles que têm em abundância a compartilhar com os irmãos mais pobres? Se o patrimônio da igreja tem sobras maiores que os bens de alguns membros, ela se dispõe livremente e de puro amor a compartilhar o seu excesso de arrecadação para que todos seus fiéis tenham igualdade de condições?

E o exemplo do princípio da suficiência? A igreja não deveria manter somente aquilo que ela precisa, compartilhando o resto com os irmãos? Não deveria ela confiar que Deus lhe suprirá toda e qualquer necessidade?

Este texto, muito mais do que o melhor compêndio sobre ofertas, é uma grande lição para todos os cristãos. Ele nos ensina e exorta a sermos caridosos, generosos, solidários. O pastor Malafaia no entanto o transforma em um incentivo para a busca da prosperidade solitária. São mensagens completamente diferentes que nos são propostas. Sendo assim, duvidamos, criticamos e determinamos rejeitar a mensagem pregada pelo pastor Silas Malafaia. Aquela que Paulo pregou, inspirado pelo Espírito Santo, é que representa a mais pura verdade.



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