quarta-feira, 2 de abril de 2008

Marcha atrás

A Argentina continua refém do seu passado, seja o glorioso, de um país rico que viveu décadas de prosperidade, mas perdeu o bonde da História; seja o tenebroso, de um país dividido em classes e castas, de federalistas contra unitários, de Buenos Aires contra as províncias, brancos contra índios e negros, imigrantes contra autóctones, radicais contra peronistas, proprietários de terras contra operários, classe média contra sindicalistas. É o tango inacabado de um Boca x River sem fim. A grandeza de um país, que se libertou do caudilhismo de Rosas e se estabeleceu como nação democrática e próspera já no fim do século XIX, que foi o celeiro do mundo no início do século XX, e que já a partir de 1930, começou a padecer (junto com o Brasil) de intervenções militares sistemáticas. A década de 40 trouxe Perón e Evita, e os golpes militares que se seguiram, dos quais o de 1976 foi a maior desgraça que se abateu sobre a nação. Menem vendeu ao país a ilusão de primeiro mundo que Collor não teve tempo de impor ao Brasil. A crise de 2001 mostrou a fragilidade de sonhos que não se sustentam em bases sólidas nem num projeto de nação. Mesmo assim, um aparato sindical sem similar no mundo garante que o peronismo siga vivendo apenas como uma garantia de que os ideais de Perón e Evita continuem servindo para se ganhar e manter o poder, não importando quem o detenha. A classe média empobrecida não se entrega aos caprichos populistas dos Kirchner e os ruralistas viram no atual boom agrícola mundial a chance de recuperar os prejuízos de décadas perdidas. Ontem, Cristina Kirchner (ao lado do marido Néstor) reuniu seus comandados peronistas na Plaza de Mayo para um discurso de confrontação e não de conciliação (ver matéria no Clarín) com aqueles que promovem um lock out no abastecimento do país. Ainda que tenha apelado a argumentos legítimos, como o fato de ter sido recentemente eleita pelo voto popular, e dos seus adversários não poderem dizer que representam o povo enquanto o desabastecem, "la presidenta" preferiu endurecer o discurso, o que invariavelmente leva os argentinos a mais impasses, e quem sai perdendo com tudo isto é o país que vinha em franca recuperação, mas, ao que tudo indica, vai ter que amargar mais algum tempo de marcha-à-ré. Infelizmente, para nós todos que amamos este imenso país.

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