A coluna do Tostão na Folha de S. Paulo de hoje, 18/04/10, me fez pensar que o discurso de "apresentar resultados" no futebol se parece muito com aquele que ouvimos em certas pregações, que usam critérios de riqueza material para avaliar o "progresso" do crente:
A igrejinha de Dunga
A presença do auxiliar Jorginho e de vários atletas evangélicos e obedientes facilita o estilo rígido de Dunga
DUNGA DISSE novamente, dessa vez na Academia Brasileira de Letras, que, no futebol e na vida, o que importa é o resultado.
Fique tranquilo. Dunga foi apenas convidado. É um hábito da Academia chamar pessoas de destaque na sociedade para um encontro.
Dunga não é candidato ao cargo de imortal, mesmo se o Brasil for campeão e ele escrever mais um original livro sobre como ser um vencedor. Ricardo Teixeira faria o prefácio, e o auxiliar Jorginho, a orelha. Dunga só não pode publicar antes da Copa, como fez Parreira em 2006.
O que é ter resultados na vida, fora do futebol?
Se tornar um profissional vitorioso, rico e famoso, mesmo que seja por meios não muito legais e éticos? Aparecer e ser campeão no "Big Brother"?
Ou ser um homem simples e bom, sem nenhuma pretensão de ser herói?
Dunga e Jorginho formam uma boa dupla. Estão entrosados e já mostraram que têm bons conhecimentos técnicos e táticos. É a união do técnico mal-humorado, tosco, que não aceita críticas, com o auxiliar evangélico e tranquilo.
Se qualquer outro treinador dissesse que só interessa o resultado, ninguém se incomodaria, já que todos os times do mundo, de todas as épocas, entram em campo para vencer. Já Dunga dizendo isso, por seu habitual comportamento, gera outras leituras.
Depois de tantos bons resultados, a maioria concorda com o jeito pragmático de Dunga. Vivemos em uma sociedade consumista, competitiva, do espetáculo, em que a única coisa importante é a vitória, a glória e a fama. As pessoas não querem ser amadas. Querem ser vencedoras, admiradas e bajuladas.
Muitos acham ainda que, para dirigir uma seleção na Copa, é necessário, além de ser operatório e disciplinado, que o treinador seja rígido e nacionalista, uma mistura de um ditador com um Policarpo Quaresma. Para esses, com Dunga, não se repetiria o fracasso de 2006, quando Parreira foi chamado de bonzinho e frouxo por permitir tantas arruaças.
Dunga nunca vai entender por que a seleção de 1982, eliminada pela Itália, é mais elogiada que a de 1994, campeã do mundo.
Dunga passa a impressão de que a vitória lhe proporciona mais sofrimento que prazer e que ainda pode xingar os críticos, como fez em 1994, ao levantar a taça. Para ele, perder jogando bem deve ser muito pior que perder jogando mal. Sofre mais.
Apesar de não ter admiração pelo estilo de Dunga, reconheço sua eficiência no comando da seleção.
A maioria dos jogadores prefere técnicos rígidos e que tomam todas as decisões. É uma maneira de os jogadores transferirem para o técnico a responsabilidade pelas derrotas e pelas vitórias.
A presença de vários atletas evangélicos e obedientes na equipe facilita o trabalho do treinador. É a igrejinha de Dunga.
Se o Brasil ganhar ou perder, o motivo principal será Dunga. Isso já está decidido. É valorizar demais o treinador, seja quem fosse. É também uma maneira estreita de se analisar futebol, um esporte que, com frequência, é decidido, entre equipes do mesmo nível, pelo acaso e por fatores inusitados, que vão além da racionalidade doentia de Dunga.