Depois de Hans Küng, mais um teólogo católico punido pelo então cardeal Joseph Ratzinger resolve dar o troco agora que ele é papa. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo de ontem, 20/04/10, Leonardo Boff afirma:
''Bento XVI não consegue deixar de ser professor e não alcança ser pastor''
José Maria Mayrink - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Leonardo Boff, teólogo
Crítico notório do atual papa, o ex-frade e teólogo brasileiro Leonardo Boff considera Bento XVI uma figura "de tensão e até de desunião". Leia suas opiniões na entrevista a seguir.
Como o sr. analisa o pontificado de Bento XVI?
Marcado por gestos de conflito e desunião: com os muçulmanos, com os judeus, com as Igrejas não católicas, com os seguidores de Lefebvre, com a introdução do latim na missa, com as mulheres, com os homossexuais e atualmente com o problema dos pedófilos. Quer dizer, cometeu vários erros de governo. Um professor como ele, de teologia acadêmica, numa universidade estatal da Alemanha, onde eu o escutei, não é talhado para dirigir, coordenar e animar uma comunidade de mais de 1 bilhão de pessoas. Ele não consegue deixar de ser professor e não alcança ser plenamente pastor. Falta-lhe quase tudo, especialmente carisma.
As denúncias de pedofilia causam um estrago irreparável para a imagem da Igreja?
A pedofilia sempre existiu entre o clero. Mas era tornada invisível. A Igreja apenas via o aspecto de pecado e não de delito. Nessa visão, apenas se vê o pecador. No delito se vê a vítima. Delito é crime que deve ser levado aos tribunais. Isso a Igreja sempre se negou a fazer, na falsa ideia de preservar seu bom nome. Isso é uma atitude farisaica e falta de misericórdia e justiça para com as vítimas. A opinião pública mundial e os vários processos nos EUA que puseram dioceses praticamente à falência levaram a Igreja a aceitar, muito a contragosto, a criminalização da pedofilia. Esse fato tem desmoralizado enormemente a instituição. Pouco vale o pedido de perdão e oferecimento de orações. Precisa-se fazer transformações profundas na disciplina e na formação dos candidatos ao sacerdócio.
Está correta a maneira de a Igreja, e particularmente o papa, encarar esse problema?
O Vaticano e os bispos em geral querem dissociar celibato de pedofilia. Ocorre que o problema de fundo é a sexualidade como é encarada nos seminários e na vida concreta dos padres. Sabemos que a sexualidade, como a mostraram Freud, Foucault e Ricoeur, possui uma natureza vulcânica. Não basta a razão intelectual para integrá-la no todo da vida humana. Ora, a pedofilia é um desvio de comportamento, portanto, ligado à sexualidade mal integrada. Isso é o que o Vaticano não quer, mas será obrigado a ver. Persiste em manter o celibato fora de discussão, mas não vai dar. Ela possui suas razões: celibato é um fator decisivo para o tipo de estrutura de Igreja que temos. Ela é uma sociedade religiosa total, autoritária, centralizadora e monossexual (só os homens contam entrar no serviço eclesial). Para ela é cômodo ter pessoas totalmente disponíveis que lhe entregam tudo, vida, afetos, família, para servir a seus propósitos, nem sempre os mais adequados para a maioria das pessoas sobre assuntos importantes como contraceptivos, aids e outros.
A onda de escândalos levaria a Igreja a mudar sua posição em relação esses assuntos?
Por mais escândalos que aconteçam, dificilmente a hierarquia da Igreja vai mudar. Ela é refém de uma doutrina que formulou sem qualquer diálogo com a comunidade cristã e sem maiores discussões com a comunidade científica. Pelo fato de a Igreja institucional ter colocado no centro de sua estruturação o poder sagrado (sacra potestas), sofre as consequências da lógica do poder, e este fecha as janelas e as portas para o amor, a solidariedade, a compreensão cordial e a compaixão. Não sem razão, o atual papa escreve uma encíclica sobre o amor sem mostrar qualquer amor.
''Bento XVI não consegue deixar de ser professor e não alcança ser pastor''
José Maria Mayrink - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Leonardo Boff, teólogo
Crítico notório do atual papa, o ex-frade e teólogo brasileiro Leonardo Boff considera Bento XVI uma figura "de tensão e até de desunião". Leia suas opiniões na entrevista a seguir.
Como o sr. analisa o pontificado de Bento XVI?
Marcado por gestos de conflito e desunião: com os muçulmanos, com os judeus, com as Igrejas não católicas, com os seguidores de Lefebvre, com a introdução do latim na missa, com as mulheres, com os homossexuais e atualmente com o problema dos pedófilos. Quer dizer, cometeu vários erros de governo. Um professor como ele, de teologia acadêmica, numa universidade estatal da Alemanha, onde eu o escutei, não é talhado para dirigir, coordenar e animar uma comunidade de mais de 1 bilhão de pessoas. Ele não consegue deixar de ser professor e não alcança ser plenamente pastor. Falta-lhe quase tudo, especialmente carisma.
As denúncias de pedofilia causam um estrago irreparável para a imagem da Igreja?
A pedofilia sempre existiu entre o clero. Mas era tornada invisível. A Igreja apenas via o aspecto de pecado e não de delito. Nessa visão, apenas se vê o pecador. No delito se vê a vítima. Delito é crime que deve ser levado aos tribunais. Isso a Igreja sempre se negou a fazer, na falsa ideia de preservar seu bom nome. Isso é uma atitude farisaica e falta de misericórdia e justiça para com as vítimas. A opinião pública mundial e os vários processos nos EUA que puseram dioceses praticamente à falência levaram a Igreja a aceitar, muito a contragosto, a criminalização da pedofilia. Esse fato tem desmoralizado enormemente a instituição. Pouco vale o pedido de perdão e oferecimento de orações. Precisa-se fazer transformações profundas na disciplina e na formação dos candidatos ao sacerdócio.
Está correta a maneira de a Igreja, e particularmente o papa, encarar esse problema?
O Vaticano e os bispos em geral querem dissociar celibato de pedofilia. Ocorre que o problema de fundo é a sexualidade como é encarada nos seminários e na vida concreta dos padres. Sabemos que a sexualidade, como a mostraram Freud, Foucault e Ricoeur, possui uma natureza vulcânica. Não basta a razão intelectual para integrá-la no todo da vida humana. Ora, a pedofilia é um desvio de comportamento, portanto, ligado à sexualidade mal integrada. Isso é o que o Vaticano não quer, mas será obrigado a ver. Persiste em manter o celibato fora de discussão, mas não vai dar. Ela possui suas razões: celibato é um fator decisivo para o tipo de estrutura de Igreja que temos. Ela é uma sociedade religiosa total, autoritária, centralizadora e monossexual (só os homens contam entrar no serviço eclesial). Para ela é cômodo ter pessoas totalmente disponíveis que lhe entregam tudo, vida, afetos, família, para servir a seus propósitos, nem sempre os mais adequados para a maioria das pessoas sobre assuntos importantes como contraceptivos, aids e outros.
A onda de escândalos levaria a Igreja a mudar sua posição em relação esses assuntos?
Por mais escândalos que aconteçam, dificilmente a hierarquia da Igreja vai mudar. Ela é refém de uma doutrina que formulou sem qualquer diálogo com a comunidade cristã e sem maiores discussões com a comunidade científica. Pelo fato de a Igreja institucional ter colocado no centro de sua estruturação o poder sagrado (sacra potestas), sofre as consequências da lógica do poder, e este fecha as janelas e as portas para o amor, a solidariedade, a compreensão cordial e a compaixão. Não sem razão, o atual papa escreve uma encíclica sobre o amor sem mostrar qualquer amor.