Padre jesuíta produz filmes em Hollywood
Fundador de empresa diz buscar conteúdo amplo nas produções, mas com "moral"
Além de material original, como "The Borgia Popes", produtora faz filmes educativos e industriais "para pagar as contas"
JOHN ANDERSON
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES
É o final do século 15 e a duquesa rebelde Caterina Sforza, cujos filhos foram sequestrados por Cesare Borgia, levanta a saia da muralha de seu castelo e grita para 15 mil homens das tropas dele que avançam sobre o local: "Idiotas! Não acham que posso ter mais filhos?".
Mais tarde, com o castelo em escombros, é capturada, estuprada e enviada a Roma, onde o pai de Borgia ocupa um cargo de alto escalão: papa. É material provocante para um filme, com certeza. Especialmente um feito por jesuítas.
"The Borgia Popes" é só um dos projetos da Loyola Productions, produtora sem fins lucrativos, da Califórnia, pertencente a membros da Companhia de Jesus, ordem católica romana de padres e monges cujos membros, ao menos nesse caso, prefeririam não ser vistos como estando à cata de adeptos.
"Em reuniões, dá para ver que pensam: "Estão tentando nos converter'", diz o padre Eddie Siebert, fundador da empresa. "É frustrante, não revelo quem sou até me conhecerem -nem me apresento como padre jesuíta. Tende a assustar."
Fundada em 1534 pelo militar e teólogo basco Inácio de Loyola, os jesuítas já se envolveram em algumas controvérsias: o papa João Paulo 2º reprimiu a ordem na década de 1980 pela independência, dedicação ao ativismo social e pelos questionamentos teológicos.
Conta de luz
"Sobrevivemos graças a pessoas generosas e trabalhando sem parar", diz Siebert, que, para enfrentar a concorrência, também precisa buscar financiamento. "É o que eu faço, mas não em tempo integral."
Mas o fato de ser padre encerra vantagens. "Quando há um bom executivo católico na Sony, aceitam me receber em uma reunião. Às vezes me levam a sério, às vezes dizem: "Que beleza, padre, continue com o bom trabalho'", diz.
"Tento dar conta dessa situação desajeitada de ser um jesuíta espiritualmente fortalecido que comanda uma produtora que quer produzir material de vanguarda. É complicado."
Sediada em um edifício comercial em Culver City, a Loyola produz alguns conteúdos "apenas para pagar a conta de luz". Tem filmes educativos, industriais e a série mais popular da empresa, "Who Cares About the Saints?" (quem se importa com os santos?), promovida pelo sistema de distribuição da Loyola, por universidades católicas, colégios, paróquias, pela Loyola Press e, claro, pela Amazon.com.
Embora Siebert diga que quer criar conteúdos "amplos" ("não necessariamente doutrinais ou dogmáticos"), há moral por trás das produções.
"Espero que haja mesmo. De outro modo, qual seria a razão da existência dela?", pergunta Meyer Shwarzstein, da Brainstorm Media, parceira da produtora no seriado "Something to Talk About" (algo do que falar).
Veterano produtor, Shwarzstein ajuda a desenvolver o drama"Mercy Adjacent" (anterior à série "Mercy"), sobre capelães em um hospital da Nova Orleans pós-Katrina.
"Fui criado em uma família judaica praticante e me interesso por religião. Acho fascinante em "Mercy Adjacent" que nossa sociedade é muito aberta, mas há um desconforto incrível quando o tema é religião."
Tesouros ocultos
Enquanto isso, a Loyola desenvolve projetos adequados à TV. "The Real Deal" (a realidade de fato) traz um dia em que as comunicações por satélite foram interrompidas exceto por mensagens de celular com estatísticas desanimadoras sobre como o mundo está. "Hidden Treasures of the Jesuits" (tesouros ocultos dos jesuítas) traz de obras de arte a artefatos ligados à ordem, como a arma que foi usada no assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando -e levou à Primeira Guerra- ou a tela de Caravaggio descoberta em uma residência paroquial de Dublin.
E há "The Borgia Popes", que Siebert compara à série "The Tudors" -que foi exibida no Brasil pelo People+Arts- mas sem o teor sexual. O filme está sendo escrito pelo monge jesuíta e vice-presidente criativo Michael Breault.
A Loyola é autônoma em relação à Igreja ao menos financeiramente. Mas recebe outro tipo de apoio. "Aqui é possível comandar uma produtora e ser padre também", diz Siebert, que é jesuíta há 25 anos e diplomou-se em cinema pela Universidade Loyola Marymount.
Tradução de CLARA ALLAIN
Além de material original, como "The Borgia Popes", produtora faz filmes educativos e industriais "para pagar as contas"
JOHN ANDERSON
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES
É o final do século 15 e a duquesa rebelde Caterina Sforza, cujos filhos foram sequestrados por Cesare Borgia, levanta a saia da muralha de seu castelo e grita para 15 mil homens das tropas dele que avançam sobre o local: "Idiotas! Não acham que posso ter mais filhos?".
Mais tarde, com o castelo em escombros, é capturada, estuprada e enviada a Roma, onde o pai de Borgia ocupa um cargo de alto escalão: papa. É material provocante para um filme, com certeza. Especialmente um feito por jesuítas.
"The Borgia Popes" é só um dos projetos da Loyola Productions, produtora sem fins lucrativos, da Califórnia, pertencente a membros da Companhia de Jesus, ordem católica romana de padres e monges cujos membros, ao menos nesse caso, prefeririam não ser vistos como estando à cata de adeptos.
"Em reuniões, dá para ver que pensam: "Estão tentando nos converter'", diz o padre Eddie Siebert, fundador da empresa. "É frustrante, não revelo quem sou até me conhecerem -nem me apresento como padre jesuíta. Tende a assustar."
Fundada em 1534 pelo militar e teólogo basco Inácio de Loyola, os jesuítas já se envolveram em algumas controvérsias: o papa João Paulo 2º reprimiu a ordem na década de 1980 pela independência, dedicação ao ativismo social e pelos questionamentos teológicos.
Conta de luz
"Sobrevivemos graças a pessoas generosas e trabalhando sem parar", diz Siebert, que, para enfrentar a concorrência, também precisa buscar financiamento. "É o que eu faço, mas não em tempo integral."
Mas o fato de ser padre encerra vantagens. "Quando há um bom executivo católico na Sony, aceitam me receber em uma reunião. Às vezes me levam a sério, às vezes dizem: "Que beleza, padre, continue com o bom trabalho'", diz.
"Tento dar conta dessa situação desajeitada de ser um jesuíta espiritualmente fortalecido que comanda uma produtora que quer produzir material de vanguarda. É complicado."
Sediada em um edifício comercial em Culver City, a Loyola produz alguns conteúdos "apenas para pagar a conta de luz". Tem filmes educativos, industriais e a série mais popular da empresa, "Who Cares About the Saints?" (quem se importa com os santos?), promovida pelo sistema de distribuição da Loyola, por universidades católicas, colégios, paróquias, pela Loyola Press e, claro, pela Amazon.com.
Embora Siebert diga que quer criar conteúdos "amplos" ("não necessariamente doutrinais ou dogmáticos"), há moral por trás das produções.
"Espero que haja mesmo. De outro modo, qual seria a razão da existência dela?", pergunta Meyer Shwarzstein, da Brainstorm Media, parceira da produtora no seriado "Something to Talk About" (algo do que falar).
Veterano produtor, Shwarzstein ajuda a desenvolver o drama"Mercy Adjacent" (anterior à série "Mercy"), sobre capelães em um hospital da Nova Orleans pós-Katrina.
"Fui criado em uma família judaica praticante e me interesso por religião. Acho fascinante em "Mercy Adjacent" que nossa sociedade é muito aberta, mas há um desconforto incrível quando o tema é religião."
Tesouros ocultos
Enquanto isso, a Loyola desenvolve projetos adequados à TV. "The Real Deal" (a realidade de fato) traz um dia em que as comunicações por satélite foram interrompidas exceto por mensagens de celular com estatísticas desanimadoras sobre como o mundo está. "Hidden Treasures of the Jesuits" (tesouros ocultos dos jesuítas) traz de obras de arte a artefatos ligados à ordem, como a arma que foi usada no assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando -e levou à Primeira Guerra- ou a tela de Caravaggio descoberta em uma residência paroquial de Dublin.
E há "The Borgia Popes", que Siebert compara à série "The Tudors" -que foi exibida no Brasil pelo People+Arts- mas sem o teor sexual. O filme está sendo escrito pelo monge jesuíta e vice-presidente criativo Michael Breault.
A Loyola é autônoma em relação à Igreja ao menos financeiramente. Mas recebe outro tipo de apoio. "Aqui é possível comandar uma produtora e ser padre também", diz Siebert, que é jesuíta há 25 anos e diplomou-se em cinema pela Universidade Loyola Marymount.
Tradução de CLARA ALLAIN