sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Por que as mulheres vivem mais?

Matéria coligida e traduzida por Natasha Romanzoti para o HypeScience:

Por que as mulheres vivem mais que os homens?

Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida do brasileiro nascido em 2010 alcançou 73,4 anos. Em comparação com dados de 1960, a perspectiva de vida aumentou 25,4 anos (era de 48 anos).

Apesar desse aumento de vida ser geral, muitas pesquisas mostram que os homens vivem menos que as mulheres. No Brasil, por exemplo, a expectativa de vida dos homens era de 69,73 anos em 2010, e das mulheres, 77,32 anos, uma diferença de sete anos, sete meses e dois dias.

Os homens têm 4,5 mais chances de morrer na juventude do que as mulheres. A sobremortalidade masculina tem seu pico aos 22 anos de idade, quando a chance de um homem morrer é 4,5 vezes maior do que a de uma mulher. Conforme ficam mais velhos, essa diferença diminui, mas, aos 70 anos, a chance de um homem morrer é mais de 1,5 maior do que a chance de uma mulher da mesma idade morrer.

Por quê? Os homens não se cuidam? Alimentam-se pior? Não vão ao médico? Têm mais comportamentos de risco que as mulheres?

Pode ser que tudo isso seja verdade, mas um novo estudo da Universidade Monash (Austrália) indica que um componente genético pode favorecer as mulheres: mutações no DNA da mitocôndria. Elas podem explicar as diferenças na expectativa de vida de machos e fêmeas.

Sim, machos e fêmeas, porque essa expectativa de vida maior é vista nas fêmeas de várias espécies, não somente nos seres humanos.

As mitocôndrias, que existem em quase todas as células animais, são vitais para a vida porque convertem o que comemos em energia que alimenta nosso corpo. As mitocôndrias têm seu próprio DNA, separado do DNA que reside no núcleo da célula (que é o que pensamos quando falamos de genoma).

Os pesquisadores analisaram diferenças de longevidade e envelhecimento biológico em moscas machos e fêmeas que carregavam mitocôndrias de diferentes origens. Ou seja, as moscas da fruta (Drosophila melanogaster) tinham, todas, o mesmo DNA celular, mas possuíam DNA mitocondrial de 13 diferentes populações de moscas da fruta ao redor do mundo.

Eles descobriram que a variação genética entre estas mitocôndrias estava relacionada à expectativa de vida no sexo masculino, mas não no feminino.

Isso significa que as inúmeras mutações no DNA mitocondrial afetam o quanto os homens vivem e a velocidade com que envelhecem, mas não afetam em nada as mulheres.

Os cientistas especulam que as mutações podem ser totalmente atribuídas à forma como os genes mitocondriais são passados de pais para filhos. Enquanto as crianças recebem cópias da maioria de seus genes de ambos os pais e as mães, elas só recebem genes mitocondriais de suas mães.

Isto significa que o “controle de qualidade” da evolução, conhecido como seleção natural, apenas filtra a qualidade de genes mitocondriais em mães. Se uma mutação mitocondrial que prejudica apenas os pais ocorre, ela passa “sem querer” pelo olhar da seleção natural. Ao longo de milhares de gerações, muitas dessas mutações que prejudicam machos se acumulam.

Ou seja, normalmente, a seleção natural ajuda a manter mutações prejudiciais ao mínimo, garantindo que não sejam transmitidas para a prole. Mas, se uma mutação do DNA mitocondrial é perigosa apenas para os machos, mas não para as fêmeas, não há nada que impeça a mãe de passá-la para seus filhos e filhas.

Isso significa que os machos estão “ferrados” para sempre? Não, como é evidenciado pelo fato de que eles não foram extintos ainda. É possível que o genoma nuclear – o DNA que herdamos de nossos dois pais – esteja compensando a deficiência mitocondrial nos homens. Em outras palavras, os homens cujos genomas podem neutralizar os efeitos desagradáveis de mutações mitocondriais podem se sair melhor e transmitir seus genes de forma mais eficaz.

O próximo passo da pesquisa é investigar os mecanismos genéticos que podem ajudar os homens a anular os efeitos dessas mutações prejudiciais e se manterem saudáveis.



quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A nova família brasileira


A estrutura familiar brasileira mudou, e mudou muito, segundo dados do IBGE divulgados pelo jornal O Globo:

“Pai, mãe e filhos” já não reinam mais nos lares

A família brasileira se multiplicou. O modelo de casal com filhos deixou de ser dominante no Brasil. Pela primeira vez, o censo demográfico captou essa virada, mostrando que os outros tipos de arranjos familiares estão em 50,1% dos lares. Hoje, os casais sem filhos, as pessoas morando sozinhas, três gerações sob o mesmo teto, casais gays, mães sozinhas com filhos, pais sozinhos com filhos, amigos morando juntos, netos com avós, irmãos e irmãs, famílias “mosaico” (a do “meu, seu e nossos filhos”) ganharam a maioria. O último censo, de 2010, listou 19 laços de parentesco para dar conta das mudanças, contra 11 em 2000. Os novos lares somam 28,647 milhões, 28.737 a mais que a formação clássica.

Essa virada vem principalmente com a queda na taxa de fecundidade. Em 1940, a mulher tinha em média seis filhos, hoje tem menos de dois, fazendo a população crescer mais devagar e ficar mais velha. Ao optar por uma família menor, a mulher entrou forte no mercado de trabalho: em 1969, elas eram 27,3% da força de trabalho, em 2009, 43,6%. A renda feminina trouxe a segurança para a mulher seguir seu caminho sem marido e os costumes chegaram à legislação, como a nova lei do divórcio, que dispensa a mediação do juiz. E, lembra o sociólogo Marcelo Medeiros, da UnB, o trabalho feminino distribuiu melhor a renda:

— Menos filhos e mais renda ajudaram a reduzir a desigualdade.

Viver pelo mundo é mais barato que no Rio

Os casais sem filhos crescem e já chegam a dois milhões. São os dinks, sigla em inglês para “Dupla renda, nenhum filho”. Vinicius Teles e Patrícia Figueira são exemplo. Eles só têm endereços temporários pelo mundo ou os contatos eletrônicos. No Facebook, não poderia ser mais apropriado: Casal Partiu. Embora tenham se conhecido em Niterói, eles agora não têm casa: passam quatro meses no Brasil e, no resto do ano, vivem em países como Líbano, Japão, Argentina, Grécia, Índia ou Nova Zelândia. Juntos há dez anos, sempre tiveram uma certeza: não teriam filhos. A decisão de viver pelo mundo foi tomada com a evolução da carreira de ambos: ele trabalha remotamente na criação de softwares e ela é fotógrafa de casamentos.

— Não somos milionários. Viver viajando pelo mundo, mesmo na Europa, é mais barato que ter casa no Rio — afirma Vinícius.

— Nossas famílias cobravam os filhos, hoje entendem, isso é mais comum — diz Patricia.

— Antes, a realização era casar e ter filhos. Hoje os dinks são quatro milhões de pessoas, de renda alta, moram em apartamento e grandes metrópoles — diz José Eustáquio Diniz, professor da Escola Nacional de Estatística, do IBGE.

Os desafios para o IBGE permanecem. O instituto ainda não mede casados em casas separadas e filhos que têm duas casas. Ana Saboia, coordenadora de Indicadores Sociais, estuda como outros países tratam essas novíssimas famílias.

Cássia Almeida
(Colaborou Henrique Gomes Batista)



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Cristo e Confúcio na China: uma relação turbulenta


Excelente material histórico sobre a história do cristianismo na China, publicado no IHU:

O Evangelho e Confúcio: o encontro que não ocorreu

A Companhia fundada em 1534 por Inácio de Loyola se aliou à Coroa portuguesa na Índia. Eram experiências arriscadas: por causa de doenças e de outros perigos, o índice de mortalidade dos religiosos durante as longas viagens por mar chegava a 15%. Pelos caminhos da China, a reviravolta decisiva aconteceu em 1595, quando um clérigo de Marche, Itália, começou a assumir os hábitos e a vestir as roupas típicas dos pertencentes à elite chinesa. Mas a herança de Matteo Ricci se dispersou.

A análise é do jornalista e escritor italiano Paolo Mieli, publicada no jornal Corriere della Sera, 24-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A obra foi extraordinária, foi quase incrível e bastaria por si só para testemunhar o papel que teve na história a Companhia de Jesus, fundada em 1534 por Inácio de Loyola, dentre muitas complicações, bem descritas em um importante livro de Guido Mongini, Ad Christi similitudinem. Ignazio di Loyola e i primi gesuiti tra eresia e ortodossia, publicado pela editora Dell'Orso, que refere como o fundador da Companhia foi processado pela Inquisição oito vezes na Espanha, na França e na Itália.

No entanto, no fim, a Companhia de Jesus foi aprovada em 1540 pelo Papa Paulo III, nascido Alessandro Farnese. E, dentro de poucas décadas, essa estrutura foi capaz de "oferecer" à Igreja personalidades que mudariam radicalmente o seu rosto. Personalidades católicas que guiariam o mundo para a modernidade.

E eis-nos na obra. O homem que foi seu protagonista, Matteo Ricci, nascera em Macerata, em 1552. Ele enviado pelo pai, farmacêutico, a Roma, em 1568, para que se inscrevesse na universidade, estudasse Direito e de lá alçasse voo para uma brilhante e rentável carreira. Matteo, porém, desiludiu o pai e, no dia 15 de agosto de 1571, às vésperas de completar 19 anos, se apresentou ao noviciado dos jesuítas no monte Quirinal para pedir para ser admitido na Companhia.

Mas era só um primeiro passo. Na época, sob o patrocínio dos reis e dos vice-reis portugueses, os jesuítas – nos passos de Paolo da Camerino, Antonio Criminali, Niccolò Lancellotti e posteriormente Alessandro Valignano, os primeiros a serem enviados em missão a Goa e à costa de Malabar – já haviam se tornado a mais poderosa arma espiritual da presença lusitana na Índia, onde haviam fundado seis colégios e 16 residências menores.

Em 1577, Ricci deu o passo sucessivo e decidiu partir, via Lisboa, à Índia. Ele tinha 24 anos. E era só o início de uma aventura que o levaria a Pequim, até mesmo ao coração da Cidade Proibida.

Por isso, Un gesuita nella città proibita (420 páginas) é o título do livro escrito por Ronnie Po-chia Hsia, historiador chinês (mas que leciona na Universidade da Pensilvânia, EUA), já muito conhecido por um excelente estudo sobre a Contrarreforma. O seu ensaio, publicado pela editora Mulino, tem o valor de ser construído sobre um exame muito cuidadoso da rica e complexa documentação de parte chinesa sobre toda a história.

Mas voltemos ao nosso personagem. A Lisboa a que Ricci chegou em 1577 era, com os seus 100 mil habitantes, uma das maiores cidades europeias, superada apenas por metrópoles como Paris e Istambul, apesar de Portugal, com o seu milhão e meio de habitantes (contra os 14 milhões, por exemplo, da França) ser um dos países menos povoados da Europa.

Sentava-se no trono Sebastião, neto por parte de mãe (Catarina) do imperador Carlos V, de Habsburgo, e primo de Filipe II, da Espanha. Sebastião foi galvanizado pela vitória de Lepanto (1571), em que os navios espanhóis, venezianos e pontifícios derrotaram a frota otomana. Ele olhava para longe e por isso encorajava a missão dos jesuítas na Índia e, depois depois da partida de Ricci (23 de março de 1578), colocou-se à frente de um exército de 15 mil homens para uma viagem ao Marrocos, onde encontraria a morte prematura, quatro meses depois, na ardente derrota de Alcácer-Quibir.

Mas, na época de Alcácer-Quibir, os nossos jesuítas já haviam embarcado em três veleiros dirigidos para a Índia. Em uma viagem em que, às insídias dos mares, acrescentavam-se as doença (o índice de mortalidade dos religiosos ao longo desse tipo de trajeto era de 15%) e de outros riscos.

Em 1570, lembra o estudioso, uma embarcação portuguesa proveniente do Brasil havia sido interceptada por piratas franceses (huguenotes): tendo chegado ao veleiro, os franceses o haviam tomado de assalto e saqueado. Depois, tendo encontrado entre os passageiros Ignacio de Azevedo, superior da missão jesuíta no Brasil, juntamente com um grupo de missionários noviços, os huguenotes haviam poupado a tripulação portuguesa, mas haviam jogado na água os 40 jesuítas, que se tornaram desde então mártires da Companhia.

Caráter religioso das navegações

Os seguidores de Santo Inácio davam um caráter muito religioso para a sua navegação: de manhã, "dedicavam uma hora às orações e, uma vez por semana, à confissão"; depois, faziam a ronda do navio visitando os doentes "para levá-los consolo espiritual e físico"; recitavam regularmente as ladainhas, "frequentemente muitas vezes por dia" e, "de noite, lideravam a tripulação no canto dos hinos e nas orações para evitar as rixas".

Naqueles dias, para propiciar os ventos (mas provavelmente fariam o mesmo de qualquer forma), "guiaram uma procissão da popa à proa e depois de novo à popa, na qual foram expostas as relíquias destinadas à sua igreja em Goa": "a cabeça de Santa Gerasina, companheira de Santa Úrsula, consoladora das 11 mil virgens mártires de Colônia" e a de São Bonifácio mártir.

No fim de maio, em cada um dos veleiros, "foram organizadas, para celebrar o Corpus Domini, procissões acompanhadas por música e pela ostensão das relíquias". Orações e atos de devoção coincidiram – embora seja árduo estabelecer uma relação de causa e efeito entre as duas coisas – com a chegada dos ventos do oeste, que favoreceram a navegação para o Cabo da Boa Esperança.

Foram necessários seis meses para chegar a Goa. Lá, os convertidos constituíam a maioria da população. "E isso explica a importância da cristianização como uma das fontes essenciais para a manutenção do colonialismo lusitano", escreve Po-chia Hsia: "Substancialmente, os portugueses (incluindo o clero) consideravam o pertencimento à cristandade como sinônimo do ser português, também com relação ao que concernia à língua falada, o modo de vestir, os alimentos e a fé".

Em Goa, Ricci se destacou, porque começou a fazer parte da minoria que lutava contra a discriminação racial e, de fato, contra a entrada dos indianos na Companhia. E, naquele lugar, permaneceu três anos.

Ainda mais importante foi a passagem posterior, quando o nosso jesuíta se transferiu para Macau, na costa chinesa. Aqui, os portugueses (cerca de 800) eram apreciados, porque, por causa da proibição de relações comerciais entre China e Japão, serviam como intermediários indispensáveis entre os dois países., também em virtude do fato de que – diferentemente dos emissários ingleses e espanhóis – eles haviam aceitado todos os rituais de submissão, como o de se ajoelharem na presença dos mandarins e de inclinar a cabeça até tocar o chão.

Em 1575, o Papa Gregório XIII havia promovido Macau a diocese (com jurisdição sobre a China, Japão e Coreia) e a havia confiado ao bispo Belchior Carneiro, ele também jesuíta. Mas os religiosos da Companhia daquele pedacinho de terra eram apenas cinco. E estavam achinesados.

Em um curto espaço de tempo, Matteo Ricci se fez, ele mesmo, por assim dizer, chinês. O espanhol Alonso Sánchez, um dos seus companheiros na missão na China, assim o retratou: "Ele é semelhante em tudo e para tudo aos chineses e parece um deles pela beleza do engenho, pela delicadeza, gentileza, suavidade e, especialmente, pela grande inteligência e memória, todos dotes que eles levam em grande consideração; de fato, além de ser um ótimo teólogo e astrônomo, o que eles apreciam muito, ele aprendeu em brevíssimo tempo a sua língua e também muitos caracteres a ponto de ser capaz de falar com os mandarins sem necessidade de um intérprete, um fato que eles apreciam e admiram enormemente".

Daí, vestidos, sem barba e com cabelos ao estilo dos monges budistas, ele e Michele Ruggieri se transferiram para Zaoqing, onde foram tomados sob a proteção de uma das máximas autoridades do lugar: Wang Pan. Wang Pan desejava um herdeiro do sexo masculino e, quando o teve, considerou que era mérito de Ricci e do seu companheiro. A Ruggieri, que, segundo o autor, "foi com efeito o fundador da missão jesuíta na China", foi concedido que traduzisse o catecismo ao chinês, adaptando-a ao público ao qual se destinava.

O primeiro batismo foi administrado a um pobre encontrado pela rua e a ponto de morrer. Os posteriores, no entanto, foram para os autênticos convertidos. Mas nem tudo correu bem: nesse período, Ricci estava "angustiado pela latente (senão declarada) hostilidade da população local". Encontrou-se "muito mais confortável na companhia das elites intelectuais às quais era mais afim". Logo ficou claro que o destino dele e de Ruggieri "dependiam da benevolência dos mandarins".

Depois, em 1588, Ruggieri voltou a Macau, e depois a Lisboa e a Roma, para invocar o envio de uma embaixada papal junto à corte Ming, e Ricci ficou sozinho. Depois, foi acompanhado pelo jovem jesuíta Antonio Almeida e sucessivamente por Francesco de Petris. Mas, dentro de um par de anos (1589-1591), ambos morreram.

Reviravolta confuciana

Foi-lhe mandado, então, Lazzaro Cattaneo, e, com ele, Ricci realizou a "reviravolta confuciana": em 1595, ele decidiu deixar as vestes budistas para vestir longos hábitos de seda e o chapéu de quatro pontas, típico dos eruditos confucianos. A meta, depois de uma longa série de peregrinações em terra chinesa, era, nesse ponto, Pequim. Mas ele teria que esperar até 1600, quando obteve a permissão para entrar na cidade (que ele já havia visitado em 1598), apesar da hostilidade do eunuco Ma Tang.

Enquanto isso, no entanto, ele havia conquistado os literatos de Nanchang (onde permanecera por três anos), que estavam "maravilhados com a sua habilidade em citar passagens inteiras dos clássicos confucianos e ficavam sem palavras quando ele mostrava saber recitar até ao contrário qualquer trecho que lhe era submetido".

"Quanto mais Ricci se comportava como um membro da elite chinesa", destaca Po-chia Hsia, "mais o seu sucesso crescia". Sucesso que atingiu o seu ápice quando, em setembro de 1596, houve um eclipse solar que ele, diferentemente do observatório astronômico imperial, havia previsto com meses de antecedência. Depois, em Nanjing (ex-capital da China até 1421 e que, segundo muitos, assim permaneceu também nos séculos seguintes), ele havia conquistado os favores do poderoso Wang Zhongming.

Aqui inicia a parte mais fascinante do livro Un gesuita nella città proibita, que consegue contar – em virtude justamente da consulta aos documentos chineses – as intrigas na corte do imperador Wanli com uma grande quantidade de detalhes inéditos para a literatura ocidental. Nas primeiras décadas do século XVII, Ricci, com o apoio do imperador, plantou raízes em Pequim, onde, fato verdadeiramente excepcional, lhe foi permitido residir.

Mas essa foi uma época nada tranquila. Em 1604, chegou à capital imperial a notícia de que, entre outubro e novembro do ano anterior, na ilha de Luzon, os espanhóis haviam massacrado entre 15 e 20 mil chineses, quase toda a comunidade. Em 1605, um grupo de mandarins, incomodados com os ataques de Ricci ao budismo, apresentou uma petição ao imperador para pedir a revogação do apanágio e o repatriamento dos jesuítas. O que piorou a situação foi o início dos conflitos gerados pelo ingresso dos holandeses pelos mares da região (em 1607, a Holanda desferiu um ataque contra Macau). Multiplicaram-se os rumores que davam por iminente um "complô jesuíta" para derrubar a dinastia Ming do poder.

Em 1607, em Shaozhou, divulgou-se uma petição assinada por 400 intelectuais em que se pedia a expulsão de Niccolò Longobardo (o jesuíta destinado a suceder Ricci) acusado de "perturbação da paz". Mas Ricci, nesses dez anos, se comove profundamente com relação aos conflitos em curso. Ele já tinha o posto de um ministro a serviço do imperador, recebia os mandarins e os futuros funcionários do reino sem nunca pôr os pés fora da capital imperial. O seu livro O verdadeiro significado do Senhor do Céu (1603), redigido em forma de diálogo entre um ocidental e um erudito chinês, o consagra como uma das maiores personalidades da China dos Ming. Ele confia a uma correspondência com Yiu Chunxi os termos da sua polêmica contra o budismo.

Triunfo até na morte

Quando Ricci morreu, aos 58 anos de idade, em maio de 1610, ele triunfou "sobre os seus inimigos até na morte". Wanli concedeu a honra do patrocínio imperial às suas exéquias, das quais participaram os mandarins Xu Guangqi e Li Zhiao. Matteo Ricci foi o primeiro mas não o último dos jesuítas a ser enterrado em terras chinesas. Depois dele – e antes da dissolução da Companhia – chegaram à China cerca de nada menos do que 500 jesuítas, provenientes da Itália, Espanha, Portugal, França, Bélgica, Polônia, Áustria, Alemanha, com o acréscimo de um discreto número recrutado in loco.

Se a parte jesuítica da herança ricciana, escreve Po-chia Hsia, foi assegurada por uma série de missões nos 160 anos seguintes, "o seu impacto sobre a comunidade cristã chinesa deu a esta última a possibilidade de sobreviver à crise catastrófica que sobreveio em consequência da mudança dinástica por volta de meados do século XVII".

Rukui Qu, um dos mais importantes amigos de Ricci na China, havia aceitado ser batizado somente em 1607, mas esse batismo não pôde ser dado, porque Qu não queria renunciar ao concubinato. Então, somente após a morte da primeira esposa e do "matrimônio com a concubina", Qu Rukui se tornou, para todos os efeitos, membro da Igreja Católica, em homenagem a qual decidiu dar ao próprio filho de 15 anos o nome de Matteo (a Ricci ele atribuía acima de tudo o mérito de ter-lhe dado a paternidade).

No momento da morte de Ricci, os convertidos na China eram cerca de 2.500 e subiram para 13 mil no início do reino de Chongzhen (1628). Esse reino durou 16 anos, no final dos quais (1644) os cristãos chineses eram nada menos do que 70 mil.

Tal crescimento ocorreu apesar do fato de o sucessor de Ricci, Niccolò Longobardo, criticar o seu método (contra o qual, ainda em anos anteriores, havia dito que se sentia "desconfortável"), desaprovar publicamente a síntese confucionista-cristã e colocar em dúvida que os principais mandarins e literatos realmente tivessem entendido os ensinamentos riccianos. Longobardo, confortado nisso pelos jesuítas do Japão, estabeleceu que o confucionismo era ateu e que os estudiosos Ming eram filósofos materialistas. Convencido de que a síntese do catolicismo e do confucionismo havia comprometido a pureza doutrinal da Igreja, em 1623, Longobardo escreveu um tratado no qual expressava a tese segundo a qual "os filósofos neoconfucianos propõem um universo materialista, enquanto os literatos chineses devem ser considerados fundamentalmente ateus", e se opunha vigorosamente à "distinção entre uma antiga filosofia chinesa intacta, naturalista e quase cristã e um neoconfucionismo corrupto".

Controvérsia dos ritos

Mas, em 1627, 11 padres destacados na China e fiéis ao ensinamento de Ricci se reuniram para uma conferência em Jiading. Posteriormente, a maior parte dos jesuítas, sob a orientação do belga Nicolas Trigault, começou novamente a defender, com o apoio da classe dirigente dos funcionários chineses convertidos, a estratégia missionária de Ricci.

A divisão já era evidente, e na China, entre os católicos, começou a fase da "controvérsia dos ritos". Em meados do século XVII, o jesuíta francês Jean Valet, que defendia a posição de Longobardo, passou uma cópia do seu tratado para o frei franciscano Antonio Caballero, que por sua vez a deu ao frei dominicano Domingo Navarrete: a partir desse momento, abraçaram as posições anti-Ricci.

Quem venceu dos dois lados? Ninguém. Nicolas Trigault, que, como foi dito, havia saído vitorioso da conferência de Jiading, não conseguiu depois suportar o peso da tensão nervosa, caiu em uma longa depressão e, em novembro de 1628, se enforcou. Os jesuítas esconderam esse suicídio e faziam referência a ele apenas em código. Mas ficaram extremamente enfraquecidos por causa disso, ainda mais que sobre eles pendia uma outra catástrofe.

Em março de 1644, os camponeses rebeldes invadiram Pequim, e as tropas manchu transbordaram dentro do país, atravessando a Grande Muralha. O regime Ming entrou em uma longa e inexorável agonia, que decretaria a sua extinção dentro de cerca de 40 anos. Anos durante os quais milhões de pessoas e muitos missionários jesuítas morreram de morte violenta.

Os Ming, para resistir, acolheram as ajudas ocidentais, se apresentaram como portugueses armados ou "conselheiros" jesuítas. A fé no Deus dos cristãos parecia ser para esses últimos dominadores da China um recurso extremo. Em 1648, a corte de Yongli, o último imperador dos Ming meridionais, anunciou três conversões clamorosas: a da imperatriz titular e de duas imperatrizes viúvas, que assumiram o nome de Anna, Elena e Maria. O próprio Yongli avaliou para si a hipótese de uma adesão à fé católica, mas desistiu para não ser obrigado a renunciar a poligamia. Mas fez com que o seu filho fosse batizado com o nome de Constantino. Em 1662, no entanto, pai e filho foram estrangulados em Yunnan por Wu Sangui, um general Ming que havia se amotinado para passar para o serviço dos novos senhores manchu.

Em Pequim, o jesuíta alemão Adam Schall, passou para os manchu, ele que fizera amizade com o imperador Qing Shunzhi, recebendo as honorificências que cabiam a um mandarim do mais alto grau. "Vestindo os hábitos dos mandarins da nova dinastia", escreve Po-chia Hsia, "Schall foi capaz de garantir a sobrevivência e a prosperidade da missão jesuítica". Apesar de um breve período de perseguições após a morte do soberano amigo, a missão católica começou novamente a prosperar com o imperador Kangxi, que reinou de 1662 a 1723. "Um século depois que Ricci havia se estabelecido em Pequim, o fundador da missão católica teria todas as razões para se alegrar em seu túmulo: em 1701, a China tinha cerca de 200 mil convertidos e 153 eclesiásticos".

O próprio imperador Kangxi se mostrou particularmente cordial e disponível com relação aos seus conselheiros jesuítas: ele aprendeu com eles o latim, a matemática e a ciência ocidental; fez-se administrar o quinino que lhe permitiu se curar da varíola, doença que matara o seu pai. Mas os missionários continuavam brigando entre si sobre Confúcio, e, em 1705, o imperador, impaciente, proibiu que os seus súditos praticassem o cristianismo. Todos os missionários ocidentais que desejavam permanecer na China deviam jurar sobre os "métodos do padre Ricci" e prometer que nunca mais voltariam para a Europa.

Dominicanos, agostinianos e padres da Sociedade para as Missões Estrangeiras de Paris abandonaram em massa o império, os franciscanos se dividiram, mas grande parte deles voltou, enquanto os jesuítas, com exceção de alguns portugueses, se curvaram ao juramento imposto por Kangxi. Durante oito anos, o édito de 1705 quase nunca foi aplicado. Depois, veio a época das perseguições. Perseguições quase incruentas, no entanto, se comparadas com as perpetradas no Japão dos Tokugawa. Até que se teve um novo trauma, desta vez de Roma.

Em 1773, por decisão de Clemente XIV, dirigido nesse sentido pelas cortes bourbônicas, foi decretado o fim da Companhia de Jesus (que seria revivificada por Pio VII em 1814, 41 anos depois).

Assim que a Companhia renasceu, afirma Po-chia Hsia, os novos missionários jesuítas retomaram os contatos com o império Qing, mas que estava em condições bem mais frágeis, tanto é que foi derrotado pelos ingleses na primeira Guerra do Ópio (1839-1842) e mais tarde pelos ataques conjuntos anglo-franceses na segunda Guerra do Ópio (1858-1860).

Nesse ponto, o regime Qing foi "obrigado" a escancarar as portas aos diplomatas estrangeiros e aos missionários cristãos. E foi graças à proteção diplomática e militar da França que os jesuítas e outros missionários católicos daquele momento em diante se dirigiram para a China com o status de diplomatas e com novos poderes. Uma inversão da lição de Ricci. Aos olhos dos chineses, "os recém-chegados pareciam representantes do poder ocidental e foram considerados um desdobramento da agressão europeia". Ainda mais que os jesuítas tentaram dezenas de processos a fim de exigir as propriedades que lhes haviam sido confiscadas mais de um século antes.

Os missionários protegiam os convertidos cristãos em toda parte, "intervindo nas disputas civis ou nos litígios sobre as propriedades, apelando aos magistrados locais, às vezes aos próprios cônsules, e com o aumento da sua influência crescia o ódio dos chineses contra tudo o que era cristão e ocidental".

Retaliações

A síntese entre confucionismo e cristianismo já era uma coisa distante, e a harmonia entre Oriente e Ocidente, a recordação de algo antigo. A imensa maioria das elites confucianas da época Qing tardia "era firmemente anticristã, para não dizer absolutamente xenófoba". Multiplicavam-se boatos e lendas que muitas vezes tinham origem em "fantasias paranoicas": "Missionários que pagavam pelas conversões, crianças mortas após os batismos, extração dos olhos dos vivos para obter medicinas".

Po-chia Hsia defende que alguns boatos podiam ter algum fundo de verdade: por exemplo, que os religiosos agiam como espiões para os governos estrangeiros, que desacreditavam a cultura chinesa descrevendo-a como supersticiosa e que, mais em geral, não hesitavam em apelar aos seus diplomatas e aos seus soldados para se proteger e pressionar o povo chinês. Daí às "retaliações", foi um pequeno passo.

Em 1870, em Tianjin, uma multidão matou o cônsul francês e, com ele, uma dezena de missionários e convertidos. Em 1899, nas províncias de Shandong e Hebei, houve um forte movimento anticristão. Depois, em 1900, foi a vez dos Boxer, um movimento regional que identificou nos convertidos cristãos e nos missionários estrangeiros os inimigos a serem abatidos. Com a conivência da corte, os Boxers entraram em Pequim e assediaram as legações estrangeiras, junto às quais muitos missionários ocidentais e chineses convertidos haviam encontrado refúgio. Foi necessária uma missão militar de oito países para retirar o cerco e subjugar os Boxers, que, enquanto isso, haviam matado centenas de cristãos, violado cemitérios como o de Zhalan, onde 88 túmulos haviam sido descobertos, e os restos dos corpos de fiéis católicos haviam sido entregues às chamas.

Foi preciso passar décadas antes que o capítulo pudesse ser reaberto. No século XX, houve importantes estudos sobre Ricci e sobre a sua herança. Particularmente, no fim do século. Um livro de Jacques Gernet, Cina e cristianesimo (Ed. Marietti), levantou dúvidas sobre a real integração entre as estruturas de pensamento dos jesuítas e a dos intelectuais chineses. Jonathan Spence, em Il palazzo della memoria di Matteo Ricci (Ed. Adelphi), propôs uma refinada análise da relação entre o grande jesuíta e a Contrarreforma.

Mas Ronnie Po-chia Hsia se remete utilmente a algumas reflexões de Sun Shangyang, contidas em um importante ensaio de 1994 (inédito na Itália) sobre a relação entre cristianismo e confucionismo, para aprofundar a "oportunidade perdida" de um intercâmbio cultural pacífico com o Ocidente, que poderia ter mudado a história da China, da Ásia. E, provavelmente, da humanidade inteira.



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Torcida gospel


Já que existem denominações evangélicas que se comportam como torcida organizada, e torcidas organizadas que se inspiram nas igrejas, que aprendam como fazer (ou não fazer) com o programa do Marcelo Adnet, o Furfles MTV.

Torcida gospel é assim: dá parabéns para o gol do time adversário e se comporta até na hora de desejar mal ao outro, sem esquecer do dízimo, é claro:





Milhões de muçulmanos aguardam o seu messias

O apocalipse é só uma questão de ponto de vista, segundo matéria publicada no IHU:

Mulçumanos aguardam a chegada de Mahdi, o último profeta do Islã

De acordo com uma nova pesquisa pela Pew Resarch, 672 milhões de mulçumanos aguardam a chegada do último profeta do Islã. Para a maioria deles, ele será o último profeta, que governará o mundo e derrotará os inimigos que não servem Alá.

A reportagem é publicada pelo sítio Religión Digital, 17-08-2012. A tradução é do Cepat.

Os resultados confirmam as predições do autor cristão Joel Richardson, que escreveu, em 2009, o livro intitulado “The Middle East Beast” (A Besta do Oriente Médio), o Anticristo islâmico.

Richardson tem alertado aos cristãos sobre isto, porque muitos mulçumanos esperam a vinda de Mahdi, ao que a Bíblia chama de “falso profeta”, que deve acompanhar o Anticristo em seu reinado de sete anos.

Uma pesquisa publicada pelo Istituto Pew Research mostra que no Oriente Médio, África do Norte, Ásia Meridional e Sudeste Asiático, “a metade ou mais dos mulçumanos acreditam que irão viver para ver a chegada de Mahdi”.

Esta expectativa é mais expandida no Afeganistão (83%), Iraque (72%), Tunísia (67%), Turquia (68%) e Malásia (62%). “Em alguns países, com grandes populações sunitas e xiitas, os pontos de vista sobre o retorno de Mahdi são diferentes. No Iraque, por exemplo, os xiitas são mais propensos a esperar a chegada de Mahdi, num futuro próximo, do que os sunitas. No Azerbaijão, a diferença entre os dois grupos também é grande (25 pontos percentuais)”, aponta o relatório.

“Sobre este assunto, as diferenças entre xiitas e sunitas reflete o papel mais importante que o retorno de Mahdi possui para o islã xiita”.

Em resumo, estima-se que 672 milhões de mulçumanos esperam presenciar rápido o retorno de Mahdi. “Agora, pela primeira vez um estudo completo, incluindo dezenas de milhares de mulçumanos, em mais de 23 países, que foram questionados se acreditavam que a vinda de Mahdi era iminente ou ia acontecer em breve. Os resultados demonstram, de maneira concludente, que a advertência chegou há muito tempo”, disse Joel Richardson.

O projeto Pew também demonstra que os mulçumanos acreditam nos anjos, na predestinação, na vida depois da morte, no céu e no inferno. Por outro lado, acreditam que Mahdi virá acompanhado por Jesus, que negará o cristianismo e para mostrar que o Islã é a promessa da lealdade a Deus.



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Católicos da Zâmbia não querem que Constituição do país se declare cristã

Num tempo em que forças religiosas de todas as vertentes se esforçam para quebrar a separação entre Igreja e Estado e - assim - interferir nas leis e políticas públicas de cada país, não deixa de ser surpreendente que os bispos católicos da Zâmbia rejeitem a inclusão oficial do nome "cristão" na Constituição do país africano, majoritariamente católico.

A notícia vem do site católico Fátima Missionária:

Igreja da Zâmbia recusa título cristão na Constituição

Num tema controverso, os bispos católicos deste país africano acham que a referência cristã não deva ser incluída no texto da Constituição. É uma questão de separação entre religião e Estado, num país multi-religioso

Enquanto na Igreja do velho continente se lamenta a não inclusão da referência às suas “raízes hebraico-cristãs” no preâmbulo da Constituição europeia, já abandonada, os bispos da Zâmbia assumem uma posição diferente. “No preâmbulo, a declaração que a Zâmbia é uma nação cristã deve ser omitida”, escreveram os bispos à comissão encarregada de redigir o texto da nova Constituição.

Os prelados explicam a sua posição, afirmando que “um país não pratica os valores e os preceitos do cristianismo através de uma simples declaração”. A Igreja declara que “o princípio da separação entre Estado e religião não se pode perder”. Por conseguinte, afirmar que a Zâmbia é uma “nação cristã” estaria em contradição com o reconhecimento de que “é um país multi-religioso”, princípio este já presente na primeira redação do texto constitucional.

Com uma população maioritariamente católica - mais de 85 por cento - a Zâmbia há anos que se debate com o problema de adotar uma nova Constituição. É já a terceira tentativa de redigir um novo texto fundamental que possa ser aceite por todas as partes. A primeira tentativa remonta a 1996, quando era presidente Frederick Chiluba, ex-comunista convertido aos evangélicos. Já nessa altura, os bispos católicos se opuseram à tentativa de inserir no texto constitucional a referência cristã.



Método prático para separar gema da clara

Confesso a vocês que minha vida mudou depois de ver o vídeo abaixo, e finalmente descobrir como separar a gema da clara num método incrivelmente rápido e fácil.

Vocês não perdem por esperar, suspiros e quindins!






Quando éramos religiosamente canibais

Houve uma época no Brasil em que nossos antepassados aborígenes tinham em alta monta morrer - literal e ritualisticamente - comido pelos inimigos.

Era essa a maior honra que um guerreiro indígena - tupi ou guarani - podia almejar, e lhe assegurava o passaporte para a imortalidade no seu contato carnívoro com o além.

Contato este que - como você pode imaginar - sofreu uma radical conversão de rumo quando chegaram os primeiros portugueses, trazendo consigo a religião cristã e, a seguir, a catequese.

Esse é o "delicioso" tema do livro "Os Vivos e os Mortos na América Portuguesa", de Glória Kok, cuja excelente resenha foi publicada no Jornal UNICAMP e reproduzida no blog História Viva:

A história sobrenatural do Brasil

Livro resgata fatos obscuros do trabalho de cristianização dos índios na América portuguesa

Luiz Sugimoto

Antropofagia, bebedeiras coletivas, poligamia, rituais pagãos, nomadismo, cotidianas guerras tribais. Como conviver com um povo deste? Para os dominadores portugueses do Brasil colônia, era impossível. Daí a decisão de catequizar os indígenas ou, havendo resistência, de escravizá-los ou dizimá-los.

Os vivos e os mortos na América portuguesa – Da antropofagia à água do batismo é um livro de Glória Kok, lançado pela Editora da Unicamp, enfocando os vínculos que índios e jesuítas estabeleceram com o mundo sobrenatural. Formada em filosofia, mestre e doutora em história social pela USP, Glória reuniu testemunhos preciosos sobre a forma como os nativos brasileiros – notadamente os tupis-guaranis – encaravam a morte e o paraíso, as suas práticas xamânicas, o significado de suas guerras, as formas de resistência diante dos colonizadores e das atrocidades de que foram vítimas em nome da cristianização.

A partir do reconhecimento pelo papa de que os índios são seres racionais (em 1537) e da chegada da Companhia de Jesus (em 1549), Glória Kok resgata fatos obscuros da história colonial até hoje pouco divulgados. Esta omissão, de um lado, ajudou a eternizar o preconceito contra ritos ancestrais, pois, por ignorarmos seus significados, nos habituamos a vê-los como manifestação da ignorância dos índios. De outro lado, contribuiu para manter imaculada a história oficial, onde praticamente não se menciona o genocídio de nativos e que somente agora começa a ser revista e recontada aos alunos da rede básica.

Na opinião da pesquisadora da USP, houve nos últimos anos grande produção de teses e livros de historiadores, o que iluminou o tema da colonização da América portuguesa sob diferentes prismas. “Esses textos são gradualmente transpostos, ainda que com filtros, para os livros de ensino fundamental e médio. Assim, os conflitos inerentes ao processo de catequização e à escravidão já se apresentam indissociados da história da colonização em vários livros didáticos e paradidáticos do mercado brasileiro", afirma.

Glória, porém, ressalta que isso não basta. "Na minha opinião, os livros também devem contemplar uma abordagem mais detalhada e dinâmica dos rituais indígenas tupis-guaranis e a leitura que deles fizeram os jesuítas, bem como a que os índios fizeram do mundo cristão, para que os alunos possam entender as disputas simbólicas que estruturam nosso imaginário".

Hoje - Solicitada a avaliar a postura da Igreja de hoje ante os índios, a autora de Os vivos e os mortos lembra que, mesmo na Colônia, os jesuítas reuniram todas as forças para a catequese e, para isso, precisaram flexibilizar os seus próprios procedimentos. Ela crê que este enfoque em relação aos índios mudou, sobretudo a partir dos anos 70, com o surgimento da Teologia da Libertação na América Latina, quando a Igreja passou a se colocar ao lado dos oprimidos. "Não sou uma especialista na matéria, mas nota-se que, por um lado, a Igreja desenvolveu um padrão bem mais tolerante com relação às culturas diferentes e ancestrais e, por outro, muitos povos indígenas aguçaram a consciência da necessidade de preservação das tradições tribais e das diferentes culturas, organizando movimentos de resistência".

Os mortos em desassossego

Segue uma reprodução (praticamente literal) de alguns tópicos do Capítulo 1 de Os vivos e os mortos na América portuguesa – Da antropofagia à água do batismo. O capítulo leva o título acima e este resumo, obviamente, não reflete a riqueza de detalhes com que Glória Kok resgata as relações dos indígenas com o mundo sobrenatural:

*Por ocasião da chegada dos europeus à América portuguesa, os Tupi viviam na orla atlântica do Amazonas até Cananéia e na região da bacia amazônica, enquanto os Guarani distribuíam-se pelo litoral de Cananéia ao Rio Grande do Sul, infiltrando-se nas margens dos rios Paraná, Uruguai e Paraguai. Esta ocupação dos tupi-guarani era interrompida apenas em alguns pontos do litoral: na foz do Rio Paraíba pelos Goitacá, pelos Aimoré no sul da Bahia e norte do Espírito Santo, e pelos Tremembé na faixa entre Ceará e Maranhão. Esses povos não-Tupi eram chamados de tapuias.

*As guerras entre tribos indígenas, mesmo de mesma língua, fervilhavam por todo o território. O motivo desses conflitos era um só: eles queriam vingar a morte dos seus pais antepassados. Para os europeus, essas guerras não tinham o menor sentido, já que não visavam nem a expandir o território, nem enriquecer, nem dominar, explorar ou aniquilar o inimigo. Muitas vezes, um grande contingente de homens era mobilizado para incursões guerreiras, cujo resultado era a captura de um único prisioneiro, que depois seria comido ritualmente pela tribo.

*Na aldeia vitoriosa, o índio capturado era recebido com muita alegria e entusiasmo. Era pouco vigiado, pois se fugisse seria considerado um covarde em sua terra e acabaria passando a vergonha de ser morto pelos índios de sua própria tribo. A morte pelo inimigo era a ideal, almejada por todos: a consagração do guerreiro. Não se encontrava prisioneiro que não preferisse ser morto e comido a pedir perdão.

*Para os covardes e os homens que nunca mataram um inimigo, o destino lhes reservava a mortalidade da alma, o apodrecimento do corpo, a transformação em uma existência espectral, que não conservava nada mais de humano. Aos guerreiros valorosos, que aprisionaram e mataram muitos inimigos, ou ainda às mulheres dedicadas ao preparo da carne dos prisioneiros e à sua ingestão, era permitido o ingresso a essa vida ideal coroada pelo convívio com os antepassados, deuses e heróis-civilizadores.

*É lícito afirmar que os índios acreditavam na realidade de uma substância para além do corpo físico, a que os europeus atribuíram o nome de alma. Mas a alma índia não envolvia a idéia de desmaterialização absoluta. Tampouco suprimia todas as ligações entre a "alma" e os restos mortais ou a desvencilhava das primitivas necessidades. Nessa ótica, a morte representava uma fenda na pessoa, a partir da qual o corpo e a alma submetiam-se a intensos processos de transformação.

*Contrapondo-se à vítima do terreiro que não demonstrava o menor vacilo ante o golpe de tacape, ciente de que seu corpo posteriormente seria consumido pelos inimigos, o índio que era acometido por alguma doença e percebia a proximidade da morte vivia trespassado pelo medo. Pode-se deduzir que o medo era, em grande parte, oriundo da decomposição física. "(...) dizem que é triste cousa morrer, e ser fedorento e comido pelos bichos".

*O curso das relações entre os vivos e os mortos nas tribos tupis-guaranis alterou-se substancialmente com a chegada dos jesuítas que, ao trazerem um outro modelo de sobrenatural, desfiguraram e esgarçaram o vínculo existente entre os vivos e os mortos. No entanto, antes de implantá-lo, trataram, sobretudo, de minar a resistência indígena que se manifestaria em várias regiões e de formas variadas.

SERVIÇO
Os vivos e os mortos na América portuguesa - Da antropofagia à água do batismo
Glória Kok
Editora da Unicamp
Campinas, 2001
183 páginas




domingo, 26 de agosto de 2012

Jumentos já tem wi-fi em Israel

Pois é, nesses tempos bicudos em que alguns iluminados fazem as suas profetadas pra lá de esquisitas, você fica aí achando que a jumentinha de Balaão era só uma lenda, né?

Afinal, se até mendigo está virando poste humano de wi-fi, por que não jumentos? 

A notícia foi inicialmente repercutida no Brasil pelo Gizmodo e o UOL Tecnologia disponibilizou um álbum com fotos dos bichos antenados:

Agora até jumentos têm Wi-Fi

Seu laptop tem Wi-Fi. Seu celular tem Wi-Fi. Sua câmera tem Wi-Fi. E se você quiser andar de jumento e precisar de Wi-Fi? Sem problemas: esse antigo meio de transporte agora faz parte do século XXI.

É uma história um pouco bizarra, vinda do Times of Israel. Um parque temático no país mostra como era a vida há 2.000 anos, incluindo passeios de burro – que ganharam uma novidade:

Para permitir aos visitantes enviar fotos e e-mails sobre sua experiência em tempo real, o administrador do parque, Menachem Goldberg, decidiu oferecer internet sem fio nos jumentos.

Cinco jumentos viraram hotspots Wi-Fi ambulantes, fornecendo acesso online aos visitantes. O parque tenta reproduzir a vida na Galileia dos séculos I e II, com roupas da época, edifícios rústicos e… burros conectados à internet.

O parque Kfar Kedem planeja expandir o projeto para mais 25 jumentos. Se você for até lá, cuidado para não ser atropelado por um burro montado em outro, instagramando alguma foto em vez de prestar atenção no caminho.



sábado, 25 de agosto de 2012

Turquia seria a nave-mãe das línguas indo-europeias


Reinaldo José Lopes, editor de Ciência da Folha de S. Paulo, na edição de ontem, 24/08/12. trouxe dois excelentes artigos sobre a origem das línguas indo-europeias (entre as quais está o nosso amado idioma português), conforme você pode ler abaixo:


A saga do mais importante grupo de línguas do mundo, com quase 3 bilhões de falantes nativos, começou há 9.000 anos, na atual Turquia, e está ligada às origens da agricultura.

Em última instância, portanto, seria graças à descoberta de como cultivar trigo e cevada que os brasileiros falam português e os americanos falam inglês.

A conclusão está em uma pesquisa publicada hoje na revista especializada "Science" e que almeja colocar um ponto final no debate sobre a origem das chamadas línguas indo-europeias.

A afirmação pode soar estranha à primeira vista, mas há boas razões para achar que esse grupo imenso de idiomas, que coloca no mesmo balaio o grego, o alemão, o russo e as principais línguas do Irã e da Índia, descende de um ancestral comum.

A prova disso é o vocabulário básico de todas elas --como as palavras usadas para designar parentes próximos, partes do corpo, numerais e os pronomes pessoais.

Apesar das diferenças, elas conservam um "núcleo" comum de som e significado, e as mudanças que ocorrem de um grupo de línguas para outro não são aleatórias: seguem "leis" estabelecidas.

Um exemplo é a transformação do "p" em "f" nas línguas germânicas, como o inglês. É por isso que "peixe" e "pé" viram "fish" e "foot" no idioma de Shakespeare.

O diabo era saber quando e como o ancestral dessas línguas todas começou sua carreira de sucesso.

A equipe de cientistas liderados por Quentin Atkinson, da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, resolveu responder à questão "emprestando" um método normalmente usado para estudar a evolução e propagação de vírus como o da gripe.

Grosso modo, o método compara as "letras" químicas do DNA de vários tipos de vírus para saber qual está mais próximo do ancestral comum de todos eles e, a partir disso, monta uma árvore genealógica dos parasitas usando estratégias sofisticadas de estatística.

A mesma coisa, raciocinaram Atkinson e companhia, pode valer para línguas -desde que, em vez de mutações no código genético, sejam avaliadas "mutações" no som das palavras.

Também foram incorporados elementos geográficos --com base na distribuição histórica e atual das línguas, o método calculava qual o trajeto de expansão mais provável para elas.

O resultado, em vários tipos de simulação, apontou a Turquia, há 9.000 anos, como o lugar e o tempo de origem do tronco indo-europeu. O método foi testado só para as línguas latinas, grupo do português, e deu indícios de ser confiável: mostrava o centro da Itália (onde está Roma, berço do latim) como fonte da nossa família de idiomas.




Uma hipótese que esteve em voga por décadas dizia que os primeiros indo-europeus estariam associados à domesticação do cavalo e ao aparecimento de túmulos conhecidos como "kurgans" há 6.000 anos, na atual Ucrânia.

O cavalo, espécie de tanque de guerra pré-histórico, teria permitido ao povo dos "kurgans" dominar vastas áreas, legando a língua a seus descendentes e às tribos conquistadas.

Nos últimos tempos, vinha ganhando força a hipótese da origem mais antiga, na Turquia.

As línguas indo-europeias mais primitivas, como o hitita, eram faladas por lá. Também se sabe que povos que dominam a agricultura têm vantagem sobre os demais porque "produzem" mais gente.

Estudos em esqueletos pré-históricos mostram que o DNA dos primeiros europeus agricultores (nos Bálcãs) têm grande contribuição do Oriente Médio.

Mas ninguém consegue provar que língua um esqueleto de 9.000 anos falava --não havia escrita.

Jared Diamond, autor do livro "Armas, Germes e Aço", no qual defende que o avanço da agricultura ajudou a forjar as línguas dominantes, diz que a hipótese dos "kurgans" ainda é a mais aceita pelos linguistas. "Mas, se eu fosse reescrever meus livros hoje, daria mais espaço para a hipótese dos agricultores no caso do indo-europeu."




Seria de bom tom, portanto, que os eurocéticos revissem sua posição de considerar a entrada da Turquia na União Europeia como um cavalo de Troia...





sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Tem um elefante na piscina

Já pensou se o mastodonte resolve dar uma "bomba" na piscina?





Seita budista diz que Steve Jobs virou um deus


Exatamente um ano atrás, Steve Jobs deixou seu cargo de presidente da Apple, já na etapa final da enfermidade que o levaria à morte no dia 5 de outubro de 2011.

Os applemaníacos que passaram a adorá-lo como um deus tiveram uma ótima notícia do panteão divino nesta semana, que vem da Tailândia e foi repercutida no Brasil pelo Terra:

Steve Jobs reencarnou como um ente divino, diz seita budista

Um movimento budista tailandês afirmou que o falecido fundador da Apple, Steve Jobs, reencarnou como uma divindade de médio porte em um universo paralelo. O abade de um templo em Bangkok fez um sermão sobre a jornada do americano no pós-vida, de acordo com um jornal local.

A declaração do religioso tailandês foi dada em resposta ao pedido de Tony Tseung, budista e engenheiro sênior da sede da Apple em Cupertino. O autor da afirmação é Phra Thepyanmahamuni, abade do templo de Wat Phra Dhammakaya. O funcionário da Apple teria perguntado se ele sabia onde - e como - estava Jobs, que morreu aos 56 anos, vítima de um câncer no pâncreas que vinha tratando desde 2003.

"Depois que o sr. Steve Jobs partiu, ele reencarnou como um ente divino (...) sua reencarnação é uma 'Thepphabhut Phumadeva' (divindade) de médio porte - metade Witthayathorn, metade yak - que vive em um universo paralelo não muito longe de onde ele estava como um humano", disse o budista.

Jobs era adepto do zen budismo e quase foi para um monastério para se tornar monge. Ele se casou com Laurene Powell em 1991 em um templo budista. De acordo com o Asian Correspondent, o abade descreveu o espaço em que Steve Jobs estaria vivendo, bem como seus vizinhos e o modo como ele passaria seus dias - tudo revelado através da prática de meditação.

"Sobre o alojamento desse novo ente divino: é um local muito limpo, simples e de médio porte, com seis andares de altura, construída com metal prateado e cristais em grandes quantidades. (...) Ele tem cerca de 20 servos celestiais a seu serviço, que vêm do karma obtido por sua natureza caridosa como humano ao doar dinheiro, objetos e conhecimento para a sociedade", teria afirmado Phra Thepyanmahamuni.

O movimento Dhammakaya, que opinou sobre a pós-vida de Steve Jobs, tem sido alvo de suspeitas por concentrar seus esforços na captação de recursos e ligações políticas com membros da família real tailandesa, segundo um livro intitulado "Novos Movimentos Budistas na Tailândia". O Bangkok Post noticiou que o grupo acumula controvérsias devido a seu envolvimento com doações de campanha no país e alegações de milagres.

Com informações do Huffington Post.




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