domingo, 24 de outubro de 2010

O mercado da fé

O jornal Valor Econômico publicou na última sexta-feira, 22/10/10, um longo e aprofundado artigo sobre o crescimento evangélico no Brasil, analisando sua repercussão na atual campanha eleitoral, mas sem se concentrar nela especificamente. A maior parte do artigo pode ser lida no site do Senado Federal, e eu destaco aqui o final, que foi o que mais me interessou por sua análise econômica do fenômeno religioso da migração entre as diferentes denominações, e como o discurso da teologia da prosperidade interfere nesse processo:

Teologia da prosperidade

Por outro lado, as igrejas neopentecostais investem na chamada "teologia da prosperidade", que valoriza o sucesso pessoal e profissional. Voltada majoritariamente para a classe C, essa estratégia foca problemas típicos de uma classe média ascendente: emprego, posse de bens, entretenimento. O crescimento dessas denominações, segundo Jacob, é mais heterogêneo e se apoia fortemente sobre o poder midiático que advém da posse de emissoras de rádio e redes de televisão. A circulação de fiéis entre as diversas denominações é mais forte nessa categoria evangélica.

O fenômeno de migração interna entre as denominações evangélicas leva muitos sociólogos da religião a abordar a religiosidade contemporânea por meio de um vocabulário microeconômico. Segundo essa perspectiva, a preferência religiosa decorre de escolhas racionais e as diferentes igrejas agem estrategicamente como empresas para atrair fiéis e os manter, numa relação típica de consumo. O que uma igreja oferece são bens simbólicos, uma espécie de "produto" que satisfaz necessidades humanas mais profundas do que o bem-estar material. Isto é, dão consolo, sentido para a vida, esperança, conforto, um norte moral.

"Com a República, institui-se a liberdade religiosa, a separação da igreja e do Estado. Considerando o funcionamento das igrejas como empresas, vemos como elas têm a liberdade de divulgar suas doutrinas e disputar fiéis umas com as outras. Ou seja, a liberdade religiosa vira livre concorrência", diz Pierucci. "O Estado não regula mais esse campo. Se regulasse, seria um monopólio, como era antigamente e continua sendo na maior parte das repúblicas islâmicas. Não tendo mais monopólio, a concorrência dá certo. Nenhuma igreja é contra o Estado laico, porque ele lhes dá liberdade de crescer."

A abordagem microeconômica das religiões esclarece o crescimento do chamado "mercado da fé". Fenômenos como música gospel, pastores televisivos e a fragmentação das denominações religiosas (cujo número é incerto, mas estima-se que já passe da centena) figuram como exemplo da necessidade de talhar um produto espiritual para suprir a demanda de fiéis que têm preferências díspares. Não por acaso, as igrejas neopentecostais são as mais preparadas para "competir" nesse mercado e tiveram um crescimento considerável nas últimas décadas. "Ao contrário de muitas outras igrejas, não fazemos propaganda nem divulgação", afirma Luiz Fernandes, que frequenta a Congregação Cristã do Brasil. "Nossos fiéis são sempre trazidos por outros fiéis. A gente nem gosta de sair em fotos."

Embora exista uma ligação entre a expansão das igrejas evangélicas e a ascensão social de grupos que costumavam pertencer às classes menos favorecidas da sociedade brasileira, os pesquisadores negam que haja relação estrita, atualmente, entre um modo de vida econômico e uma escolha religiosa precisa. Embora a ideia tenha sido apontada por Max Weber, ao escrever sobre o desenvolvimento do capitalismo europeu no século XVI, esse raciocínio dificilmente poderia ser transposto para as condições atuais. "As religiões novas têm características muito diferentes do protestantismo histórico. A experiência religiosa mais importante para o pentecostal é um êxtase recebido do Espírito Santo. O protestantismo das origens era voltado para a ação, ficava no campo da conduta. A experiência religiosa era a experiência profissional. Trabalhar era cumprir a vontade de Deus", afirma Pierucci.

A maioria dos pesquisadores considera que a curva de crescimento das igrejas pentecostais no Brasil deve ter sofrido uma inflexão. Assim, nas próximas décadas, é provável que a proporção de evangélicos se estabilize no país em torno de 25%.

Estudo realizado em 2007 pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, estimou uma estabilização na proporção de católicos no país, embora a porcentagem de evangélicos tenha continuado a crescer. Para o economista, a melhora da vida econômica das populações mais pobres, sobretudo no Nordeste, estancou nas pessoas a busca por novas religiões, além de reverter o processo migratório que vigiu no Brasil durante a maior parte do último século.

Outros argumentos também são evocados para sustentar a hipótese de uma acomodação na distribuição de fiéis entre as igrejas. Segundo Pierucci, existe um teto para a quantidade de católicos que podem se dispor a mudar de religião. Para o sociólogo, o brasileiro tampouco é tão disposto a fazer parte de religiões que exigem fé exclusiva. Com isso, o catolicismo se torna mais confortável, por não tomar medidas enérgicas contra o sincretismo e o flerte com outras religiões. "Se você for evangélico, não pode ser espírita. O católico, de forma extraoficial, pode continuar indo a centro espírita, umbanda e por aí vai. A Igreja Católica não aprova, claro, mas também não interfere muito, como fez o confucionismo dos mandarins com o taoísmo, na China. Conheço pessoas que são muito espíritas e ao mesmo tempo muito católicas. Isso, no pentecostalismo, não pode", diz. Por esse raciocínio, a sobrevivência do catolicismo como religião dominante no Brasil viria de seu caráter mais maleável.

Um comentário:

  1. Sou membro da Congregação Cristã e não tenho medo de afirmar que estamos vacinados quanto aos modismos diversos que tem se alastrado em diversas instituições que de forma descalabra tem explorado a fé dos incautos em detrimento de apresentar-lhes o verdadeiro pão da vida que resulta na recepção da graça de DEUS por parte do homem pecador.

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