quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A banalização do mal



Os recentes episódios envolvendo declarações xenófobas e racistas de jovens decepcionados com o resultado das últimas eleições presidenciais acende o sinal amarelo para que todas as pessoas de bem, independentemente de coloração partidária, façam a sua parte na pregação da tolerância e do respeito à convivência democrática entre os diferentes setores da sociedade brasileira. O preconceito é - lamentavelmente - uma característica inerente à condição humana, sublimada, civilizadamente reprimida ou controlada na imensa maioria dos casos, mas é uma besta-fera que sempre está à espreita esperando o momento certo de atacar. Por isso, é importante relembrar como a população alemã foi enredada na barbárie nazista. Pessoas comuns foram sendo transformadas em monstros, muitas vezes sem se darem conta da suprema maldade em que imergiam. O mal era visto como algo banal. A revista Aventuras na História traz uma entrevista de Ian Kershaw, considerado o maior biógrafo de Adolf Hitler, em que ele diz que Hitler teve seu trabalho facilitado pelo silêncio dos cidadãos comuns, que se preocuparam mais com seus próprios umbigos do que com o que estava acontecendo à sua volta. Nas palavras de Kershaw, eles "viraram as costas para o diabo". Confira um trecho da entrevista reproduzida no blog História Viva:

Qual a relação entre o antissemitismo da população em geral e o do Partido Nazista?

Havia na Alemanha um antissemitismo latente muito difundido. Muitas pessoas achavam que os judeus eram poderosos demais, controlavam a economia e a mídia de massa. Mas elas não eram propensas a se engajar em ações violentas contra os judeus. Hitler era o mais radical dos radicais em termos de antissemitismo. Com o tempo, mais e mais pessoas foram absorvidas pelo Partido Nazista, que era determinado por essa necessidade patológica de expulsar os judeus. Mais as pessoas aderiam ao partido, mais estavam expostas a isso. E assim o antissemitismo dos radicais do partido se estendeu à burocracia de Estado, sem ter penetrado da mesma maneira no povo em sua maioria.

Quais foram os limites da penetração ideológica nazista?

A propaganda foi bem-sucedida na criação do mito do Führer como um grande líder carismático. Também foi importante para explorar o sentimento nacionalista dos alemães e na intensificação do ódio aos judeus. Mas, em outras áreas do dia a dia, a propaganda nazista não foi tão bem-sucedida. As pessoas se preocupavam mais com os problemas do cotidiano.

Uma das frases do senhor é constantemente citada: "A estrada para Auschwitz foi construída com ódio, mas pavimentada pela indiferença". Qual seu significado?

Quis dizer que a dinâmica das forças dirigentes que conduziram a Auschwitz foi provida por esse ódio patológico imbuído em Hitler. Mas, para muitas das pessoas comuns, os problemas de todo dia predominavam. É uma atitude de fechar os olhos, virar as costas para o diabo. A dinâmica do ódio da minoria obteve sucesso porque a maioria não se importava.

O senhor já disse que, se vivesse na Alemanha nazista, poderia estar tão confuso como o povo na época.

Situações e circunstâncias mudam indivíduos. Pessoas que fizeram coisas horríveis na era nazista eram antes perfeitamente comuns. Claro, todos gostaríamos de pensar que seríamos antinazistas. Mas a verdade é que a maioria de nós iria transigir com o regime. Ao se ajustar, você é cada vez mais sugado, e talvez vá acabar no Exército ou em alguma organização, onde fará coisas que, no sentido moral, serão aberrantes.

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