terça-feira, 12 de abril de 2011

Sobre referendos e cidadãos desarmados

Sinto-me autorizado a comentar de maneira razoavelmente isenta a proposta de novo referendo para a proibição (ou não) do comércio de armas no Brasil. Votei pela proibição no referendo de 2005 e manterei esta posição se houver nova consulta popular quanto ao Estatuto do Desarmamento. Entretanto, aquela era uma ocasião em que o referendo se justificava, e a resposta do povo foi uma contundente liberação das armas no país, ainda que contrariamente à minha vontade. Se o povo votou mal ou não, faz parte do jogo democrático e não há o que questionar. Se houve uma deliberada manipulação da pergunta proposta no referendo ou se a grande imprensa tomou partido da liberação das armas apenas para se contrapor a seu eterno inimigo Lula, também não vem ao caso. O jogo foi limpo, o resultado foi claro, e não dá pra fazer democracia direta com 200 milhões de pessoas todo ano. A questão, a meu ver, é de fundo: nossas autoridades constituídas não só não funcionam como não estão nem um pouco preocupadas por não funcionarem. Lembro-me, por exemplo, de estar subindo de carro a Rua Augusta em São Paulo numa tarde quente de um dezembro qualquer alguns anos atrás, trânsito parado, vidros abertos, e um policial que estava muito próximo, na calçada, se inclinou na janela e me disse para tomar cuidado com o celular que estava no banco do passageiro, porque - novidade! – havia muitos furtos na região. Apenas por gentileza agradeci o aviso, porque não adiantava argumentar com ele aquilo que eu já pensava muito antes de sua abordagem: ele está sendo pago para me dar proteção e garantir que a população não corra sequer o risco de ser assaltada.

Esta é apenas a base da pirâmide de autoridades governamentais e funcionários públicos que se esquecem – convenientemente - de que são pagos para garantir um mínimo aceitável de segurança à população. No entanto, comportam-se (quase) todos como se estivessem apenas nos fazendo um favor, já que – para muitos deles – o único compromisso com que se preocupam é o salário no fim do mês. Se fosse só o salário, até que seria ótimo, mas outros, infelizmente, se valem de sua posição de autoridade para obter outro tipo de benesses, geralmente impublicáveis e – lamentavelmente – impuníveis. Toda vez que há uma comoção nacional como a que estamos momentaneamente atravessando por causa do massacre da escola de Realengo, promessas são feitas e atitudes paliativas são tomadas, sem que haja uma real preocupação em atacar o cerne do problema, que é o improviso sistemático e o desinteresse em políticas públicas estruturais que deem conta do problema da segurança no país. Gestos provocados por uma indignação fingida (como se a culpa fosse nossa por sermos roubados e massacrados), mas que não costumam durar até o fim da estação (já que rotineiramente nos adaptamos aos níveis estratosféricos de violência e impunidade), e que são sempre retomados na próxima ceifa de vidas e esperanças inocentes. Nem percebem que o discurso de “desarmar os espíritos” se torna risível diante do espírito da lei que favorece descaradamente a impunidade, transferindo-nos os ônus de nos defendermos por nós mesmos, enquanto eles recebem os bônus mensais e ocasionais mesmo que – hipocritamente – não tenham feito nada para merecê-lo.

Eu gostaria, de verdade, que as armas fossem proibidas ao cidadão comum. Nunca entendi (nem experimentei) a razão que leva um cidadão a ter armas em casa ou a portá-las na rua. É algo inconcebível à minha ingenuidade civil. Entretanto, sei que, diante da conjuntura atual, tanto faz se o comércio delas for proibido ou liberado, ou se nos submetam diariamente a referendo ou plebiscito. As pessoas de má índole e mau caráter continuarão comprando-as livremente no mercado negro e cobrando insaciavelmente o nosso tributo de sangue, porque, a exemplo do policial a que me referi acima, as autoridades constituídas não vão coibir ou reprimir o seu comércio, apenas chegarão pela janela da TV de nossas salas e nos perguntarão se trancamos a porta. Como se a consciência deles não pesasse tanto e suas mãos estivessem menos sujas do nosso sangue por causa deste inútil aviso.

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