A matéria é da BBC Brasil:
Desenganado aos 17, britânico vive todo dia como se fosse o último há 25 anos
O britânico Tim Wotton foi informado pelos médicos que não viveria além dos 17 anos de idade por causa de uma fibrose cística. Mas isso foi há 25 anos. Hoje, aos 43, ele segue vivo e encara cada novo dia como se fosse seu último:
"Cada hora de cada dia é importante para mim, já que nunca sei quando meu tempo acabará. Ter fibrose cística é o que me faz ter sede de viver.
Pela manhã, me visto como se cada dia fosse meu último na Terra e nunca deixo minhas roupas favoritas no guarda-roupa à espera de uma ocasião especial para usá-las.
Não vejo necessidade de me ater às pequenas coisas sobre as quais fofocam no escritório.
Em vez disso, separo um tempo diariamente para apreciar algo como um pôr do sol ou uma paisagem. Todo dia deve ser pontuado por momentos especiais.
Fico feliz quando tenho um final de semana. Acredito que, quando a semana de trabalho acaba, temos sete "janelas de oportunidades" para aproveitar: a sexta-feira à noite, a manhã, tarde e noite de sábado, e a manhã, tarde e noite de domingo.
Na maior parte de minha vida adulta, ficava feliz quando conseguia fazer algum tipo de atividade - esporte, almoço, jantar, ir às compras ou cinema, ficar com a família ou ir à uma festa - nestes períodos. Isso me dava a sensação de que estava aproveitando cada momento.
Este estilo de vida intenso marcou o fim da minha adolescência, meu tempo na universidade e tudo mais que veio em seguida, porque era motivado pela possibilidade de morrer jovem.
Outras prioridades
Hoje em dia, tenho outras prioridades, mas ainda tiro proveito destas janelas de oportunidade a cada dia para passar algum tempo em família, socializar e trabalhar como consultor, sem me esquecer dos exercícios físicos - hockey aos sábados e ir à academia à noite -, que são vitais para mim.
A fibrose cística é uma das doenças hereditárias fatais mais comuns do Reino Unido. A cada semana, cinco bebês nascem com esta condição, mas também três vidas jovens são perdidas por causa dela.
Ela afeta os órgãos internos, especialmente os pulmões e o sistema digestivo, ao entupí-los com um muco grudento, o que torna mais difícil respirar e digerir alimentos. Atualmente, não há cura.
Minha mulher, Katie, e meu filho, Felix, de 7 anos, me dão a motivação necessária para me manter por cima nesta luta pela sobrevivência.
Katie é enfermeira e entendeu minhas necessidades médicas desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Ela nunca se deixou afetar pelos efeitos da fibrose cística em mim.
Frequentemente, tenho uma tosse tão forte e tão duradoura que tenho espasmos e vomito - muitas vezes, quando estou me preparando para ir trabalhar.
A tosse pode durar mais de uma hora, e isso é exaustivo. Minha mulher me ajuda bastante e a aprecia meu gosto pela vida, mas me lembra que preciso pegar leve.
Felix cresceu com uma parafernália médica ao redor dele e se acostumou a me ver usando um nebulizador e a tomar meus 40 comprimidos diários, que ele chama de "balas do papai".
Estou com os dois o máximo possível. Ensino Felix a jogar hockey e me levanto cedo aos sábados para cuidar dele. Saímos juntos em família. Levo Katie para jantar.
Solidão
Ao mesmo tempo, passo de duas a três horas em tratamento por dia para impedir o avanço da fibrose cística, além de ir ao médico e ao hospital regularmente.
Minha saúde depende desse tratamento, então, prefiro encará-lo como uma forma de me dar vida, em vez de perda de tempo.
Um efeito cruel da fibrose cística é a solidão, já que recomendam que pacientes não tenham contatos uns com os outros para que não haja uma infecção cruzada (pessoas diferentes podem ter bactérias diferentes). Isso significa que não podemos socializar entre nós facilmente nem apoiar uns aos outros.
Esta segregação de pacientes foi imposta em clínicas de tratamento para fibrose cística há quatro anos. Desde então, não posso mais ficar de papo com outros pacientes na sala de espera. Também não pude me encontrar com meu padrinho para a fibrose cística, Chris, em todo esse tempo. Só conversamos por email.
Apesar de podermos usar as redes sociais, é uma pena que pacientes com fibrose cística não possam se encontrar e jogar conversa fora. Ao não conseguir ver a linguagem corporal do outro, perdemos uma das mais poderosas formas de comunicação.
Por mais que odeie minha batalha diária por minha saúde, isso me deu uma perspectiva sobre a vida que muita gente pode nunca chegar a ter ou que só terá quando estiver no fim da vida.
Pessoas com condições fatais tem uma habilidade especial em não apenas identificar, mas também apreciar momentos mágicos, já que eles ficam óbvios em meio às dificuldades do dia a dia.
É libertador encarar cada dia como se ele fosse meu último dia na Terra."