terça-feira, 14 de setembro de 2010

Placebo gospel

Numa simplificação assumidamente insuficiente, “placebo” é um “remédio” que, na verdade, não é remédio, mas uma espécie de simulação de medicamento que, quando administrada a um paciente, faz com que ele apresente certos resultados fisiológicos decorrentes da, digamos, “sensação” de que está sendo devidamente tratado da doença que o acomete. Um placebo seria, por exemplo, uma pílula de farinha que faria as vezes de um analgésico ou antidepressivo, o que geraria no paciente que sofre de dor ou depressão um certo alívio nos seus sintomas em virtude dele acreditar que aquela pílula inócua e inútil teria o condão de realmente atacar e curar a sua enfermidade. Em termos metodológicos, o placebo é frequentemente utilizado para se medir a eficácia de um novo medicamento em testes controlados, em que parte das pessoas que o testam são tratadas com placebo e outras com o medicamento que está sendo pesquisado. O controle em questão é feito mediante protocolos reconhecidos por outros pesquisadores e instituições científicas. Na outra ponta dessa metodologia estão as críticas que se fazem a terapias alternativas, sem comprovação científica, às quais se atribuem o efeito placebo quando ocorre alguma melhora da condição do paciente.

Dito isto, a analogia que proponho é em relação ao tipo de evangelho que, com o perdão da palavra, está sendo “servido” hoje ao povo brasileiro. Se bem que, muitas vezes, parece que o correto seria dizer que está sendo “testado”. No que tange ao “antigo” evangelho decorrente da mensagem da cruz de Cristo, parece que esta simples e pura boa nova, experimentada, acolhida e – principalmente - vivida por gerações ao longo dos milênios em todos os rincões do mundo, já não é mais suficiente para os brasileiros do século XXI. Estes preferem uma espécie de “placebo gospel” embalado numa mensagem açucarada que não ataca nem cura o âmago do ser humano, mas as suas necessidades imediatas e – muitas vezes – supérfluas de bens, autoafirmação e consumo, fornecendo-lhe doses cavalares de pílulas de autoengano que lhes permitam enfrentar a dureza da vida.

Não por acaso, segundo o dicionário Houaiss, a palavra “placebo” vem do latim placebo, que significa “eu agradarei”, 1ª pessoa singular do futuro do indicativo do verbo placére (“ser do agrado, agradar, aprazer”). Uma espécie de balinha doce para agradar paladares e estômagos menos exigentes, mas inservível para alimentar, e que, infelizmente, está sendo oferecida de muitos púlpitos espalhados pelas igrejas evangélicas no Brasil. Alívios momentâneos para o cansaço e o pecado mediante refrões e discursos pré-fabricados, mas que não transformam vidas nem salvam almas, já que a cruz de Cristo é esquecida ou sublimada. Não por acaso, Paulo já advertia quanto aqueles “que são inimigos da cruz de Cristo; cujo fim é a perdição; cujo deus é o ventre; e cuja glória assenta no que é vergonhoso; os quais só cuidam das coisas terrenas” (Fil 3:18-19).

Este placebo que emana dos púlpitos não só engana sua audiência como tece uma rede de conformismo e autoemulação coletiva entre pastores e líderes de outras tantas igrejas evangélicas, que abandonam o seu senso crítico em troca de “unções” e conchavos suspeitos. Enquanto na metodologia científica, tanto o placebo como o remédio verdadeiro são averiguados e checados pela comunidade de pesquisadores, na “metodologia” religiosa, os placebos são aceitos como verdades insofismáveis, as quais não é lícito a ninguém o simples questionar. Tudo é engolido a seco sem qualquer critério, e líderes se juntam a outros líderes com base apenas no título que ostentam e na denominação que representam, como se o simples fato de se autoafirmarem “evangélicos” fosse suficiente para autorizá-los a se confraternizarem em convescotes e banquetes da vaidade, em que o Espírito Santo é barrado na porta.

Isto me lembra da homeopatia, que é frequentemente atacada pela comunidade científica como um exemplo de placebo. Sem entrar nesta questão específica, numa definição também reconhecidamente rasa, a grande característica da homeopatia é a diluição sucessiva de uma determinada substância até se atingir determinada potência do seu princípio ativo. Parece que é este o fenômeno que tem atacado a mensagem do evangelho no Brasil. A cruz de Cristo vai sendo sucessivamente diluída em tantos rituais e discursos inúteis que, ao contrário do que reza a teoria homeopática, termina perdendo todo o seu potencial de transformação do ser humano.

Atitude um pouco diferente têm os católicos devotos de Frei Galvão. As suas “pílulas” são uma espécie de placebo ao qual se atribuem milagres. Pelo menos, ao distribuí-las, as freiras do mosteiro da Luz não escondem de ninguém de que se trata apenas de palavras microscópicas enroladas num papel minúsculo.

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