terça-feira, 27 de setembro de 2011

Pastor quer manter zona de prostituição aberta na Bahia

A notícia é daquelas que seguem o figurino tragicômico. No ringue, dois evangélicos duelam pelo prêmio, que é o destino da zona de prostituição em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, popularmente conhecida como "os bregas". De um lado, o delegado evangélico que quer fechar o meretrício para combater a insegurança. Do outro, o pastor que acabou de fundar uma Igreja do Evangelho Quadrangular perto do brega da Cabeluda, que advoga por manter a zona aberta porque "o evangelho deve ser pregado onde o pecado está", um argumento - cá entre nós - forte e bíblico. No meio do tiroteio gospel estão as prostitutas, temerosas do seu destino, como ele já não fosse por si só difícil de encarar. A notícia é do Correio da Bahia numa reportagem muito bem escrita (coisa rara hoje em dia) por Jorge Gauthier, no melhor estilo do já antigo e esquecido "novo jornalismo" de Gay Talese ("Gay" é o nome dele, gente!), que vale a pena ler de cabo a rabo:

Polícia quer fechar tradicional rua de prostituição do Recôncavo baiano

A caça à Rua do Brega

Jorge Gauthier | Redação CORREIO
jorge.souza@redebahia.com.br

As paredes, mesmo sujas e com infiltração, guardam suas histórias. A cerveja, mesmo servida em copos engordurados, está sempre gelada. As mulheres, mesmo com os corpos castigados pela ação do tempo, exibem curvas que atiçam a imaginação masculina. Nas vitrolas, serestas e arrochas embalam os corpos nas camas, mesmo que velhas e sebosas. Mas a libertinagem da Rua do Brega, em Cachoeira, no Recôncavo baiano, mesmo tendo surgido há mais de 150 anos, está perto do fim.

Se depender do delegado da cidade, Laurindo Neto, evangélico, as três casas da rua onde funcionam os prostíbulos serão fechadas nos próximos meses. Segundo ele, não é por moralismo, mas por insegurança.

O delegado afirma que os prostíbulos servem como ponto de encontro para traficantes. Inclusive, um dos clientes assíduos é Edmilson Bispo dos Santos Júnior, o Júnior, 27 anos, fundador do Primeiro Comando do Interior (PCI), facção inspirada no grupo criminoso paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).

“Vou entrar com representação na Justiça para fechar esses bregas, pois eles servem de abrigo para traficantes. No entorno dessas casas de brega circula todo tipo de delinquente”, justifica o delegado.

Prostitutas ouvidas pelo CORREIO, que preferiram não se identificar, confirmaram que Júnior frequenta as casas. “E paga bem, viu! Tem vezes que paga R$ 100”, contou uma das mulheres que já trabalha na rua há sete anos.

A violência, no entanto, elas confirmam que é uma constante. “Aqui tem muito vagabundo. Traficante? Tem às pencas, mas só vêm aqui para brincar de ser feliz na cama com a gente”, destaca uma. O delegado contesta. “Eles usam os bregas como esconderijo não é só pra sexo”, diz.

Temor

Vera Lúcia, 44 anos, conta que chegou na rua ainda menina e não vê futuro caso fechem seu negócio. “Sou puta e com muito orgulho. Tem 29 anos que vendo meu corpo nessa rua. Se fechar o brega eu vou pra onde? Para a casa do delegado?”, brinca.

A irreverente Verinha, como é conhecida, chegou na rua quando a quantidade de bregas era bem maior do que as três atuais - o brega de Cabeluda, o Point das Morenas e a Casa Rosa.

“Há 20 anos tinha mais casa de brega nessa rua do que gente. Hoje, tem muito menos gente, mas essa rua sempre vai ser o lugar da putaria nessa cidade. Se fechar os bregas, o povo vai fazer sexo em todo lugar”, conta Verinha, que aos 14 anos abandonou a casa da família, em Maragogipe, para se prostituir nos bregas de Cachoeira.

Poder de Deus

E não são só as prostitutas que não querem o fechamento dos bregas. O pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular, Jailton Santos, que há três meses fundou a igreja evangélica ao lado do brega de Cabeluda, um dos mais antigos da cidade, defende que os prostíbulos permaneçam funcionando.

“O ensinamento divino é que se pregue a palavra de Deus onde o pecado está e por esse motivo preferimos que os bregas continuem abertos para que essas mulheres tenham a chance de encontrar o conforto na palavra de Deus”, defende o pastor, que trabalha como operário da construção civil em Cachoeira.

Para o delegado, o fechamento dos bregas é necessário. “Júnior e seus comparsas usam essas casas de brega com regularidade. Manter esses bregas abertos é facilitar a ação do crime na nossa cidade. Quem quiser fazer sacanagem vai ter que ir para outra cidade”. O pastor acredita que, caso os bregas sejam fechados, o ‘poder do evangelho’ vai se enfraquecer. “Temos a intenção de estar onde as pessoas que precisam de ajuda estão. Por isso, resolvemos abrir a igreja na rua onde estão os bregas da cidade”.

Tempos Áureos

Natural do Ceará, uma das prostitutas que trabalha na Rua do Brega, já está no local desde a década de 90. “Vim aqui por causa da fama, mas nos últimos anos caiu muito. Mesmo assim ainda vale a pena trabalhar aqui. Tirando essa onda de violência, o lugar é muito tranquilo. A gente respira um ar que é único nesse mundo. O clima de sexo aqui tem outro sabor”, relata a prostituta, entre um cigarro e um gole na cerveja gelada.

Frequentador assíduo da casa, o comerciante J.S., 64 anos, teve sua primeira relação na Rua do Brega - e muitas outras depois. Para ele, fechar os bregas é acabar com a alegria. “Metade dos homens de Cachoeira conheceu o prazer nessa rua. Se os paralelepípedos e as paredes dessas casas falassem o nome de cada pessoa que já transou aqui ...Ah, o mundo ia ficar surdo”, brinca. Religiosa, a dona de casa Elisabete Lima de Jesus, que é moradora na rua há mais de 50 anos, atualmente é vizinha da igreja e dos prostíbulos. Ela conta que muita coisa mudou na rua ao longo dos anos.

Meu filho, isso aqui era um celeiro de mulher da vida. Todas vinham pra cá aprender como fazer as coisas. Hoje tem muito menos. Aqui na rua agora tem muita casa de família. Por mim, pode ficar tudo aí. Acho até que diverte por causa da música que eles tocam”, comenta.

artimanhas Uma relação sexual na Rua do Brega tem preço: R$ 40. O valor, segundo as profissionais do sexo, inclui todas (e mais variadas) posições sexuais. “R$ 10 a menina paga pelo aluguel do quarto.

O programa depende muito de duração. Se a menina souber mexer faz o cara se aliviar em cindo minutos. Daí acaba e está pronta para outra. Cada menina, no final de semana chega a ter uns 4 a 5 clientes”, conta a gerente de uma das casas.

Durante a semana, o movimento é escasso. “Vem os meninos das escolas, marido que não tem alegria do bate coxa em casa. Entregadores de bebidas, que vêm abastecer a casa e também se abastecem com a gente”, comenta uma prostituta natural do Piauí que trabalha na Rua da Brega há três meses.

Em poucos minutos de conversa, enquanto bebericam dos copos de clientes nos salões dos bregas à meia luz, as mulheres contam as mais variadas estratégias para satisfazer o cliente. Infelizmente, a maioria tem palavras impublicáveis. Mas, elas afirmam que o prazer é garantido.

Policial aposentado manteve brega na rua por 30 anos Quando se aposentou da Polícia Militar, há 35 anos, o sargento Eduardo Conceição resolveu abrir um brega em Cachoeira, que virou um dos mais tradicionais redutos do sexo na cidade. “Chegou épocas de ter 12 meninas trabalhando aqui”. Hoje, Eduardo mantém apenas um bar na rua.

Decidiu fechar o brega e vender o imóvel para “descansar da agonia de muita mulher falando ao mesmo tempo”. Na casa de paredes verdes, cheia de equipamentos eletrônicos, Eduardo abrigou muitos sonhos de mulheres que abandonaram as famílias para viver do sexo. “Já vi muito sofrimento nessa rua. Mulher sendo espancada por marido que descobriu que ela fazia vida. No brega tudo é mais difícil”.

Simpático com a parca freguesia, Eduardo se orgulha dos tempos de Rua do Brega. “Lembro do dia que cheguei aqui pela primeira vez. Me encantei com as luzes, o som e o cheiro das putas perfumadas. Aquilo me encantou”, lembra.

Vocação centenária para prostituição na rua

Nem os carteiros de Cachoeira lembram com facilidade o real nome da Rua do Brega. Registrada como rua Sete de Setembro, o local é conhecido por todos pela referência das casas de prostituição. A vocação da rua, segundo os moradores mais antigos surgiu em função de Cachoeira ser uma cidade portuária.

“Tinha muito viajante no passado que passava por Cachoeira e tinha necessidade de encontrar uma mulher e acabou tudo se concentrando nessa rua”, conta a dona de casa Elisabete Lima de Jesus, que é moradora na rua há mais de 50 anos.

O fato de Cachoeira ser o último ponto navegável atrás da Baía de Todos os Santos colocou a cidade no século XIX como entreposto comercial do estado. Criou-se então, nas margens do Rio Paraguaçu várias casas ou cabarés de prostituição, mais conhecidos como bregas, para atender às necessidades sexuais dos viajantes.

Por ficar à beira do rio, a rua Sete de Setembro, hoje conhecida como Rua do Brega, acabou concentrando a maior parte dos prostíbulos. Hoje, a maioria das mulheres que trabalham na rua é do interior da Bahia, mas há prostitutas de quase todos os estados do Nordeste.

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