sexta-feira, 9 de maio de 2014

Especialistas garantem que o evangelho da "esposa de Jesus" é uma farsa


Aqui no blog nós não damos muita bola para as teorias da conspiração que são rotineiramente criadas na tentativa de fazer as origens históricas do cristianismo caírem em descrédito, mas - a exemplo das descobertas arqueológicas bíblicas que raramente são verdadeiras - nem por isso deixamos de divulgá-las com o devido cuidado e, por que não dizer, ceticismo.

Assim foi em setembro de 2012, quando publicamos aqui a "descoberta" do chamado "evangelho da esposa de Jesus", anunciada por Karen L. King, professora da Harvard Divinity School e reproduzida com estardalhaço pela imprensa e pelos blogs mundo afora.

O fundamento para o achado é um fragmento de papiro escrito em copta antigo, do tamanho de um cartão de visita, que registra as palavras “Jesus disse a eles, ‘minha esposa’”. “Eles”, no caso, seriam os discípulos a quem Jesus estaria se dirigindo na ocasião.

Em abril de 2014, a imprensa mundial se regozijou com a notícia, publicada originalmente na Harvard Theological Review, de que o papiro em questão havia sido submetido a testes científicos que o dataram entre os séculos VII e IX da era cristã, eximindo-o de ser uma falsificação moderna.

Na ocasião, não julgamos digna de registro a datação científica, porque não acrescentava nada ao dilema, nem definia cabalmente a autenticidade do papiro. Afinal, qualquer pessoa que tenha acesso a um papiro antigo pode se valer de uma tesoura, cortar um pedacinho e fazer o que bem entender dele. Se colar, colou! Não será a primeira nem a última vez que isso acontecerá.

Ao que parece, a Harvard Divinity School se tornou um reduto de gnósticos tentando forçar uma revisão das origens do cristianismo, sobretudo as canônicas, de tão interessados que estão em divulgar os evangelhos apócrifos de Judas e Maria Madalena, por exemplo.

O gnosticismo, para quem não se lembra, foi o movimento herético que surgiu no começo da igreja cristã, em que seus seguidores se diziam portadores de um conhecimento único, especial, que lhes havia sido conferido por uma entidade cósmica da qual Jesus teria sido, a grosso modo, uma "fagulha" dessa divindade.

Jesus teria sido, segundo eles, um "ser etéreo", um portador de uma energia cósmica que não tinha existência real, mas, a exemplo do que muitos pensam hoje, teria sido apenas um mestre de bons ensinamentos que poderiam ou não ser seguidos de acordo com a vontade de quem os conheça.

O grande combatente dessa heresia foi o apóstolo João que, em seu evangelho e suas cartas, fez questão de ensinar que Jesus é Deus e havia vindo ao mundo em carne e osso, e não como uma "fagulha", ou uma "força vital" como pregavam os gnósticos.

Quanto ao papiro da professora Karen King, a mídia foi pródiga em anunciar sua suposta autenticidade, mas se silenciou quanto aos eruditos que insistem que se trata de uma falsificação.

Desta maneira, passou (convenientemente) despercebido o artigo do Dr. Jerry Pattengale, publicado no The Wall Street Journal de 1º de maio de 2014 (talvez pelo feriado mundial), em que ele apresenta argumentos sólidos advogando pela falsidade do papiro de Karen King.

Primeiro, o que poucos sabiam é que a tal datação científica foi feita por pesquisadores que assinaram um acordo de confidencialidade para não divulgar os dados laboratoriais que os fizeram chegar a essa conclusão. O que, cá entre nós, já é um tanto quanto estranho. 

A farsa começou a ser desmontada pelo professor Christian Askeland, especialista em copta que atua na Universidade Wesleyana de Indiana, que considera o papiro de Karen King como cópia de outro papiro que já foi definitivamente considerado como falso.

O interessante é que foi a própria Harvard Divinity School que, na ânsia de divulgar sua "descoberta", incluiu um material adicional que forneceu, inadvertidamente, a prova de que se tratava de uma falsificação.

Esse material é outro fragmento de papiro, só que do evangelho de João, que foi disponibilizado nos links indicados por Harvard, e que guarda muitas similaridades com o fragmento de Karen King, como a caligrafia, a tinta e o instrumento de escrita que foi utilizado. E esse fragmento de João havia sido diretamente copiado de uma publicação de 1924.

O professor Askeland acrescenta, ainda, que "dois fatores imediatamente indicaram que se tratava de uma falsificação. Primeiro, o fragmento tinha as mesmas quebras de linha da publicação de 1924. Segundo, o fragmento continha um dialeto peculiar do idioma copta chamado 'licopolitano', que caiu em desuso durante ou antes do século VI. Como a Sra. King fez dois testes radiométricos e concluiu que a planta que forneceu o papiro desse fragmento tinha sido colhida entre os séculos VII e IX, isso significa que o fragmento da 'esposa de Jesus' foi escrito num dialeto que não mais existia na época em que seu papiro foi feito".

Outros especialistas chegaram à mesma conclusão, como Mark Goodacre, professor de copta na Universidade Duke, e Alin Suciu, pesquisador de copta da Universidade de Hamburgo, e a datação antiga do papiro não os surpreendeu, já que, como dissemos acima, um falsificador pode retirar um pedaço pequeno de um papiro antigo e forjá-lo da maneira que mais lhe convier.

O problema é quando a instituição que cai num golpe desses tem o pomposo nome "Universidade de Harvard". Aí o bicho pega...

Melhor não esperar que a falsidade do "evangelho da esposa de Jesus" tenha a mesma repercussão na mídia que sua suposta autenticidade. Afinal, sempre vai haver alguém jurando de pé junto que Jesus era casado com Maria Madalena pelo simples fato de que é gostoso acreditar numa mentira.

É que a verdade não costuma vender jornal...



LinkWithin

Related Posts with Thumbnails