Todo mundo sabe que Neymar nunca fez questão de esconder sua condição de evangélico, apesar de suas festinhas nada religiosas e de ser o próximo garoto-propaganda da PokerStars.
Tanto isto é verdade que, no último dia 6 de junho, quando o Barcelona derrotou o Juventus da Itália, conquistando a Champions League 2015, o craque barcelonês fez questão de comemorar com uma faixa na cabeça dizendo que ele é "100% Jesus".
Desde seus tempos de Santos F. C., entretanto, Neymar já chamava a atenção pelo valor do dízimo que doava à Igreja Batista Peniel de São Vicente (SP), como comentamos aqui em 2011.
Naquela época, quando o jogador já aguardava o nascimento do primeiro filho (sem ser casado), o pastor da igreja fazia questão de dizer que "Neymar tem reconhecida influência de Deus sobre seu comportamento".
Com a transferência para o Barcelona em 2013, por um valor astronômico numa negociação nebulosa sobre a qual ainda pairam dúvidas cruéis, o jornalista Marcondes Brito publicou matéria no seu blog na Band (hoje o texto está fora do ar), comentando que Neymar teria pago - supostamente - 13 milhões de reais de dízimo à igreja em razão da negociação com o futebol europeu, e este valor teria sido "depositado na conta do pastor".
Inconformada com o teor da publicação, a Igreja Batista Peniel entrou com ação na Justiça paulista requerendo indenização por danos morais do jornalista e da Rede Bandeirantes de TV, perdendo em primeira instância, o que a levou a apelar ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
No dia 19 de maio de 2015, a apelação da igreja foi julgada pela 1ª Câmara de Direito Privado do TJSP, e melhor sorte não lhe acudiu: perdeu de novo.
No Acórdão de 2ª instância, da lavra do Desembargador Dr. Francisco Loureiro, disponibilizado publicamente no dia 12 de junho de 2015 e que pode ser lido na íntegra (inclusive com o teor completo da matéria do jornalista atacada pela igreja) clicando aqui, o Tribunal rechaçou o pleito da apelante dizendo, entre outras coisas:
Embora a um primeiro exame impressione a hipótese levantada pelo jornalista, de que R$ 13 milhões possivelmente foram pagos por Neymar e sua família a título de dízimo à Igreja, em termos jurídicos a tese não tem maior relevância.A ilicitude da matéria jornalística, ao menos para efeito de responsabilidade civil, não se dá pela intenção ou isenção de quem a elabora ou divulga, mas sim pelo interesse público, veracidade e pertinência de seu conteúdo.
[...]
Parece claro que não é a malícia do jornalista ou do editor que torna a matéria ilícita, mas sim o seu conteúdo.No caso concreto, o que fizeram as matérias foi simplesmente suscitar uma hipótese relativa à considerável contribuição do jogador Neymar à Igreja frequentada por sua família.Em outras palavras, os apelados meramente conjecturaram a respeito do pagamento de vultuoso dízimo à instituição religiosa autora, com a ressalva expressa de que se trata de uma questão de “convicção de uma pessoa fiel aos seus princípios”. Foi realmente a dimensão da possível contribuição que chamou a atenção do jornalista requerido, e ensejou as publicações em análise.
[...]
Há nítida prossecução de interesse público e social nas matérias objetos de apreciação. As publicações objetivaram informar aos internautas certos detalhes relativos à transação que culminou na transferência do jogador de futebol Neymar a um clube europeu, lembrando que a negociação foi amplamente noticiada pela imprensa por suposta omissão dos reais valores envolvidos, o que levou até mesmo à propositura de ações judiciais entre os envolvidos.
É bem verdade que, nas matérias em análise, foi dado especial enfoque à suposta contribuição feita por Neymar à Igreja autora. No entanto, inegavelmente as matérias se revestem de interesse público.
[...]
No caso concreto, os requeridos tiveram o cuidado de, a todo instante, tratar em tom hipotético o pagamento de dízimo milionário pelo jogador Neymar à Igreja autora.
Como se não bastasse, a conjectura baseou-se em declarações anteriores do pai do atleta, também seu empresário, dando conta de que, não obstante o considerável aumento dos ganhos do jogador ao longo do tempo, o pagamento do dízimo à Igreja continuou sendo feito.
[...]
No caso em tela, como já dito anteriormente, em nenhum momento foram lançadas críticas diretas à Igreja e ao recebimento de contribuições de seus fiéis, tampouco a imagem da instituição religiosa foi vinculada à prática de ilícito pelo jogador Neymar.Foi justamente a possibilidade de que o atleta tenha contribuído com mais de R$ 13 milhões para a instituição, de uma só vez, que motivou a veiculação das matérias.Em outras palavras, foi o próprio vulto do dízimo possivelmente pago pelo jogador que ensejou as publicações e, nesse sentido, as narrativas mostraram-se absolutamente pertinentes.Em suma, não vejo, no caso concreto, após minucioso exame das matérias, ausência de interesse público, falta de veracidade dos fatos noticiados, ou ausência de pertinência entre os fatos e a narrativa.Não é possível vislumbrar os alegados danos à honra objetiva da autora em virtude das publicações veiculadas pelos réus na Internet.Logo, a improcedência da ação foi bem reconhecida pela sentença, que deve ser integralmente mantida.Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
Obviamente, a igreja ainda pode recorrer do Acórdão do TJSP. Resta saber se vale a pena insistir na tese da indenização.