Montano, profeta que se revelou inopinadamente na Frígia, por volta dos anos 155-160, afirmava ser porta-voz do Espírito Santo e que, em sua própria pessoa, se encarnara o Paráclito prometido em João 14,16; 16,7; fundador do montanismo.
As motivações de sua afirmação são desconhecidas, mas o que lhe aplainou a estrada foi o mal-estar difuso na cristandade de seu tempo, por se haver enfraquecido a expectativa dos últimos tempos e entorpecido o fervor espiritual, ou seja, a consciência de se terem tornado tíbios em relação à vida cristã dos primeiros tempos. Os numerosos escritos de Montano e das duas mais importantes profetisas Prisc(il)a e Maximila, se perderam; apenas restam poucos oráculos transmitidos diretamente. Aquilo que sabemos sobre Montano e sobre o movimento a que deu vida é de fonte indireta (sobretudo Eusébio, História Eclesiástica 5,14-19 e Epif., Haer. 48s, que se valem dos primeiros escritos antimontanistas). Montano é inseparável o movimento da “nova profecia” (à qual, em seguida, os adversários deram, com intenção depreciativa, o nome de “montanismo”).
Caracteres e doutrina do montanismo. Os traços mais característicos são, antes de tudo, a glossolalia e uma linguagem espiritual tendente ao êxtase e ao entusiasmo. Tanto Montano quanto Priscila e Maximila (mas nenhum outro) pretendem ser a voz de Cristo e do Espírito Santo. Eles falam, por isto, com a autoridade deste Espírito e exigem fé incondicional e absoluta obediência às suas ordens. Negam toda autoridade eclesiástica. Conteúdo de sua profecia é o iminente fim do mundo, que Maximila prognostica para o tempo imediatamente posterior à sua morte. As guerras estouradas sob Marco Aurélio são interpretadas como sinais premonitórios. Como preparação para o fim são prescritos uma moral rigorosamente ascética, com a proibição do matrimônio (em seguida, apenas das segundas núpcias), jejuns severos, consistentes esmolas de toda espécie; encoraja-se o martírio, é probido subtrair-se às perseguições. Em referência a Apocalipse 21,1.10, a Nova Jerusalém, descida do céu, deverá localizar-se em Pepuza ou em Tymion (Frígia). Os crentes devem encontrar-se ali por ocasião da chegada do Senhor. Nenhuma posição herética, porém, é tomada no plano dogmático: permanecem no terreno da ortodoxia. Apenas mais tarde sustentou-se o contrário. Que os montanistas professassem também a ressurreição da carne é atestado explicitamente. O movimento é de restauração, até mesmo reacionário, não interessado em questões teológicas, e mesmo ingênuo. Alimenta-se com as antigas tradições proféticas e apocalípticas. A finalidade é reavivar e restaurar, com o recurso à autoridade do Paráclito, a antiga situação da igreja: eficácia do Espírito, falar em línguas, espera dos últimos tempos, ética rigorosa.
História do movimento. A doutrina do montanismo, dificilmente atacável do ponto de vista dogmático, criou dificuldades para a Igreja; não foi fácil a esta combatê-la eficazmente. Na Ásia Menor reuniram-se vários sínodos (provavelmente os primeiros da história da Igreja: Eusébio, HE 5,16,10; Anônimo) para porem um freio à expansão do movimento, perigosamente rápida e bem depressa também organizada. O ponto em que se centrava toda a questão era se se deveria considerar a “nova profecia” como uma real efusão do Espírito ou, então, como uma possessão demoníaca. Os meios tradicionais para desmascarar os falsos profetas (cf., por ex., as indicações da Didaquê) não eram suficientes ou não conseguiam golpear o movimento. Não bastava nem a exigência de um discurso mais claro nem a suposição de que os montanistas teriam sugestionado os bispos “consencientes”, impelindo-os á adesão (Eusébio, HE 5,16,17). Nem mesmo com o apelo às Escrituras do Antigo e do Novo Testamento obtiveram-se resultados. De fato, Montano, com a pretensão de que nele falava o Paráclito, afirmava estar acima da própria autoridade das Sagradas Escrituras.
Todavia, o movimento foi excomungado pela igreja naqueles sínodos microasiáticos e, com isto, forçadamente reduzido às dimensões de uma seita. O que por fim o levou à ruína foi a pretensão que se arrogara a si mesmo, e que contrastava com a exigência da Igreja de manter a tradição (normas canônicas, profissões de fé, ofício). Apesar disto, a seita se expandiu ulteriormente até no Ocidente. Em Roma parece que por longo tempo se haja levado em consideração seu reconhecimento (por volta de 177-8), impedido depois por Práxeas (Tertuliano, Adv. Prax. 1). Na Gália conheciam-se, neste mesmo período, adeptos de Montano, e seu talento profético suscitava grande impressão. Os mártires de Lião escreveram, em favor dos montanistas (evidentemente contra a opinião de outros setores da comunidade), cartas à comunidade da Ásia e da Frígia e ao bispo de Roma Eleutério, a fim de que se empenhassem na reconciliação. Quando, com a morte de Maximila (179), o fim do mundo por ela profetizado para aquele momento não se verificou, o movimento não se desconcertou, mas a frenética expectativa do fim foi aos poucos minguando nos montanistas, sem no entando extinguir-se completamente (cf. a relação de Firmiliano, Cipr., Ep. 75,10).
Começou nova fase do movimento (a partir de 200 aprox.), caracterizada principalmente por uma acentuação do rigorismo moral. Com isto estava preparado o desenvolvimento, com o qual o montanismo se auto-supera gradualmente dentro da própria Igreja. O movimento fez a experiência de que o espírito profético não podia naquela circunstância ter êxito, coisa que, antes dele, a igreja primitiva já havia provado. O representante mais importante do montanismo da segunda geração foi Tertuliano que, em 207, passou para o montanismo, sobretudo pelo motivo de seu forte rigor ético. Os numerosos escritos ascéticos e dogmáticos do período posterior ilustram, portanto, a personalidade de Tertuliano montanista, mas do que dão um quadro do movimento. Contudo, também Tertuliano reconheceu expressamente a função histórico-salvífica que Montano se havia arrogado. Com ele, qual Paráclito, ter-se-ia aberto nova fase da revelação divina, além da neotestamentária.
A história posterior do movimento não registra mais, como é natural, momentos de particular destaque. Os montanistas são ainda mencionados pelos escritores eclesiásticos posteriores, comparecem nas listas dos hereges, e são mencionados regularmente nas leis estatais contra os hereges, até o séc. VI. Isto não depõe necessariamente a favor de uma sobrevivência de certo modo significativa do movimento. Apenas na Frígia, e sobretudo em Pepuza, parece que a igreja montanista tenha continuado a manter alguma vitalidade. Pepuza foi a sede do governo da seita, dotada de uma estrutura organizativa intercomunitária (Jerônimo, Ep, 41,3s). No séc. IV, Epifânio (Haer. 49,1,2-4) fala de alguns montanistas que, para receberem a aparição de Cristo, dormiam no templo.
(“Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs”, Ed. Vozes e Ed. Paulinas, 2002, pp. 959-960)
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