segunda-feira, 2 de junho de 2014

O Estado laico, segundo Ives Gandra Martins


Matéria publicada no ConJur:

Estado laico não é ateu ou agnóstico, diz Ives Gandra Martins

O Estado laico não é ateu ou agnóstico. É um estado que está desvinculado, nas decisões dos cidadãos que o assumem, de qualquer incidência direta das instituições religiosas de qualquer credo. Com essas afirmações, o jurista Ives Gandra Martins abriu sua palestra no seminário sobre liberdade religiosa promovido, nesta terça-feira (21/5), pela Associação dos Advogados de São Paulo.

O “papa do universo jurídico”, como Gandra foi chamado pelo diretor cultural da Aasp, Luís Carlos Moro, sustentou suas afirmações citando o preâmbulo da Constituição Federal, que diz “nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático (...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

“A Igreja Católica, os evangélicos ou judeus não estiveram lá [na Assembleia Constituinte] como instituições. Foram os cidadãos, de acordo com suas convicções, eleitas pelo povo, que definiram contra o voto daqueles que não acreditavam em Deus”, afirmou o jurista.

Gandra (foto) brincou com a diferença entre as redações da Constituição de 1988 e da Emenda Constitucional 1, de 1969, época da ditadura militar. “Os nossos constituintes eram extramente presunçosos para colocar [o trecho “sob a proteção de Deus”]. No regime militar, eles sabendo que não tinham legitimidade, eram muito mais humildes. Na Emenda Constitucional 1, eles invocaram a proteção de Deus, porque não sabiam se ele iria concordar com aquilo que lá estava”.

Em seguida, questionou, sob o ponto de vista da liberdade de expressão, os contrastes entre as diversas convicções. “Quando se diz que, em um Estado laico, quem tem religião não tem voz — porque vai levar suas convicções —, a pergunta que se faz é: e aqueles que têm convicções diferentes, quando levam suas convicções, com que direito levam, em um país em que a liberdade de expressão é absoluta?”

Em seu artigo 5, a Constituição garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegura o livre exercício dos cultos religiosos e garante, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Teorias abrangentes

Voltando ao ponto da convivência entre crenças, Gandra citou as chamadas teorias abrangentes, que, segundo ele, levam à ditadura. “As teorias abrangentes, como aconteceu com o marxismo, comunismo, nazismo, fascismo, Cuba e as ditaduras islâmicas, não permitem que se raciocine de forma diferente daqueles que os detentores do poder."

Para o jurista, a democracia é caracterizada pelo inverso, ou seja, a coexistência de teorias não abrangentes e de oposições. “É a convivência das convicções de cada, fazendo com que prevaleça o pensamento das pessoas que terminam sendo a maioria e sempre, evidentemente, com o respeito das minorias, desde que não sejam conflitantes.”

Assistencialismo religioso

O jurista defendeu a importância do assistencialismo religioso citando dados do livro Como Defender a Igreja. Segundo a obra, no mundo inteiro, a Igreja Católica conta com 165 associações nacionais de caridade e administra 5 mil hospitais e 17,5 mil ambulatórios. Na África, educa 12 milhões de crianças a cada ano.

“É interessante notar que todo esse trabalho que se faz não aparece nos jornais”. Ele evocou as palavras do escritor americano Mark Twain, morto em 1910, que afirmou ser papel da imprensa separar o joio do trigo para, em seguida, publicar o joio.

Para Gandra, essas entidades fazem o papel do Estado. “Com uma carga tributária de 37%, nós temos serviços públicos de péssima qualidade. Essas instituições religiosas fazem o que os governos deveriam fazer com nossos recursos e não fazem”, afirmou.

“Pessoas complexadas”

O jurista afirmou não ver problema na presença de símbolos religiosos em prédios públicos. Segundo ele, se chegarmos ao ponto de os eliminarmos, os nomes dos estados de São Paulo, Santa Catarina e Espírito Santo deveriam ser mudados e o Cristo Redentor, destruído.

“Todos que têm preconceitos contra símbolos religiosos, de qualquer religião, são, a meu ver, complexadas”, afirmou.



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