quinta-feira, 15 de maio de 2008

Eclesiastes - capítulo 3

Leitura anterior: Eclesiastes - capítulo 2

O capítulo 3 de Eclesiastes começa com os "tempos" de Salomão, "tudo tem o seu tempo determinado" (v. 1), numa sucessão de situações cotidianas e corriqueiras do homem, que ocorrem a todos, sejam elas negativas ou positivas, como o "tempo de chorar e tempo de rir" (v. 4), que são situações efêmeras, ou seja, que acontecem a todos, mas passam, o que Salomão aproveita para contrastar com a "eternidade no coração do homem" do v. 11 (no estudo do capítulo 2, já adiantamos um pouco da análise de Eclesiastes 3:11).


Essa relação de "tempo para tudo" dos vv. 1-8 se relaciona, necessariamente a meu ver, com (novamente) a questão do trabalho dos vv. 9-10. 

De novo, o Pregador pergunta: "Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?" (v. 9, repetindo 1:3 e 2:24). 

O trabalho é visto como algo que Deus impôs ao homem (v. 10), para que se cansassem e se preocupassem, como conseqüência da queda de Adão. 

Talvez, se não houvesse o pecado original, estaríamos todos ainda nos refestelando com o dolce far niente do Éden. 

Viveríamos apenas para a adorar a Deus e desfrutar da Sua Presença. 

E é nesse contexto que me parece que podemos ler a "eternidade no coração do homem", "do princípio até ao fim" (v. 11) como um lembrete de que ainda existe uma conexão entre a dureza da vida que levamos "debaixo do sol" (v. 16) e a eternidade. 

Esta conexão é, de novo, a providência divina, que permite ao "homem comer, beber e desfrutar o bem de todo o seu trabalho" (v. 13). 

A vida, o trabalho, sem Deus, é um mero "tanto faz". Para quem crê em Deus há sempre a esperança de que esta monotonia seja invadida pelo Seu renovo a cada manhã (Lamentações 3:22-23). 

Aqui eu ouso interpretar o v. 15 desta maneira, como algo que Deus busca no passado não para condenar o homem, mas para ajudá-lo, libertá-lo, e aliviar as dores do seu presente com a promessa de um futuro. 

O v. 15 é fruto de várias controvérsias quanto à melhor tradução de sua parte final, a de que "Deus fará renovar-se o que se passou" (Almeida Revista e Atualizada). 

Na Bíblia Anotada por Charles C. Ryrie (da Mundo Cristão), que adota esta versão, ele comenta que "o sentido deste versículo é este: Deus ordenou o ciclo contínuo de acontecimentos da vida; o mesmo pensamento encontra-se no versículo 1". 

Outras versões portuguesas assim a traduzem (com as respectivas explicações, quando houver):

- "Deus pede conta do que passou" (Almeida Revista e Corrigida)

- "Deus procura o que desapareceu" (Bíblia de Jerusalém, que explica: "lit.: "o que é caçado, o que fugiu", isto é, o passado)

- "Deus vai no encalço daquilo que foge" (Bíblia do Peregrino, que explica: "A visão cíclica parece responder a essa objeção: como o sol, o vento e a água têm seus ciclos (1,3-6), assim os acontecimentos retornam perpetuamente. Isso parece difícil ao homem, mas Deus "vai no encalço daquilo que foge" para fazê-lo voltar)

- "Deus investigará o passado" (NVI)

- "Deus vai em busca do que passou" (Tradução Ecumênica)

A razão para esta multiplicidade de traduções é que as duas palavras hebraicas (בּקשׁ - bâqash – e רדף - râdaph) permitem essas diferentes interpretações. 

Por bâqash, originalmente, se entende um processo de busca interior mediante oração e adoração, e por râdaph se pode entender "perseguir algo ou alguém" ou "fazer fugir". 

Há outras variantes que também podem ser aplicadas nessa tradução. Para mim, a versão Almeida Revista e Atualizada é a que melhor explica o contexto todo, de um permanente e alternado ciclo renovador das situações da vida. 

Nós vemos apenas uma ínfima parte, enquanto Deus vê o todo. "Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido" (1 Coríntios 13:12). 

Assim, os tempos humanos são uma pálida perturbação da eternidade. 

Nem tudo é dor, há também alívio e alegria; nem tudo é morte, há também vida, e Deus está no comando de tudo isso. 

Há tempo, inclusive, para a investigação e o julgamento dos pecados do homem, e aqui o Pregador começa a compará-lo com os animais (vv. 18-21). 

Neste trecho, há uma grande controvérsia entre aqueles que defendem a imortalidade da alma do crente e do ímpio (a imensa maioria das correntes teológicas), e os que defendem a aniquilação das almas dos ímpios e o sono da alma do crente enquanto aguarda o juízo final (como defendem os adventistas). 

O problema é a palavra hebraica רוּח (rûach), que pode ser traduzida por fôlego e também por alma ou espírito. Para quem quiser se aprofundar no tema, eu recomendo uma análise bastante interessante dessas duas posições neste capítulo de Eclesiastes, que está no meu outro site:




Leitura seguinte: Eclesiastes - capítulo 4


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