sexta-feira, 31 de maio de 2013

Corte Interamericana quer obrigar Costa Rica a permitir inseminação artificial

A notícia vem da agência católica Zenit. Considerando que a fertilização in vitro é uma prática rotineira permitida em muitos países do mundo (inclusive no Brasil), a grande questão que fica no ar e não é respondida no artigo é a seguinte:

- por qual razão um casal que quer ter filhos e não é religioso tem que se submeter a considerações religiosas para realizar seu sonho de serem pais?

Corte Interamericana condena Costa Rica por não aprovar a inseminação artificial

Um documento internacional, no entanto, defende as razões do país centro-americano

Roma, 27 de Maio de 2013
Ilaria Nava

Médicos, filósofos, biólogos e, especialmente, juristas estão entre os signatários de um novo e importante documento de bioética elaborado a propósito de um caso internacional. Trata-se da Declaração de Guanajuato, de 20 de abril, firmada na cidade mexicana homônima por uma equipe multidisciplinar. Em seguida, a declaração foi aberta às assinaturas de todos os que queiram apoiar o seu conteúdo.

O documento é o resultado da análise da sentença do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, que, em 28 de novembro de 2012, condenou a Costa Rica por ter rejeitado a inseminação artificial. No pequeno país da América Central, qualquer forma de fertilização in vitro está hoje proibida. A decisão da Corte Suprema da Costa Rica, em 15 de março de 2000, declarou inconstitucional o decreto que regulamentava tais técnicas, sancionando assim a sua proibição.

Um recente projeto de lei que pretende reintroduzir a inseminação artificial no país foi rejeitado pelo Legislativo em junho de 2011. Mas o recurso de alguns casais contra o Estado levou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o país por ter proibido a fertilização in vitro. A Declaração de Guanajuato analisa o julgamento, destacando diversos aspectos de legitimidade duvidosa tanto do ponto de vista científico quanto jurídico, sujeitando-os à atenção da comunidade internacional. Por causa desses erros, os signatários da carta afirmam que o seu valor se limita ao caso concreto e não tem força vinculativa para o Estado.

"O termo 'concepção', referido no artigo 4.1 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, deve ser entendido da mesma forma com que foi definido quando da sua assinatura em 1969, isto é, como a união de óvulo e espermatozoide. O argumento de que a implantação no útero seria o fato definidor da concepção é falso; a implantação termina o ciclo da concepção, que, entre outras coisas, permite diagnosticar a gravidez. A prática de fertilização in vitro mostra que o desenvolvimento do embrião começa no momento da fecundação".

Na pequena república centro-americana, que é um dos países mais avançado do mundo na proteção dos direitos das pessoas com deficiências e no qual o aborto é proibido, a sentença do tribunal acendeu as reações da opinião pública. A procuradora da República, Ana Lorena Brenes, continua defendendo a tese da proibição da inseminação artificial: "O embrião tem direito à vida e nós estamos surpresos de ter sido condenados por proteger a sua existência".

O jornal local Diario Extra já tinha condenado duramente as pressões exercidas sobre o país pela Corte Interamericana em favor da introdução das técnicas de inseminação artificial. O presidente da Conferência Episcopal da Costa Rica e arcebispo de San José, dom Hugo Barrantes Ureña, tinha manifestado as razões pelas quais convidava o legislativo a não aprovar a normativa: "É uma técnica que, para atingir os seus objetivos, elimina, em seu processo, um grande número de embriões fecundados, ou seja, vidas humanas nascentes".

Além disso, ao expressar "solidariedade aos cônjuges que não podem satisfazer o desejo legítimo de ter filhos", ele destacou que "uma criança é sempre um dom" e, portanto, nunca um meio para "satisfazer uma necessidade ou um desejo, porque a sua dignidade inviolável de pessoa exige que ela sempre seja tratada como um fim".



Câmara de SP facilita construção de templos

A informação vem pelo Estadão:

Câmara reduz regras para construir igrejas

DIEGO ZANCHETTA

Após pressão da bancada evangélica, a maior da Câmara Municipal de São Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) cedeu e permitiu ontem a inclusão dos templos religiosos no "Projeto Simplificado" da Prefeitura. A implementação do programa que reduz as regras e a exigência de documentação para liberar a construção de templos religiosos, imóveis comerciais e prédios residenciais para até 600 pessoas foi aprovada ontem à noite e deverá ser sancionada pelo prefeito em breve.

Com a nova regra, o dono que for reformar sua casa vai estar livre de apresentar, na subprefeitura de sua região, documentos que comprovem, por exemplo, as funções de cada cômodo. O mesmo vale para quem for apresentar a planta de um novo templo religioso ou de um imóvel comercial para até 200 pessoas. A licença, porém, será anulada caso seja comprovado que o engenheiro responsável pela planta protocolada na Prefeitura tenha omitido dados do governo.

Quando foi apresentado no início de maio, o projeto visava a beneficiar apenas pequenas reformas ou novas construções protocoladas nas subprefeituras. De última hora, entretanto, o governo embutiu condomínios de alto padrão e templos religiosos com capacidade superior a 500 pessoas entre os empreendimentos que podem ser beneficiados.

"Acho que houve um exagero do governo ao liberar os templos", criticou Ricardo Young (PPS), um dos dois vereadores que votaram contra o projeto - o outro voto de oposição foi de Gilberto Natalini (PV). O vereador Nabil Bonduki (PT) admitiu que o governo teve de ceder após a pressão da bancada evangélica. "Foi uma pressão muito forte. Mas no geral o projeto é bom porque desburocratiza a análise de licenças e retira poder de fiscais da Prefeitura."



quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um pedido de casamento norueguês à italiana

A gente precisava limpar a barra da Noruega aqui no blog, que ficou tão negativamente marcada por aquele triste episódio do "terrorista cristão" que provocou dezenas de mortes em julho de 2011, algo que esperamos jamais se repita em qualquer parte do mundo.

Chega de um pequenino povoado da Noruega, na ilha de Røvær, com apenas 110 habitantes e um só automóvel, um momento singelo e mágico, em que um jovem morador chamado Daniel planeja pedir sua namorada, Gerda, em casamento.

Daniel sabe que Gerda gosta da Itália, e ele não vê outro modo mais romântico de pedi-la em casamento do que à italiana.

Na impossibilidade de irem juntos à Itália, Daniel resolve trazer a Itália à Noruega, de preferência ao som de "O Sole Mio!".

Para tanto, consegue a cumplicidade dos moradores de Røvær e a ajuda de uma empresa de materiais de construção e decoração, que aproveita a ocasião para fazer a sua propaganda.

O resultado deliciosamente romântico você pode ver no vídeo abaixo:


Dica do Uhull



quarta-feira, 29 de maio de 2013

O fantástico dicionário das crianças colombianas

Um professor colombiano colecionou definições de seus alunos de tenra idade sobre palavras que fazem parte do cotidiano de toda a humanidade, e o resultado foi saborosamente surpreendente.

Uma das crianças define Deus, por exemplo, como "o amor com cabelo grande e poderes". Já outra explica a igreja como sendo o lugar "onde a pessoa vai perdoar Deus".

Dizer que inveja é "atirar pedras nos amigos" e o tempo como "coisa que passa para lembrar" é de uma singeleza que só as crianças conseguem alcançar.

Delicie-se com a matéria que foi publicada na BBC Brasil:

Dicionário de crianças colombianas surpreende adultos

Arturo Wallace
Da BBC Mundo em Bogotá

São definições cheia de poesia e sabedoria, apesar da pouca idade de seus autores. Ou talvez por isso mesmo.

Vão desde A de adulto ("Pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro de si", segundo Andrés Felipe Bedoya, de 8 anos), até V de violência ("A parte ruim da paz", na definição de Sara Martínez, de 7 anos).

O dicionário está no livro "Casa das estrelas: o universo contado pelas crianças", uma obra que surpreendeu ao se tornar o maior sucesso da Feira Internacional do Livro de Bogotá, no final do mês de abril. A surpresa aconteceu especialmente porque o livro foi publicado pela primeira vez na Colômbia em 1999 e reeditado no início desse ano.

"Isso me faz pensar que o livro continua revelando, continua falando sobre as pequenas coisas", disse à BBC Mundo Javier Naranjo, que compilou as definições feitas por crianças colombianas.

"Eles têm uma lógica diferente, outra maneira de entender o mundo, outra maneira de habitar a realidade e de nos revelar muitas coisas que esquecemos", diz.

É assim que, no peculiar dicionário, a água é uma "transparência que se pode tomar", um camponês "não tem casa, nem dinheiro. Somente seus filhos" e a Colômbia é "uma partida de futebol".

Sabedoria infantil


  • Adulto: Pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro dela mesma (Andrés Felipe Bedoya, 8 anos)
  • Ancião: É um homem que fica sentado o dia todo (Maryluz Arbeláez, 9 anos)
  • Água: Transparência que se pode tomar (Tatiana Ramírez, 7 anos)
  • Branco: O branco é uma cor que não pinta (Jonathan Ramírez, 11 anos)
  • Camponês: um camponês não tem casa, nem dinheiro. Somente seus filhos (Luis Alberto Ortiz, 8 anos)
  • Céu: De onde sai o dia (Duván Arnulfo Arango, 8 anos)
  • Colômbia: É uma partida de futebol (Diego Giraldo, 8 anos)
  • Dinheiro: Coisa de interesse para os outros com a qual se faz amigos e, sem ela, se faz inimigos (Ana María Noreña, 12 anos)
  • Deus: É o amor com cabelo grande e poderes (Ana Milena Hurtado, 5 anos)
  • Escuridão: É como o frescor da noite (Ana Cristina Henao, 8 anos)
  • Guerra: Gente que se mata por um pedaço de terra ou de paz (Juan Carlos Mejía, 11 anos)
  • Inveja: Atirar pedras nos amigos (Alejandro Tobón, 7 anos)
  • Igreja: Onde a pessoa vai perdoar Deus (Natalia Bueno, 7 anos)
  • Lua: É o que nos dá a noite (Leidy Johanna García, 8 anos)
  • Mãe: Mãe entende e depois vai dormir (Juan Alzate, 6 anos)
  • Paz: Quando a pessoa se perdoa (Juan Camilo Hurtado, 8 anos)
  • Sexo: É uma pessoa que se beija em cima da outra (Luisa Pates, 8 anos)
  • Solidão: Tristeza que dá na pessoa às vezes (Iván Darío López, 10 anos)
  • Tempo: Coisa que passa para lembrar (Jorge Armando, 8 anos)
  • Universo: Casa das estrelas (Carlos Gómez, 12 anos)
  • Violência: Parte ruim da paz (Sara Martínez, 7 anos)

Fonte: livro Casa das estrelas: o universo contado pelas crianças, de Javier Naranjo

Além disso, uma das definições de Deus passa a ser "o amor com cabelo grande e poderes", a escuridão "é como o frescor da noite" e a solidão é a "tristeza que a pessoa tem às vezes".

'Outra visão do mundo'

As definições - quase 500, para um total de 133 palavras diferentes - foram compiladas durante um período "entre oito e dez anos", enquanto Naranjo trabalhava como professor em diversas escolas rurais do Estado de Antioquía, no leste do país.

"Na criação literária fazíamos jogos de palavras, inventávamos histórias. E a gênese do livro é um dos exercícios que fazíamos", conta ele, que agora é diretor da biblioteca e centro comunitário rural Laboratório do Espírito.

Ele diz que teve a ideia de pedir aos alunos uma definição do que era uma criança, em uma comemoração do dia das crianças.

"Me lembro de uma definição que era: 'uma criança é um amigo que tem o cabelo curtinho, não toma rum e vai dormir mais cedo'. Eu adorei, me pareceu perfeita."

"As crianças escolheram algumas palavras e eu também: palavras que me interessavam, sobre as quais eu me perguntava. Mas não fugi de nenhum", afirma Naranjo.

No dicionário aparecem temas do cotidiano da Colômbia, como guerra e "desplazado", pessoa que se desloca pelo país, geralmente fugindo de conflitos. Um dos alunos definiu a palavra criança como "um prejudicado pela violência".

Aprender a escutar

Para a publicação, Naranjo corrigiu a pontuação e a ortografia das definições escolhidas, mas afirma não ter tirado nenhuma das palavras por "questões ideológicas".

Por isso, o livro mantém a voz das crianças, com suas formas de explicar as coisas e construções gramaticais particulares. Bianca Yuli Henao, de 10 anos, define tranquilidade como "por exemplo quando seu pai diz que vai te bater e depois diz que não vai".

O ex-professor diz que o respeito à voz das crianças também é parte do sucesso do livro, que foi reeditado em 2005 e 2009 e inspirou obras semelhantes no México e na Venezuela.

As vendas do livro ajudaram a financiar as atividades da biblioteca atualmente dirigida por Naranjo, que continua convidando as crianças a deixar a imaginação voar com outras dinâmicas.

"Nós adultos somos condescendentes quando falamos com as crianças e deve ser o contrário. Mais que nos abaixarmos temos que ficar na altura deles. Estar à altura deles é nos inclinarmos para olhar as crianças nos olhos e falar com elas cara a cara. Escutar suas dúvidas, seus medos e seus desejos", diz.



Escassez de vinho ameaça eucaristia nas missas venezuelanas

A notícia inusitada e - cá entre nós - sensacionalista, daquelas que você nunca tinha imaginado ouvir, vem do Terra:

Escassez na Venezuela: Igreja diz que falta vinho para as missas

Depois do problema da falta de papel higiênico, o desabastecimento na Venezuela agora afeta a Igreja Católica. Comunicado da Conferência Episcopal afirma que já começa a faltar vinho para a celebração das missas.

A Igreja reclama da “extrema necessidade” de conseguir vinho adequado para a celebração, que deve ser natural e puro. O comunicado também diz que há dificuldades para importar o produto por falta de divisas.

Segundo os padres, a empresa que fabrica o vinho utilizado na celebração de missas não consegue garantir a produção e a distribuição por falta de insumos para engarrafar o produto. A Igreja Católica não autoriza os párocos a celebrar as missas com qualquer vinho. O produto não pode ter acréscimo de nenhuma substância, como açúcar ou água.

Por causa do problema, a Igreja Católica autorizou os padres a utilizar provisoriamente vinhos chilenos ou argentinos.






terça-feira, 28 de maio de 2013

A dura vida nas clínicas de reabilitação de drogados


A Folha de S. Paulo publicou no último domingo, 26/05/13, uma série de artigos sobre a situação de centros de recuperação de viciados em drogas, com os links indicados nos respectivos títulos, discutindo a chamada "bolsa crack" e o incentivo governamental a instituições religiosas que cuidam dessas comunidades, matérias que merecem ser lidas e divulgadas:


TALITA BEDINELLI 
APU GOMES

São 7h e o som grave de um pequeno sino metálico ecoa na chácara de 30 mil metros quadrados da Conquista, uma comunidade terapêutica para dependentes químicos em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.

É do instrumento a função de alertar os 48 homens, moradores da chácara, que o momento é de acordar e, em seguida, de arrumar as camas.

A droga mais consumida por essas pessoas é o crack. Muitos deles já foram presos por terem praticado crimes com o objetivo de conseguir dinheiro para o vício.

Eles passam agora por um tratamento de nove meses em uma comunidade terapêutica -espaços com foco na reinserção social e no exercício da espiritualidade. Todos estão lá voluntariamente.

Esse tipo de comunidade tornou-se a "arma" do governo de São Paulo para tentar vencer a luta contra o crack.

Muitas delas serão credenciadas para atender dependentes do programa Recomeço, lançado neste mês. Uma das frentes do projeto é a "bolsa anticrack" que dará R$ 1.350 mensais a essas instituições por paciente atendido.

A reportagem da Folha ficou "internada" entre a noite de quarta (15 de maio) e a tarde de sexta (17) na comunidade evangélica Conquista, com o consentimento da direção.

O objetivo era conhecer os pacientes e o dia a dia do tratamento, marcado pelo badalar do pequeno sino metálico.

O instrumento toca ao menos oito vezes ao dia para alertar o início de cada atividade a ser realizada.

Depois do café da manhã, eles devem: recitar o mantra "só por hoje"; fazer um Inventário Moral Diário, onde falam sobre seus defeitos; almoçar; praticar laborterapia; lanchar e jantar. Duas vezes por dia, recebem medicamentos.

A depender do dia, algumas atividades são substituídas por terapia individual, em grupo e uma reunião onde praticam os "12 passos", princípio do grupo AA (Alcoólicos Anônimos), cujas bases foram adaptados ali em uma bíblia evangélica. Também há reuniões religiosas.

Os horários rígidos têm razão de ser: ensiná-los a viver em um mundo de regras, muitas delas esquecidas durante o consumo da droga. Ali, eles são chamados de "alunos".

O descumprimento das normas pode custar a ligação semanal para a casa ou a visita quinzenal da família.

Muitos, no entanto, não se adaptam ao novo mundo. Dos 48 que estão ali, só 24 devem completar os nove meses do tratamento, estima a direção.

Desses, seis devem voltar a consumir drogas em um prazo de um ano.






Ninguém sabe ao certo quantas comunidades terapêuticas existem no país e qual o tipo de trabalho que cada uma delas executa.

O número mais aproximado vem de um censo do Ministério da Justiça e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em que as próprias entidades se cadastram. Estão listadas 1.830 comunidades- 407 em SP.

Estima-se que a maioria seja mantida por alguma entidade religiosa e tenha a "espiritualização" como foco -em algumas, rezar é o único tratamento oferecido.

Por isso, alguns especialistas colocam em dúvida a eficácia do tratamento. "Não há evidências científicas de que funciona", afirma o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Luís Fernando Tófoli.

Na Conquista, a presença nos encontros espirituais, que ocorrem três vezes na semana, é obrigatória -mesmo que o paciente prefira ficar sentado, sem participar.

Antes de todas as refeições reza-se e, às vezes, há uma "chamada oral" de salmos -o nome de um dos pacientes é chamado e pede-se para que ele recite um.

Também não é permitido tocar músicas "do mundo" (que não sejam religiosas).

A questão gera polêmica entre os especialistas.

Para Elisaldo Carlini, membro do comitê de peritos sobre drogas e álcool da OMS (Organização Mundial da Saúde), ela pode ajudar.

"O grande diferencial das comunidades terapêuticas é, justamente, a ênfase colocada na espiritualidade. O objetivo é que por meio da religião o indivíduo encontre a si próprio e encontre forças para superar o vício."

Para Tófoli, a religião é aceitável quando o tratamento não leva verba pública.

"Quando a gente envolve o dinheiro público no tratamento é complicado ter um modelo onde o indivíduo tem que celebrar rituais".

Ronaldo Laranjeira, coordenador do Programa Recomeço, diz que comunidades que fizerem o convênio com o Estado não poderão obrigar que os internos participem de atividades do tipo.

"Não vamos financiar conversão religiosa", diz. Ele reconhece, entretanto, que a maioria delas estabelece atividades espirituais.

"Elas praticam a reabilitação: parar de usar drogas e restabelecer valores básicos de vida. Por isso elas podem transmitir valores universais de espiritualidade".

Colaborou FERNANDA KALENA





"Já fui internado 28 vezes", conta em tom de voz baixo José Élio de Souza Lima, 49.

Seu Élio, como é chamado pelos outros "alunos", está há um ano na Conquista.

Quando estava perto de completar os nove meses de tratamento, saiu para visitar a família e recaiu. Teve que recomeçar na clínica do zero.

"Passei a usar drogas com 13 anos. Maconha, cogumelo, dois tipos de LSD, comprimidos e bebida. Depois veio a cocaína, o speed, a heroína e o crack. Há três anos, conheci a cocaína peruana", relata.

Por causa do vício, quase tudo o que tinha ele já "fumou" -a expressão é usada pelos viciados para falar dos pertences que venderam para poder comprar as drogas.

"Perdi uma loja de agasalhos infantis, um salão de cabeleireiro, uma oficina que meu pai me deu", diz.

Na casa que mantém em Barueri (Grande SP) sobrou apenas uma rede para dormir. Todo o resto ele vendeu.

A história é comum.

O projetista G.H, 30, loiro, olhos azuis e pinta de surfista/skatista, nunca vendeu nada de dentro do apartamento de classe média dos pais, na zona leste de São Paulo.

Mas por causa do vício em mesclado (mistura de maconha com crack), já entregou o próprio carro a traficantes, em troca de dois pinos de droga.

Pediu para que os homens sumissem com o veículo e, no dia seguinte, procurou uma delegacia para fazer um boletim de ocorrência por furto. "Fumou" todo o dinheiro recebido pelo seguro do carro.

Há ainda os que fizeram dívidas altas no banco para poder manter o vício. O funcionário público Lucas Nunes, 33, pela segunda vez na Conquista, desta vez há quatro meses, descobriu há pouco tempo que os empréstimos que fez somam R$ 40 mil.

"Tinha decaído demais, estava morando em um hotel na rua Amaral Gurgel [região central de São Paulo], R$ 30 a diária. Parei de ir ao trabalho, só ia pra pedir empréstimo no banco. Agora 'tô pagando.'"

O dinheiro todo serviu para comprar crack, a droga que era consumida pela maioria.

MACONHA

A exceção é W.J, 16, skate nos pés e boné do time de basquete americano Lakers na cabeça. Ele foi internado há dois meses na Conquista porque foi flagrado por um tio fumando maconha.

"Fumava uns cinco, seis baseados por dia", conta.

Casos como o dele não costumam ser aceitos na comunidade terapêutica.

Mas os psicólogos da Conquista decidiram acolhê-lo para tratar os problemas que o garoto tem com o padrasto -o menino diz que, após discutir e de ter sido agredido, tentou matá-lo. "Eu era muito revoltado", diz ele, que deve ficar mais quatro meses ali.

RECOMEÇO

O programa Recomeço, do governo de SP, vai financiar 3.000 vagas em instituições como comunidades terapêuticas e moradias assistidas a partir de agosto. Onze municípios do interior serão atendidos.

Nessas instituições, o tratamento custa menos do que em clínicas, pois não há serviço médico permanente. Por isso, só há internações voluntárias de pessoas sem patologias psiquiátricas, além do vício.





Vai no sentido correto o programa do governo do Estado de São Paulo que prevê remunerar instituições privadas especializadas no tratamento de dependentes de crack. São muitos os desafios para a correta implantação dessa iniciativa, contudo.

O Cartão Recomeço foi apresentado no início do mês pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), que deve implementá-lo em julho.

Rapidamente o cartão ganhou a injusta pecha de "bolsa crack", por destinar auxílio de R$ 1.350 mensais a cada usuário da droga para garantir-lhe acompanhamento após superada a fase aguda da dependência.

O dinheiro, na realidade, será diretamente transferido às chamadas comunidades terapêuticas - centros particulares ou ONGs que acolhem dependentes químicos.

É salutar que o governo procure alternativas para evitar a recaída no uso do crack, droga que induz alto índice de reincidência. A primeira questão a ser enfrentada, porém, é a da capacidade técnica dessas comunidades terapêuticas.

O governo informa que credenciará 300 instituições para prestar os serviços de auxílio aos usuários, mas hoje é incapaz de dizer quantas entidades competentes existem no Estado. A qualidade dessas instituições, ademais, permanece desconhecida. É de estranhar que um credenciamento rigoroso não tenha precedido o anúncio da medida.

O recebimento das verbas deveria ficar condicionado a uma constante avaliação, com critérios objetivos e controle externo da evolução dos pacientes durante o prazo de tratamento, limitado pelo governo a seis meses. Instituições que descumprissem tais regras deveriam ser excluídas do programa.

Além disso, o Estado precisa garantir a laicidade do tratamento conferido aos dependentes, posto que grande número das comunidades terapêuticas hoje existentes tem caráter religioso. Outras primam pelo isolamento dos usuários, não por sua reinserção social --objetivo maior do programa.

Outra deficiência da proposta é não contemplar menores de 18 anos. Estudo da Universidade Federal de São Paulo mostra que, no Estado, 38% dos usuários de cocaína e seus derivados --crack, merla e óxi-- são adolescentes.

O governo alega que a exclusão se deve à falta de entidades especializadas em dependentes químicos nessa faixa de idade. Ora, a iniciativa privada é apenas supletiva, neste caso; cabe ao poder público a responsabilidade de prestar o atendimento adequado a essa população.



segunda-feira, 27 de maio de 2013

Padre diz que rapaz que não foi exorcizado pelo papa estava mesmo possuído

Padre Gabriele Amorth
Alguns dias atrás, o Vaticano negou que o papa Francisco tenha exorcizado um rapaz durante audiência pública na Praça de São Pedro, conforme divulgamos aqui.

Entretanto, a agência católica de notícias Zenit joga mais lenha na fogueira ao dizer que o indivíduo em questão estava realmente endemoniado e que, apesar do papa não ter realizado exorcismo nele, o ritual foi seguido depois por outros padres:

Papa não fez exorcismo, mas doente 
realmente estava possuído

Entrevista com Pe. Juan Rivas, L.C., sacerdote que levou o enfermo para receber a benção do Papa Francisco depois da missa de Pentecostes na Praça de São Pedro

Thácio Lincon Soares de Siqueira

Um “suposto exorcismo” realizado pelo Papa Francisco, ao final da missa de Pentecostes, na praça de São Pedro foi notícia mundial em diversos meios de comunicação, especialmente depois do programa “Vade Retro” do canal SAT 2000, da televisão italiana.

Tal notícia foi esclarecida pelo Pe. Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, em nota do dia 21 de maio. (Cfr. http://www.zenit.org/pt/articles/vaticano-nega-suposto-exorcismo-feito-pelo-papa-francisco). Nessa, Pe. Lombardi explicou que o “Papa Francisco não teve nenhuma intenção de fazer um exorcismo, mas simplesmente de orar por uma pessoa que sofria e que lhe foi apresentada”.

No entanto, na nota da Assessoria de Imprensa da Santa Sé não se afirma e nem se nega que o tal enfermo apresentado numa cadeira de rodas, realmente era ou não era um “demopatólogo”, uma pessoa que padecia de uma possessão diabólica.

Para saber mais detalhes desse caso, ZENIT procurou o sacerdote que levou o enfermo ao Papa, Pe. Juan Rivas, LC, e lhe propomos uma entrevista.

Pe. Juan Rivas Pozas, L.C., é fundador do Centro Multimídia Hombre Nuevo e produtor do programa de rádio e TV que tem o mesmo nome, localizado na cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos.

Apresentamos aos nossos leitores a entrevista a seguir:

***

ZENIT: O homem que você apresentou ao Papa para ser abençoado depois da missa de Pentecostes, na praça de São Pedro, estava realmente possuído?

Pe. Juan Rivas: Sim. Tinha quatro demônios. O Pe. Gabriel Amorth fez o exorcismo e os quatro disseram o seu nome mas isso nós já sabíamos, porque essa pessoa recebeu 30 exorcismos de 10 sacerdotes.

ZENIT: Como vocês se conheceram? Quem é ele (se você pode dizer).

Pe. Juan Rivas: Eu o conheci em um café na sua cidade natal. Eu tinha ido a essa cidade para dar uma conferência sobre a Divina Misericórdia e ele pediu para falar comigo. Seu problema era que tinha 4 demônios. Os exorcistas diziam que era um caso estranho porque de acordo com os demônios, eles não saiam porque “A Senhora” não permitia, que provavelmente tinha uma missão mas que não sabiam qual era. Quando lhe pedi mais informação sobre os demônios me disse que um era um bruxo que antes do cristianismo oferecia sacrifícios de bebês não nascidos aos demônios. No mesmo instante entendi qual era a missão: como eu há anos já vinha dizendo ao meu auditório na cidade de Los Angeles que a violência no México estava relacionada com o aborto, porque aconteceu no mesmo ano em que se aprovou a lei, cresce em proporção e se parece na sua crueldade lhe disse: “Está claro qual é a tua missão”.

A sua possessão tem relação com o grande crime que cometeu México ao aprovar a lei do aborto.

Mas o crime é duplo porque se aprovou o aborto onde está Maria de Guadalupe, a Virgem grávida. Isso foi um claro "não" a Cristo, dado pelos legisladores.

Mais detalhes sobre isso eu coloquei, já há alguns meses no meu livro: "Lo que está por venir". “A tua missão é dizer aos bispos mexicanos que denunciem o crime, alertem das consequências canônicas aos católicos que apoiam este crime, reparem Nossa Senhora de Guadalupe pela grave ofensa e consagrem de novo a Nação a Maria e façam a renúncia a Satanás como se faz nas promessas batismais”.

Ele pressentia que ao começar a fazer o que eu lhe dizia os demônios o atacariam mais e assim aconteceu. Me escrevia mensagens dizendo que sofria muito e sentia que morreria. Ao piorar a sua situação decidiu ver o Papa para que lhe desse a sua benção porque uma senhora (desconheço a história) afirmava que tinha sido liberta do demônio simplesmente vendo a eleição do Papa Francisco. Nossa intenção era pedir ao Papa a sua benção e entregar-lhe os documentos assinados pelos exorcistas onde afirmavam o que se pedia que os bispos mexicanos fizessem e o Pe. Amorth revelou na terça-feira seguinte.

ZENIT: Depois da oração do Papa, ele foi liberto?

Pe. Juan Rivas: Não foi liberto, os demônios dizem que “a Senhora” não os deixa até que os bispos não cumpram a condição, que é o ato de reparação e expiação e a consagração à Maria Imaculada que os bispos mexicanos têm que fazer pelo pecado do povo.

ZENIT: Algum exorcista em concreto deu a sua opinião sobre o caso?

Pe. Juan Rivas: Na opinião do Pe. Gabriel Amorth o Papa fez um verdadeiro exorcismo e o afirmou várias vezes. De acordo com o Pe. Fortea o Papa não fez nenhum exorcismo mas somente deu a sua benção e o demônio se manifestou. Eu sou desta segunda opinião que coincide com a declaração do porta-voz do Vaticano. Mas estou convencido de que essa bênção do Papa será decisiva na sua futura libertação, se os bispos Mexicanos cumprem com o requisito.

Na minha opinião é ridículo quando dizem que este exorcismo criou uma grave confusão no Vaticano. Seria difícil para o Vaticano e para o Papa se o exorcismo fosse um ato de obscurantismo medieval como, infelizmente, muitas pessoas pensam dentro da Igreja. Mas, na realidade, o exorcismo é um dever ordinário dos bispos e uma obra de misericórdia com os acorrentados pelo demônio, e Cristo nos deu o exemplo.

ZENIT: Apesar do Papa não ter querido fazer uma oração de exorcismo, foi o que ele fez?

Pe. Juan Rivas: O Papa não fez exorcismo. O exorcismo foi feito pelo Pe. Amorth e participaram deste exorcismo outros dois sacerdotes espanhóis, um é exorcista de Valência, duas mulheres e dois assistentes do Pe. Amorth. O exorcismo não é um ato de magia, por isso, ainda que o começo da sua libertação, na minha opinião, começou com a benção do Papa, se requer ainda mais exorcismos, disseram os exorcistas.

ZENIT: Qual é o motivo das possessões diabólicas no México e no mundo?

Pe. Juan Rivas: Não se pode generalizar. Mas os casos de possessão devem-se em primeiro lugar ao pecado mortal, com o pecado mortal expulsamos Deus da nossa alma e a casa, como diz Nosso Salvador, fica vazia. Não podemos viver em pecado mortal. No caso em que estamos falando, o de Angelo, a sua possessão está relacionada com o triunfo do Coração Imaculado de Maria prometido em Fátima. Os demônios não podem falar contra si mesmos se “a Senhora” não lhes obrigasse a fazê-lo ao pisar-lhes a cabeça. Para que este triunfo aconteça, México tem que reconher a sua missão de nação privilegiada e voltar à fé de sempre quando cantávamos: “A Virgem Maria é nossa protetora, nossa defensora, não tememos nada. Somos cristãos e somos mexicanos: Guerra, guerra contra Lucifer! O que pede Nossa Senhora não é nada extraordinário, mas um ato de fé e de reparação.

O demônio não é um deus poderoso, ele já foi vencido e derrotado por Cristo na cruz, mas o neo-paganismo, o apagão da fé no mundo atual, e que os pastores estejam adormecidos, distraídos, favorece a sua ação. Se as autoridades eclesiásticas corrigem a sua atitude e denunciam o aborto (e outras manifestações do mal) e trabalhamos todos por reverter essa lei que promove a violência contra os mais fracos e indefesos, se se renuncia a Satanás (até mesmo com um exorcismo do país) e se consagra o país à Maria, o demônio será acorrentado e chegará o Triundo do Coração Imaculado de Maria. Esclareço que isso não é um ato de magia, mas todo um processo de conversão que começa de baixo, no lar.



Bancada evangélica na Câmara não é o que parece


Esta é a conclusão a que chegou matéria publicada na Folha de S. Paulo de 26.05.13:

Atuação de evangélicos na Câmara é restrita e dispersa

FABIANO MAISONNAVE

A bancada evangélica da Câmara dos Deputados ampliou recentemente a visibilidade ao assumir o controle da Comissão de Direitos Humanos. Mas a aparente demonstração de força esconde um bloco de 66 deputados disperso entre 16 partidos e 24 igrejas, com articulação quase nula em votações.

Contrariando a percepção de que os evangélicos tem uma representação exagerada, o percentual da bancada sobre o total da Câmara (15%), é menor do que a população que se declarou evangélica no mais recente Censo do IBGE, 22,2% -embora tenha mais do que duplicado com relação à legislatura anterior, quando contava com 36 deputados.

Com raras exceções, a atuação da bancada evangélica está longe de ser suprapartidária. Há alguns dias, por exemplo, deputados do bloco estiveram no centro do embate entre governo e oposição por causa da Medida Provisória dos Portos.

O deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) apresentou uma emenda ao texto original tachada de "Tio Patinhas" pelo também evangélico Anthony Garotinho (PR-RJ). O detalhe é que ambos são da Igreja Presbiteriana.

Garotinho, aliás, já foi processado por Benedita da Silva (PT-RJ), também evangélica, por danos morais. E é rival declarado de Eduardo Cunha (PMDB), ligado à igreja Sara Nossa Terra.

A deputada petista, por sua vez, é historicamente ligada aos movimentos negros, ferozes críticos de Marco Feliciano (PSC-SP), processado por racismo ao dizer que os africanos sofrem de uma maldição bíblica.

Entre as bancadas por denominação, a única coesa é a da Igreja Universal do Reino de Deus: todos os seis deputados federias estão filiados ao Partido da República.

DESTAQUE

O bloco evangélico também tem pouca influência individual. Somente quatro deles aparecem na lista dos cem parlamentares mais influentes do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), órgão de interlocução entre Congresso e entidades sindicais.

Por outro lado, muitos têm problemas com a Justiça: 32 são réus em processos no Supremo Tribunal Federal.

Falando sob a condição de anonimato, um deputado disse que vê três grandes grupos na chamada bancada: o núcleo duro, formado por pastores, como Feliciano; os que costumam aparecer quando convocados, caso de Garotinho; e os que praticamente não participam, incluindo Benedita.

AÇÃO FOCADA

"A Frente Parlamentar Evangélica defende a vida e a família", diz o deputado e pastor Roberto de Lucena (PV-SP), sobre o escopo da atuação do bloco.

Ele é um dos quatro vice-presidentes da bancada liderada por Paulo Freire (PR-SP), pastor e filho de José Wellington, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, principal entidade da maior denominação evangélica do país.

Lucena disse que só se lembra de duas votações em que a bancada se articulou.

O endurecimento da lei contra motoristas alcoolizados e o apoio a uma emenda que mantinha a proibição da venda de bebidas alcoólicas em estádios durante a Copa, ambas no ano passado.

No caso dessa emenda, 40 evangélicos apoiaram a proposta, incluindo três peemedebistas, contrariando a orientação partidária.

Lucena é o relator do controvertido projeto que permite psicólogos promoverem tratamento para "curar" a homossexualidade.

Nas comissões, a bancada evangélica é hegemônica só na de Direitos Humanos, presidida por Feliciano: são 7 dos 11 titulares, incluindo os três vice-presidentes.

Colaborou PAULO GAMA, de São Paulo



domingo, 26 de maio de 2013

Ciência ainda não sabe se o mundo terminará no céu ou no inferno


Nossa leitura especial de domingo traz a resenha de dois livros, digamos, "futurólogos", escrita por Helio Schwartsman num artigo pra lá de interessante publicado na Folha de S. Paulo de 19/05/13:

Por que o inferno é aqui, e o paraíso, também

RESUMO O estudo de sistemas complexos, tão caro à ciência atual, está na origem de dois livros que tecem prognósticos opostos sobre o futuro da humanidade. Enquanto para John Casti os avanços tecnológicos podem nos levar ao descontrole e ao fim, para Peter Diamandis e Steven Kotler, eles nos aproximam de uma era de abundância.

O fenômeno é o mesmo --a complexidade--, mas, para um autor, ela trará a redenção da humanidade, na forma de energia e recursos inesgotáveis, enquanto, para o outro, implicará o colapso geral da sociedade. Para tornar as coisas um pouco mais complexas, é perfeitamente razoável sustentar que ambos estão certos.

Se queremos tornar a discussão pelo menos inteligível, convém começar pelo começo.

Numa definição para lá de problemática, "complexidade" é o termo que usamos para caracterizar sistemas compostos por muitas partes, que interagem de diversas maneiras, produzindo resultados que vão além da soma de seus componentes e são frequentemente imprevisíveis. O estudo de sistemas complexos e seus parentes, como a teoria do caos, emergência, dinâmicas não lineares, auto-organização, comportamento coletivo, abordagens holísticas etc., é a nova coqueluche da ciência.

O problema com a complexidade, como já insinuei no parágrafo acima, é que, além de ser complicada, ela anda perigosamente perto da imprevisibilidade ou, pelo menos, de diferentes graus de opacidade em relação ao futuro.

Para tornar o conceito um pouco menos abstrato, vale recorrer a um exemplo concreto. Pense numa carroça. Ela não é muito complexa. Você olha para o boi, as rodas, o eixo etc. e entende mais ou menos o que faz cada parte. Se ela quebrar, você pelo menos sabe qual peça precisa ser reparada ou substituída. Considere agora um avião moderno. Ele é complexo. Nenhuma de suas partes voa, mas elas interagem de forma a que o aparelho possa fazê-lo. E nem pense em consertar em casa o seu Airbus.

A complexidade não se limita a engenhocas. Ela também está presente em fenômenos naturais, como a meteorologia, e, principalmente, humanos. Há poucas coisas mais complexas do que a economia, por exemplo. Nela, milhões de agentes fazendo a mesma coisa quase sempre produzem efeitos qualitativamente diferentes dos que geraria uma única pessoa agindo deste modo.

INFERNO

4 veículos com diferentes níveis de complexidade
Como a complexidade se relaciona à destruição ou à salvação da nossa espécie? Seguindo o modelo de Dante, comecemos pelo Inferno. Aqui, nosso guia não é o poeta Virgílio, mas o matemático John Casti, especializado em teoria dos sistemas, que já lecionou em Princeton e nas universidades do Arizona e de Nova York, autor de "O Colapso de Tudo" [trad. Ivo Korytowski e Bruno Alexander, Intrínseca, 352 págs., R$ 29]. O subtítulo da edição brasileira é ainda mais ameaçador: "Os Eventos Extremos que Podem Destruir a Civilização a Qualquer Momento".

A primeira parte da obra traz uma explicação razoavelmente didática da complexidade e apresenta a noção de eventos X, que são acontecimentos relativamente raros, muito difíceis de prever (senão quanto ao "o quê", pelo menos quanto ao "quando") e que causam enorme impacto para grande número de pessoas. Estamos falando de coisas no patamar do 11 de Setembro ou da crise de 2008.

Não pretendo chatear o leitor descrevendo as propriedades matemáticas da complexidade e como ela se relaciona com os teoremas da incompletude de Gödel, mas creio que vale a pena destacar alguns dos sete princípios elencados por Casti, já que eles nos ajudam a entender melhor com que bicho estamos lidando.

O primeiro, que leva o nome de emersão, é justamente o fato de o todo diferir da soma das partes, como é o caso do seu Airbus.

O segundo princípio a merecer algum detalhamento é o mundialmente famoso efeito borboleta, um emblema da teoria do caos. A história de sua descoberta já revela suas propriedades.

O matemático Edward Lorenz testava modelos meteorológicos nos primeiros computadores --era 1960. Em certa ocasião, resolveu projetar cálculos no futuro, mas se serviu de dados que tinha numa planilha impressa para alimentar a máquina, em lugar de refazer tudo desde o princípio. No fim, os resultados do modelo original não batiam com os das projeções.

A diferença, Lorenz perceberia, tinha origem prosaica: na primeira conta, os dados numéricos iam até a sexta casa decimal, enquanto nas projeções iam só até a terceira, devido ao limite da impressora.

A diferença entre a terceira e a sexta casa --digamos, a diferença entre os números 0,506127 e 0,506-- bastou para "produzir" climas totalmente distintos. Como ela era pequena demais para ser detectada pelos instrumentos meteorológicos existentes à época, Lorenz concluiu que teria sido possível que o bater de asas de uma gaivota provocasse, semanas mais tarde, um furacão do outro lado do mundo. A gaivota, para fins poéticos, virou borboleta, o que não mudou o conceito que diz que sistemas caóticos são patologicamente sensíveis a mudanças minúsculas no estado inicial.

O terceiro princípio que me parece mais relevante é a chamada lei da variedade necessária. Ela basicamente postula que, numa interação entre dois ou mais sistemas, aquele encarregado de exercer a regulação sobre o(s) outro(s) precisa ter pelo menos o mesmo nível de complexidade do(s) controlado(s). Se eles estão em patamares diferentes, é muito possível que sobrevenha um evento X para reequilibrar o jogo.

Um exemplo concreto é o do coletor de impostos. De um modo geral, ele conta com uma variedade de ações para cobrar que é muito menor do que as disponíveis para contadores, advogados e contribuintes evitarem o pagamento.

Como não é muito sábio conferir superpoderes a agentes públicos, a melhor forma de reduzir a diferença é diminuir a variedade de instrumentos ao alcance dos sonegadores. Isso se faz reduzindo a quantidade de leis, decretos, portarias e regimes de exceção (a complexidade) do sistema tributário.

TRAGÉDIAS

Deixemos, porém, as questões teóricas e passemos ao ponto alto do livro de Casti, que é o guia das tragédias prestes a nos atingir. São 11 capítulos que fazem a alegria dos pessimistas, mostrando tudo o que pode dar errado. Os títulos e/ou subtítulos das seções são autoexplicativos: apagão digital, o esgotamento do sistema global de alimentos, um pulso eletromagnético destrói todos os aparelhos eletrônicos, o colapso da globalização, destruição da Terra pela criação de partículas exóticas, a desestabilização do panorama nuclear, o fim do suprimento global de petróleo, uma pandemia global, falta de energia elétrica e de água potável, robôs inteligentes sobrepujam a humanidade, deflação global e o colapso dos mercados financeiros mundiais.

São precisos altos níveis de paranoia para levar muito a sério certos cenários descritos pelo autor, como aquele em que um colisor de partículas acaba criando um buraco negro que suga o nosso planeta para sabe-se lá onde, ainda que eles sejam teoricamente possíveis.

Mas mesmo um realista tranquilo tem de admitir que vários dos casos levantados são não apenas verossímeis como prováveis. Ainda que não na escala imaginada por Casti, vários países já foram atingidos por blecautes mais ou menos generalizados. O problema fundamental é que os avanços tecnológicos cada vez mais complexos dos quais nos tornamos dependentes nos tornam extremamente vulneráveis a falhas nos sistemas.

Pior: como os próprios sistemas tendem a integrar-se e tornar-se dependentes uns dos outros, nossa vulnerabilidade aumenta: muitos dias sem energia significam não só falta de luz, mas também de água (que é bombeada), alimentos (que precisam ser resfriados), comunicações etc. Os distúrbios podem ser raros, isto é, os sistemas são individualmente seguros, mas, se dermos tempo suficiente, é certeza que eles ocorrerão.

Phytophthora ramorum, a praga
Para dar uma ideia mais precisa de "colapso", vejamos mais de perto o que ele tem a dizer sobre a falta de comida que cedo ou tarde nos matará a todos. Casti começa o capítulo lembrando que existem pragas botânicas e cita o terrível fungo Phytophthora ramorum, que pode destruir florestas inteiras de árvores e pula de uma espécie para outra. Imagine agora uma mutação no Phytophthora que o torne capaz de infectar grãos e não apenas árvores, e os dias da humanidade estão contados.

Na sequência, ele se põe a analisar outras ameaças que pairam sobre as culturas vegetais, como a misteriosa morte das abelhas (que são agentes polinizadores), a escassez de água, a erosão dos solos, as mudanças climáticas, o aumento dos preços de petróleo e a maior produção de biocombustíveis, o crescimento da população. Nesse mundo, até uma boa notícia, como o enriquecimento de nações mais pobres (e o consequente crescimento da demanda), se torna um problema.

Antes de comprar seu jazigo no cemitério mais próximo, convém dar uma olhadela no outro lado da complexidade. Para nos servir de guia na viagem ao paraíso, escolhi não Beatriz, mas Peter Diamandis e Steven Kotler, autores de "Abundância - O Futuro É Melhor do que Você Imagina" [trad. Ivo Korytowski, HSM, 424 págs., R$ 69].

Diamandis é um milionário com formação em engenharia espacial, genética e medicina. Kotler é jornalista científico. Ambos são seguidores do futurólogo Ray Kurzweil e membros ativos da Singularity University (SU), o "think tank" que pretende promover tecnologias que revertam para o bem da humanidade.

Quem leu "Cândido", de Voltaire, deve se lembrar do dr. Pangloss, o personagem doentiamente otimista inspirado em Leibniz. Pegue o otimismo de Pangloss, eleve-o a uma potência bem grande e você chegará perto do que diz o pessoal da SU. Para eles, estamos prestes a entrar numa era de superabundância, na qual tecnologias tornarão itens essenciais tão baratos que todos os habitantes da Terra terão acesso a bens e serviços até há pouco ao alcance apenas dos muito, muito ricos. E tudo isso no horizonte de uma geração.

O motor de tamanho progresso é a complexidade, mais especificamente o caráter exponencial do desenvolvimento tecnológico. Vale a pena dedicar algumas linhas a explicar melhor esse conceito.

Não faz muito tempo, o mundo era um lugar linear. Um músico até o século 19, por exemplo, recebia pelo número de execuções que fosse capaz de fazer. Sua plateia era limitada ao número de assentos no local de exibição e, se ele queria um par de trocados a mais, tinha de fazer uma apresentação extra.

Vieram, porém, o fonógrafo, a indústria do entretenimento, os computadores e entramos num universo exponencial. Hoje, um músico pode ficar milionário compondo uma única peça que faça sucesso. A casa cheia do mundo exponencial já não se restringe ao número de cadeiras no teatro, mas aos milhões, talvez até bilhões de terrestres que se disponham a baixar a canção em seus iPods.

A contrapartida disso é que a vida ficou mais difícil para os profissionais que não tiram a sorte grande (a maioria deles). Antes, eles tinham uma espécie de reserva de mercado, que era dada pela proximidade física necessária para escutar os sons emitidos pelos instrumentos. Essa barreira foi rompida. O trompetista do bar de jazz perto da sua casa concorre com todos os trompetistas do mundo, cujas performances estão disponíveis na internet.

LEI DE MOORE

A tecnologia, muito mais do que os músicos, se beneficia desse caráter exponencial. A rapidez e a precisão do computador para fazer contas permitem a criação de programas mais sofisticados, que ajudam a produzir componentes mais eficientes, que melhoram a performance dos computadores, que... No final do processo, temos coisas como a Lei de Moore, segundo a qual os aparelhos dobram sua rapidez a cada 18 meses. E pelo mesmo preço.

Isso, é claro, tem impacto na vida das pessoas. Num exemplo citado pelos autores, hoje, um guerreiro massai com seu smartphone tem acesso a mais informações do que dispunha o presidente dos EUA apenas 15 anos atrás.

Para Diamandis e Kotler, revoluções semelhantes estão para acontecer no acesso a água, alimentos, energia, educação e saúde. No que é provavelmente o aspecto mais interessante do livro, a dupla descreve dezenas de pesquisas, algumas bem adiantadas, que poderão em breve mudar a face do mundo. São coisas como membranas que dessalinizam a água, carne (sem colesterol) sintetizada em tubos de ensaio, reatores nucleares portáteis (e seguros) e telefones celulares que realizam exames de sangue e fornecem diagnósticos de doenças a seus donos.

No ensino, eles preveem nada menos do que "educação praticamente gratuita e personalizada para qualquer um em qualquer lugar". Isso seria possível graças à convergência da "computação infinita com a inteligência artificial, a banda larga ubíqua e os tablets de baixo custo". Evidentemente, uma população muito mais instruída seria capaz de fazer a tecnologia avançar muito mais.

Num exemplo bem escatológico, Diamandis e Kotler falam da verba que a Fundação Bill e Melinda Gates disponibilizou para reinventar a privada. A ideia aqui é desenvolver tecnologias que permitam às pessoas ir ao banheiro sem gastar água nem precisar construir esgotos e, é claro, sem contaminar todos à sua volta.

Em teoria, é possível queimar a matéria fecal e produzir energia suficiente para transformar a urina em água potável e alguns poucos resíduos sólidos. Na verdade, como a queima das fezes expelidas por um ser humano típico dá um megajoule por dia, até sobraria um pouco de energia para carregar o seu celular. As tecnologias para isso já existem. O desafio é juntar tudo a um preço acessível.

Vale destacar aqui que o mentor Kurzweil vai além do que dizem os autores de "Abundância" e prevê para breve uma singularidade tecnológica, na qual o passo dos avanços seria "tão rápido que pareceria infinito". Isso culminaria na criação de uma superinteligência artificial, que nos permitiria manipular características humanas como o desempenho intelectual e sensorial, levando a uma era transumana. Evidentemente, aqui já nos afastamos do terreno das especulações inspiradas na ciência para nos aproximar perigosamente da religião em estado puro.

Quem tem razão? Casti ou a dupla Diamandis/Kotler? O colapso ou a singularidade?

Como destacamos no início do texto, ambos são consequências lógicas possíveis da maior complexidade tecnológica que trouxemos para nossas vidas. Excluídos os cenários mais catastróficos, que impliquem a extinção da humanidade, dificilmente poderemos cravar que um dos lados tenha triunfado.

A razão é que não há linha de chegada definida. Eventos X deverão se alternar com conquistas tecnológicas com potencial para transformar nossas vidas, condenando-nos a uma espécie de maldição de Cassandra, na qual as previsões mais otimistas serão desmentidas por acontecimentos trágicos, e visões muito pessimistas serão rechaçadas por avanços claros.

Por ora, Diamandis/Kotler estão com a vantagem. Para começar, nós ainda estamos aqui. De resto avanços científicos e tecnológicos respondem pelo fato de vivermos hoje mais e, em termos materiais, muito melhor do que nossos antepassados. A expectativa de vida ao nascer saltou de 26 anos na Idade do Bronze para quase 70 anos hoje, chegando a 80 nos países desenvolvidos. A captura de calorias passou de cerca de 2.000 por pessoa por dia, a alimentação mínima necessária para sobreviver, para perdulários 228 mil no Ocidente.



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