domingo, 30 de junho de 2013

O que um papa argentino tem a ver com lobisomem?

Este blogueiro brasileiro que vos escreve tem uma certa característica que para muitos é considerada um defeito: ama a Argentina!

Uma das razões para esse sublime amor - que beira a esquizofrenia patriótica - é a capacidade dos hermanos em fazerem a sua realidade superar as mais desvairadas ficções, como na deliciosa crônica abaixo, de Ariel Palacios, para o Estadão:

O papa, o lobisomen e o ex-ditador

Em clima de fantástica lua cheia nesta semana, uma postagem antiga, atualizada para esta ocasião, sobre os lobisomens e o ditador. E um papa.

Tradicionalmente, desde 1907, na Argentina uma mãe que dê à luz a seu sétimo filho homem possui o direito de solicitar ao presidente da República que seja o padrinho da criança. O motivo desse costume foi a superstição de que o sétimo filho masculino – tal como no Brasil – tornaria-se“lobisomem”, isto é, o homem-lobo (“lobizón” na Argentina). Ou, como diziam os gregos, lykánthropos (λυκάνθρωπος).

O costume de pedir o apadrinhamento presidencial começou quando um casal de imigrantes alemães que havia residido na Rússia – Enrique Brost e Apolonia Holmann – teve seu sétimo filho homem, José Brost, na cidade bonaerense de Coronel Pringles. Os Brost pediram ao presidente José Figueroa Alcorta que fosse o padrinho. Eles argumentaram que na Rússia, país onde haviam morado, era tradição o czar apadrinhar a criança para quebrar o “feitiço” do sétimo filho. E, já que estavam na Argentina, pretendiam conseguir essa “garantia” por parte do presidente Figueroa Alcorta. O aristocrático presidente concordou.

Essa tradição, obviamente, acabou na Rússia com a Revolução de 1917, liderada por V.I.Lenin. Mas, sobreviveu na Argentina.

A esperança dos pais de um sétimo filho homem, há mais de 100 anos, era que um apadrinhamento presidencial poderia suavizar os problemas decorrentes da suposta condição“licântropa” da criança e da discriminação social. Ser afilhado do presidente incluía o benefício de bolsas de estudos para toda a vida escolar e uma medalha de ouro. Os anos passaram e a lenda do lobisomem perdeu apelo popular. Mas, o costume do batizado presidencial permaneceu. E, em 1973 foi reforçado ao ser transformado em lei (número 20.843), pelo presidente Juan Domingo Perón, em seu derradeiro governo.

Em 1977, em plena ditadura, Josefa Castillo estava no quinto mês de gravidez quando seu marido, Roberto Castillo – que trabalhava em uma fábrica de frangos, sem militância política alguma – foi sequestrado pelos militares. Desesperada, tentou liberar seu marido.

Sem conseguir, meses depois, quando deu a luz a Gastón, seu sétimo filho homem, recorreu ao apadrinhamento presidencial com a expectativa de que isso salvaria a vida de seu marido. Ela pediu e obteve – com sucesso – que o poderoso ditador argentino, o general Jorge Rafael Videla, fosse o padrinho de seu filho, seguindo a tradição presidencial.

No entanto, apesar do batizado do filho, nada conseguiu sobre seu marido. Os ossos de Roberto – com sinais de ter sofrido torturas extremas – foram descobertos em 2009. Havia sido enterrado pelos militares de forma clandestina como um indigente no município de Avellaneda.

Desde que os restos mortais de seu pai foram encontrados, seu filho Gastón tentou convencer os padres de sua paróquia a remover o general Videla de seu status de padrinho de batizado. No entanto, o jovem não teve sucesso. Um dos clérigos, indicando que remover o padrinho indigesto era mais complicado, propôs que recorresse a apostasia, isto é, que ele abjurasse do cristianismo. Mas, o jovem, muito religioso, negou-se.

Em outubro de 2010 Gastón pediu ao então cardeal Jorge Bergoglio, primaz da Argentina, que o ex-ditador fosse removido de seu status de padrinho, já que o vínculo religioso com Videla “fere, mortifica e infama o ato sagrado do batizado”.

El papa es argentino
O cardeal Bergoglio – que desde março deste ano é o papa Francisco – aceitou o pedido e determinou que o ex-ditador, autor do massacre de milhares de pessoas, não será mais o padrinho de Gastón. O jovem, que é praticante, estava livre para escolher um novo padrinho.

O escrivão do arcebispado de Buenos Aires, César Sturba, explicou que o código de Direito Canônico determina que entre as condições para ser padrinho de batizado está a de “levar uma vida coerente com a fé e com a missão que receberá”. O ex–ditador, acusado de sequestros, torturas e assassinatos, não cumpria os requisitos de “amor cristão”.

Videla, ex-“Senhora da vida e da morte”, morreu de um ataque cardíaco no dia 17 de maio sentado no prosaico vaso sanitário de sua cela no presídio de Marcos Paz, onde cumpria pena de prisão perpétua pelo seqüestro, tortura e assassinato de milhares de civis durante a ditadura militar.

SIMBOLISMO - A medida determinada por Bergoglio possui grande valor simbólico, pois trata-se de uma rejeição da cúpula Igreja Católica a Videla, embora por vias não convencionais.

Durante a ditadura a Igreja esteve intensamente alinhada com os militares. Padres católicos presenciaram torturas realizadas nos centros clandestinos de detenção e pressionaram os prisioneiros a delatar, com o encobrimento da confissão, o nome de militantes políticos que haviam conseguido escapar. Um dos clérigos envolvidos nas ações do regime militar, o capelão Christian Von Wernich, além de presenciar, protagonizou torturas nos centros clandestinos na província de Buenos Aires. Em 2007 Von Wernich foi condenado à prisão perpétua por 34 sequestros, 31 casos de torturas e sete homicídios.

No entanto, o jornalista Horacio Verbitsky, do jornal “Página 12”, acusa Bergoglio de ter colaborado com a ditadura, delatando dois jovens sacerdotes, que foram torturados. Bergoglio nega.

Leonardo Boff
O nobel da paz argentino Adolfo Pérez Esquivel e o brasileiro frei Leonardo Boff, situados mais à esquerda que Verbitsky, defendem o papa, argumentando que não colaborou com o regime militar. Ao contrário, dizem, discretamente salvou pessoas de serem presas pelo regime.

A presidente Cristina Kirchner e seus ministros não fizeram menções sobre os argumentos de Verbitsky (embora o jornalista seja um aliado fiel do governo). Na contra-mão do jornalista, após dias a eleição do novo papa sem saber como posicionar-se perante Francisco, o governo Kirchner passou à estratégia de elogiar o sumo pontífice (e até declarar que Bergoglio é peronista).

MENINAS-LOBA – Embora a lenda do lobisomem não se aplique às filhas, em 2008 a presidente Cristina Kirchner assinou um decreto que determina que o privilégio do apadrinhamento do sétimo filho não se aplicará somente aos homens, mas também às mulheres.

No entanto, diversas parlamentares, entre elas, a deputada Elisa Carrió, da Coalizão Cívica, destacam que a lei, “atualizada” com a inclusão de mulheres (a sétima filha mulher), é anacrônica. “É um privilégio que, longe de ter fundamento em um mérito, nasce da superstição da licantropia”, sustenta.



sábado, 29 de junho de 2013

EUA produzem munição com carne de porco contra radicais islâmicos

Fanatismo contra fanatismo? Será? Notícia pra lá de esquisita publicada no portal R7:

Americanos produzem munições com carne de porco para impedir muçulmanos de irem para o paraíso

A iniciativa é um protesto contra a ideia de criar um centro de cultura islâmico próximo ao Ground Zero em NY

A South Fork Industries, sediada no Estado americano de Idaho, produziu uma munição específica para matar mulçumanos. A empresa alega que essa é uma “forma de se defender daqueles que comentem atos violentos em nome do islamismo”.

Segundo o jornal Huffington Post, esta é uma iniciativa de um grupo de entusiastas por armas que se irritaram com a ideia de criar um centro de cultura islâmica próximo ao Ground Zero em Nova York, onde estavam localizadas as Torres Gêmeas.

As munições, chamadas Jihawg Ammo, foram revestidas com carne de porco e fundidas com a imagem do animal para tornar os projéteis “impuros” e impedir que os mulçumanos atingidos entrem no paraíso. Uma vez que a cultura islâmica considera pecado comer carne de porco.

De acordo com o jornal americano, no site da companhia as munições são anunciadas como “paz por meio dos porcos”. Também há anúncios como “coloque um pouco de pecado de Mohamed”.

A empresa responsável pela fabricação das munições não quis se pronunciar sobre os assuntos.



sexta-feira, 28 de junho de 2013

Quando se fazia psicologia com cigarros


É estranho dizer isso hoje, mas houve um tempo em que fumar era não só uma atitude, digamos, "chique", sinal de status social, mas também havia quem se aventurasse a descrever a personalidade de homens e mulheres observando a maneira como eles seguravam o cigarro.

As imagens abaixo, publicadas na revista americana Cape em maio de 1959, mostram essa tentativa "psicológica" que hoje soa ridícula e despropositada.

Primeiro, a descrição do "experimento":



Tradução:
A maneira como um homem segura o seu cigarro - além de outros gestos pessoais como a maneira de andar, sentar-se, suas reações nervosas e o movimento das mãos - é um sinal seguro da sua íntima personalidade. Assim diz um psicanalista de Los Angeles, Dr. William Neutra, que observa as maneiras como seus pacientes seguram os seus cigarros. Isto ajuda a expor - ou ao menos dá uma pista sobre - muitos outros fatos que seriam de outra maneira difíceis de constatar, e são necessários para se tratar o paciente com sucesso. Nessas duas páginas estão sete exemplos daquilo que o Dr. Neutra descobriu sobre os homens; além disso, dois exemplos de maneiras como as mulheres seguram seus cigarros. Curiosamente, entretanto, a psicologia dos cigarros não funciona em mulheres. De acordo com o Dr. Neutra, as mulheres são tão naturalmente afetadas na postura que delas se espera que elas frequentemente não ficam tão conscientes da maneira como seguram um cigarro, e portanto não servem como sujeitos para esse experimento.







A tradução das "conclusões":
A. Só uma suposição para esse maneirismo feminino: inseguro, com medo de perder o seu cigarro. Ela provavelmente segura o seu homem como cola [no popular, um "grude"].B. Pegada típica de uma mulher entediada com o seu parceiro. Ela tem que se concentrar no cigarro para não bocejar.C. Dr. Neutra diz que esse homem é um intelectual, um tipo muito cerebral de pessoa, com um caráter contemplativo.D. Essa pessoa é geralmente não confiável, fraca, difícil de conviver com ela, e com tendência a mentir exageradamente.E. Um indivíduo muito tenso, direto, objetivo, com tendência à teimosia.F. Uma pessoa que gosta da vida social para fazer amigos e desfrutar a alta sociedade. Típico dos milionários do Texas.G. Um cara obviamente ousado, calculista, que literalmente gosta de "brincar com fogo".H. Um sonhador, sempre saindo pela tangente.I. Muito pessimista, extremamente cuidadoso com os negócios.

Será que algum cientista se arriscaria a buscar uma maneira moderna (e saudável) de decifrar as pessoas mediante a maneira como elas interagem com certos objetos?

Fica a dica para quem quiser, por exemplo, estudar a maneira como homens e mulheres seguram os seus celulares e tablets, não é mesmo?

A fonte é o  Vintage Scans




quinta-feira, 27 de junho de 2013

Cliente paulista x garçom carioca

Em tempo de muita violência nas ruas, melhor relaxar um pouco com o nosso peculiar jeito brasileiro de ser mediante uma crônica divertida de Antonio Prata para a Folha de S. Paulo:

Cliente paulista, garçom carioca

Veja, aí estão eles, a bailar seu diabólico "pas de deux": sentado, ao fundo do restaurante, o cliente paulista acena, assovia, agita os braços num agônico polichinelo; encostado à parede, marmóreo e impassível, o garçom carioca o ignora com redobrada atenção. O paulista estrebucha: "Amigô?!", "Chefê?!", "Parceirô?!"; o garçom boceja, tira um fiapo do ombro, olha pro lustre.

Eu disse "cliente paulista", percebo a redundância: o paulista é sempre cliente. Sem querer estereo-tipar, mas já estereotipando: trata-se de um ser cujas interações sociais terminam, 99% das vezes, diante da pergunta "débito ou crédito?". Um ser que tem o "direito do consumidor" em tão alta conta que quase transformou um de seus maiores prosélitos em prefeito da capital. Como pode ele entender que o fato de estar pagando não garantirá a atenção do garçom carioca? Como pode o ignóbil paulista, nascido e criado na crua batalha entre burgueses e proletários, compreender o discreto charme da aristocracia?

Sim, meu caro paulista: o garçom carioca é antes de tudo um nobre. Um antigo membro da corte que esconde, por trás da carapinha entediada, do descaso e da gravata borboleta, saudades do imperador. Faz sentido. Para onde você acha que foram os condes, duques e viscondes no dia 16 de novembro de 1889 pela manhã? Voltaram a Portugal? Fugiram pros Açores? Fundaram um reino minúsculo, espécie de Liechtenstein ultramarino, lá pros lados de Nova Iguaçu? Nada disso: arrumaram emprego no Bar Lagoa e no Villarino, no Jobi e no Nova Capela, no Braseiro e no Fiorentina.

O pobre paulista, com sua ainda mais pobre visão hierárquica do mundo, imagina que os aristocratas ressentiram-se com a nova posição. De maneira nenhuma, pois se deixaram de bajular os príncipes e princesas do século 19, passaram a servir reis e rainhas do 20: levaram gim tônicas para Vinicius e caipirinhas para Sinatra, uísques para Tom e leites para Nelson, receberam gordas gorjetas de Orson Welles e autógrafos de Rockfeller; ainda hoje falam de futebol com Roberto Carlos e ouvem conselhos de João Gilberto. Continuam tão nobres quanto sempre foram, seu orgulho permanece intacto.

Até que chega esse paulista, esse homem bidimensional e sem poesia, de camisa polo, meia soquete e sapatênis, achando que o jacarezinho de sua Lacoste é um crachá universal, capaz de abrir todas as portas. Ah, paulishhhhta otááário, nenhum emblema preencherá o vazio que carregas no peito -pensa o garçom, antes de conduzi-lo à última mesa do restaurante, a caminho do banheiro, e ali esquecê-lo para todo o sempre.

Veja, veja como ele se debate, como se debaterá amanhã, depois de amanhã e até a Quarta-Feira de Cinzas, maldizendo a Guanabara, saudoso das várzeas do Tietê, onde a desigualdade é tão mais organizada: "Amigô, o bife era mal passado!", "Chefê, a caipirinha de saquê era sem açúcar!", "Ô, companheirô, faz meia hora que eu cheguei, dava pra ver um cardápio?!". Acalme-se, conterrâneo. Acostume-se com sua existência plebeia. O garçom carioca não está aí para servi-lo, você é que foi ao restaurante para homenageá-lo. E quer saber? Ele tem toda a razão.



quarta-feira, 26 de junho de 2013

O bom pastor alimenta suas ovelhas




Siga o exemplo!

Deputada Myrian Rios, da Canção Nova, é acusada de desvio de verba pública

Myrian Rios é a ex-atriz e ex-esposa do cantor Roberto Carlos que hoje é deputada estadual no Rio de Janeiro, ligada à renovação carismática representada pelo movimento Canção Nova, em cuja rede de TV chegou a ter um programa.

Parece, entretanto, que a função parlamentar não lhe caiu bem. Em julho de 2011 ela já havia despertado polêmica ao dizer que se contratasse uma babá lésbica, esta poderia praticar pedofilia com suas filhas (se elas fossem meninas).

Já em janeiro de 2013, Myrian Rios conseguiu fazer aprovar uma lei intitulada "Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais”, com o objetivo declarado de que "serão desenvolvidas ações essenciais que contribuam para uma convivência saudável entre pessoas, estabelecendo relações de confiança e respeito mútuo, alicerçada em valores éticos, morais, sociais, afetivos e espirituais, como instrumento capaz de prevenir e combater diversas formas de violência".

Vem à tona agora, via coluna do Ancelmo Góis n'O Globo de 25/06/13, a denúncia de que Myrian Rios usa verba pública para combustível em carro particular, e de que, mesmo assim, ela ainda exigia ressarcimento da Canção Nova quando ia à sede da organização em Cachoeira Paulista.

Cá entre nós, a deputada fluminense vai ter que rebolar um bocado para defender os seus tais "valores morais e éticos":

Deputada é acusada de usar verba pública em carro particular

Um gasto de R$ 386,12 com combustível num só dia - dinheiro suficiente para abastecer dois tanques e meio de um Bora - e o relato de um ex-motorista da deputada do Rio Myrian Rios (PSD) podem comprovar a suspeita levantada pelo GLOBO: recursos do cartão-combustível da Alerj são facilmente desviados. Anderson Souza da Silva, de 35 anos, que por cerca de um ano e meio dirigiu o carro da parlamentar, diz que ela usou verba pública para abastecer o carro particular dela e até o da irmã, Maria Helena. A deputada não quis comentar as acusações.

Os casos teriam acontecido em 2011, quando o sistema de abastecimento da frota da Alerj era administrado pela Sodexo do Brasil. Em abril deste ano, como a coluna noticiou, os cartões-combustível passaram a ser gerenciados Trivale Administração (Vale Card), cujos sócios são réus em processos de lavagem de dinheiro e até uso de trabalho escravo. O contrato é de R$ 2.656.800. Ainda em abril, o MP do Rio abriu inquérito para investigar o caso.

Anderson Silva conta que o cartão ficava com a própria deputada ou com Maria Helena, irmã dela, que não é funcionária do gabinete. Com isso, todo o abastecimento era feito com permissão de uma das duas.

- O chefe de gabinete dizia para ela não usar o cartão no carro particular, mas ela falava que era benefício dela. Lembro que, por duas vezes, usaram o cartão até para abastecer o carro da Maria Helena, que era um Vectra na época.

O GLOBO teve acesso a uma planilha com os gastos do cartão-combustível da deputada Myrian Rios entre agosto e outubro de 2011. Uma análise nesses dados reforça as acusações do ex-motorista. Naquele trimestre, houve dia em que o cartão foi usado três vezes e a soma dos gastos permitiria comprar mais combustível do que pode comportar o tanque de 55 litros de um Bora, o carro oficial dos deputados.

Foi o que aconteceu em 17 de agosto. Há um gasto de R$ 164,64 no Piraquara Auto Posto, em Realengo, um de R$ 161,50 no Posto Aconchego, em Senador Camará, e outro de R$ 59,98 no Posto Quatro Estrelas, no Humaitá.


O total é de R$ 386,12. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, o preço médio do litro da gasolina naquele período era de R$ 2,82. Portanto, pela média, seria possível comprar somente naquele dia 137 litros, o que equivale a dois tanques e meio de um Bora.

O gasto no Piraquara é suficiente para encher o taque do carro oficial. Contudo, um abastecimento semelhante é feito no Posto Aconchego, que fica distante 7,2 km. Aliás, com o volume comprado naquele 17 de agosto de 2011, o carro oficial da deputada teria combustível para ir a Belo Horizonte e voltar.

No dia 3 de outubro de 2011, cartão da parlamentar foi usado novamente três vezes num mesmo dia. O gasto total foi de R$ 206,59. Em outras oito ocasiões, o gasto diário passou dos R$ 200, tendo o cartão sido usado duas vezes num mesmo dia. Em 10 de agosto, por exemplo, o gasto foi de R$ 333,28.

De agosto a outubro de 2011, o cartão da deputada Myrian Rios foi usado para pagar 70 abastecimentos. Todos na cidade do Rio. Quinze deles foram feitos no Posto Pequena Cruzada, na Lagoa, próximo à casa da parlamentar.

- O cartão da Alerj só era usado nesse posto para abastecer o carro particular da deputada. Eu abastecia o carro oficial em postos na Zona Oeste, perto da minha casa – conta Silva.

Nesse período, o total de gastos do cartão-combustível neste posto na Lagoa foi de R$ 1.632,33. Aliás, no Pequena Cruzada, o cartão da Alerj foi usado, no dia 21 de outubro, para realizar uma compra de R$ 3. O ex-motorista diz não saber o que foi comprado.

Anderson Silva revela algo ainda mais grave do que o uso do dinheiro público para fins particulares.

Uma vez por mês, Myrian Rios vai à sede da rádio católica Canção Nova, em Cachoeira Paulista, em São Paulo, gravar um programa religioso, atividade sem qualquer relação com seus compromissos parlamentares.

O ex-motorista conta que, nestas viagens, eles iam no carro particular da deputada. Mas o veículo era sempre abastecido com o cartão da Alerj. E na sede da Canção Nova, segundo Anderson, Myrian apresentava as notas fiscais referentes ao abastecimento e pedia ressarcimento.

- Uma vez até levei uma bronca porque esqueci de pegar a nota - conta.

Segundo um deputado estadual do Rio, que pediu para não ser identificado, há uma orientação para que o cartão-combustível só seja usado apenas em "missões parlamentares".

- O deputado pode até abastecer o carro particular desde que esteja usando o veículo para algo que tem relação com seu mandato, com suas obrigações parlamentares. Cabe a corregedoria da Alerj analisar se houve quebra de decoro nesses casos - explica o político, que analisou o caso sem saber das acusações contra a colega de parlamento.

Anderson trabalhou com Myrian Rios de meados de 2010 até 1º de novembro de 2011. Ele foi indicado por um membro do PDT, antigo partido dela. Mas, em outubro de 2011, a deputada migrou para o PSD e demitiu os funcionários com ligação com o PDT, inclusive Anderson. As exonerações foram publicadas no Diário Oficial de 3 de novembro daquele ano. No dia em que foi demitido, ele fotografou com o próprio celular o painel do carro. Segundo ele, para se proteger de qualquer acusação. Em outubro, o veículo, que era usado há nove meses, tinha 34.163 quilômetros rodados.

- Eles poderiam dizer que eu tinha rodado a mais com o carro, então tive a ideia de fazer a foto - conta.

A deputada Myrian Rios foi procurada e no dia 27 de maio deste ano informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não tem nada a declarar sobre esse assunto". Quase um mês depois, a parlamentar permaneceu em silêncio.



Comissão da Câmara abre porta para igrejas questionarem constitucionalidade de leis

Vem mais uma PEC aí! A notícia é do Estadão:

Comissão aprova proposta que dá poder para igrejas questionarem leis no STF

PEC amplia número de entidades aptas a propor ação direta de inconstitucionalidade

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira, 27, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 99/11, do deputado João Campos (PSDB-GO), que inclui as entidades religiosas de âmbito nacional entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Entre estas entidades estão, por exemplo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Nacional. A PEC será analisada por uma comissão especial e, em seguida, votada em dois turnos pelo plenário.

Atualmente, só podem propor esse tipo de ação o presidente da República, a mesa do Senado Federal, a mesa da Câmara dos Deputados, a mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, governadores de Estado ou do Distrito Federal, o procurador-geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Para João Campos, a PEC significa uma “ampliação da cidadania e do acesso à Justiça”. “Alguns temas dizem respeito diretamente às entidades religiosas. A questão da imunidade tributária, por exemplo, assim como a liberdade religiosa e o ensino religioso facultativo, entre outros. Se tivermos em algum momento alguma lei que fere um desses princípios não teríamos como questionar isso no Supremo. Com a proposta, estamos corrigindo uma grave omissão em que o constituinte incorreu ao deixar essa lacuna”, argumentou o autor da PEC 99/11.



terça-feira, 25 de junho de 2013

Kanye West quer ser Jesus

Tem sempre alguém na cena pop querendo chamar a atenção na base da apelação. o rapper Kanye West é "o" bola da vez, segundo a Folha de S. Paulo publicou em 24/06/13:

Só Yeezus salva

THALES DE MENEZES

Na década de 1960, John Lennon levou pancada de todos os lados quando disse que os Beatles eram mais famosos do que Jesus Cristo.

Em 2013, o rapper americano Kanye West, 36, talvez seja a coisa mais próxima dos Beatles inserida na cena pop.

Não por seus estilos musicais, bem diferentes, mas pela popularidade entre o público jovem. Nestes tempos, West não se acha mais popular do que Jesus Cristo. Ele se considera o próprio.

"Yeezus", o nome de seu sexto álbum, denomina um alter ego divino que o cantor assume em um álbum curto, direto, cru. Em uma das faixas, "I'm a God", ele -Yeezus- conversa com Jesus. Como sempre, cheio de marra.

O disco transcende o hip-hop. Ao contrário do anterior, "My Beautiful Dark Twisted Fantasy", de 2010, exagerado, megalomaníaco, este é enxuto, quase monolítico.

West e o produtor Rick Rubin mexeram nas faixas até poucos dias antes do lançamento de "Yeezus". Segundo o cantor, Rubin não "produziu" o disco, ele o "reduziu", tirando todos os excessos.

Com apenas dez faixas e 40 minutos de duração, passa em vários momentos a sensação de que o ouvinte só tem a voz do rapper e a percussão eletrônica para escutar.

Esse percussão é pesada, metálica, estridente, agressiva até, como no rock industrial de um Nine Inch Nails.

O mistério de West é como ele consegue, com tão pouco, exibir tantas referências. As músicas vão do house oitentista de Chicago ao dancehall, passando pelo estilo robótico das fases anteriores do Daft Punk -não por acaso, a dupla francesa produz três faixas de "Yeezus".

SEM CAPA

A opção minimalista do projeto não fica restrita ao som. O disco não tem capa nem encarte. É vendido numa caixa de acrílico transparente, dessas comuns de CD.

Tem, na frente da caixinha, um adesivo vermelho que serve para fechar a embalagem e, atrás, outro adesivo com a relação de samples usados no disco -West é obrigado por lei a exibir essa informação.

Nas letras, a prepotência continua, mas o discurso é amargurado e angustiado. "On Sight", "Sent It Up" e "Black Skinhead" são exemplos de faixas que jogam os ouvintes longe de qualquer zona de conforto.

"Yeezus" é experimental, tão instigante que chega a incomodar. É um disco hostil.

O impacto sonoro provocado por "Yeezus" ofusca a vida louca do artista, colecionador de desafetos. Nos dias após o lançamento do álbum, as pessoas estão mais ocupadas em destrinchar suas letras do que conferir a última briga do astro na internet.

Poucas vezes um disco tão perturbador chega ao mercado. Parece que West pegou o que tinha mostrado em outros álbuns e cortou fora tudo que soava bem resolvido, acessível ao grande público.

E, mesmo assim, ainda é capaz de arrebatar fãs -eis a grande magia do cara que leva o hip-hop a um patamar completamente novo.



Feliciano chega a Hollywood com uma inimiga poderosa: Cher

A (má) fama de Marco Feliciano transpõe fronteiras, mas continua no terreno fértil da mídia, é claro.

É que o festejado "pastor" e deputado acaba de ganhar uma inimiga americana, a atriz e cantora americana Cher, que tem um Oscar de melhor atriz (por "O Feitiço da Lua", de 1988) no currículo. 

Quanto mais diva e Hollywood melhor, né não, Feliciano? A matéria é da Contigo:

Ícone gay, Cher critica Marco Feliciano: ''Ele chama a si mesmo de cristão?''

Em resposta a um fã no Twitter, cantora se manifestou contra o projeto de ''cura gay'', defendido pelo deputado

As polêmicas em relação ao deputado Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos, não se limitam ao Brasil. Conversando com um de seus seguidores no Twitter, a cantora americana Cher, de 67 anos, mostrou que está ciente do trabalho do deputado – e que não aprova seu discurso.

"Gays são legais, mas há pessoas os tratando como doentes aqui no Brasil", disse um fã para a cantora. "Eu sei! O terrível Marco Feliciano quer tornar a homossexualidade uma 'doença'! Ele chama a si mesmo de cristão? Que m***a", respondeu Cher, frequentemente apontada como um ícone gay.

O momento é oportuno para o comentário. A cantora e atriz vai se apresentar na Parada do Orgulho Gay de Nova York, que acontece no próximo dia 30. No Twitter, ela comentou que está entusiasmada com o evento: "Parece estranho, mas não consigo me lembrar de uma época em que eu não estava rodiada de amigos gays. (...) Sempre os melhores!".

Cher também se prepara para lançar seu primeiro disco em 12 anos. Batizado de Closer To The Truth (Mais Perto da Verdade), o álbum chega às lojas dos EUA em 24 de setembro. Ainda não há data de lançamento no Brasil.




Pesquisa relaciona pênis pequeno a obsessão por musculação

Dando sequência à inexaurível seção "pesquisas inúteis", só que dessa vez relacionadas a fetiche, a matéria vem do portal F5 da Folha:

Pênis pequeno pode levar a obsessão por musculação, diz cientista

Um novo estudo concluiu que os homens se preocupam com o tamanho do próprio pênis principalmente por causa dos amigos, e não tanto por causa de suas parceiras.

Segundo a pesquisa, a competição com outros homens leva muitos a ficarem obcecados pelo corpo e por musculação.

A doutora Annabel Chan Feng Yi, da universidade de psicologia de Victoria, entrevistou 738 homens entre 18 e 76 anos sobre imagem corporal.

A maioria dos pesquisados eram inseguros em relação ao peso, forma física e tamanho do pênis.

E boa parte admitiu que a preocupação maior com o tamanho do pênis era em relação ao que os amigos pensam, e não tanto em relação às namoradas ou mulheres.

"A preocupação dos homens com o tamanho pouco tem a ver com o desempenho sexual. Na verdade, tem muito mais a ver com competição entre outros homens. A maioria sente insegurança em lugares que outros homens possam ver seu pênis, como em vestiários, mas se sentem seguros na cama", explicou a doutora Chan.



segunda-feira, 24 de junho de 2013

Internet acabou com os jornais e agora é a vez da TV

Embora, cá entre nós, a saída do Gugu da Record se deva creditar mais à sede do Edir Macedo em utilizar sua fortuna para varrer o Valdemiro Santiago dos horários pagos em outras redes de televisão, não deixa de ser muito interessante a análise abaixo, publicada no Diário do Centro do Mundo:

A saída de Gugu é um marco na consolidação da Era Digital na Mídia

PAULO NOGUEIRA

A internet primeiro massacrou a mídia impressa; agora é a vez da tevê.

A saída de Gugu da Record é um marco no mundo da mídia, menos por ele e mais pelas circunstâncias.

O que está dito, ali, é que a Era Digital, depois do massacre da mídia impressa, vai avançar ferozmente sobre a televisão.

A lógica é a mesma, e o roteiro também.

A internet reduz a audiência da tevê e, com isso, deixa insustentáveis os patamares de receitas publicitárias com os quais as emissoras se habituaram.

Lembre. Se a mídia impressa tinha outra fonte de receita – os assinantes – a tevê aberta depende da publicidade.

E o crescimento avassalador da internet levou num primeiro momento os anunciantes a deslocar seus investimentos da mídia impressa para o universo digital.

Concluída essa transição, a próxima vítima do deslocamento das verbas é a tevê. Não há BV, não há nada capaz de convencer anunciantes a colocar dinheiro em programas de tevê que ninguém mais vê.

Alguns anos atrás, a queda da tiragem dos jornais e das revistas prenunciavam o desastre publicitário. Agora, é o colapso generalizado das audiências de televisão.

Parece que as audiências de 60%, 70% da Globo pertencem a uma passado remoto. Quase todos os campeões de Ibope da emissora são uma fração do que foram.

Repare quantas vezes você lê que uma novela teve o pior Ibope da história, ou que o Faustão desceu ao abismo da audiência lado a lado com o Fantástico e outras marcas que vão sumindo das conversas e se tornando anacronismos na Era Digital.

Recentemente, vimos o esforço da Globo para promover o novo programa de humor. O resultado do empenho se traduziu numa medíocre audiência de 12%, e que aponta para baixo.

Num artigo publicado na última edição da revista americana GQ, o jornalista e escritor Michael Wolff prestou um tributo a um ‘mundo morto’ em sua Nova York – aquele em que a capa da Time era esperada com ansiedade, e em que os figurões da mídia tradicional eram reverenciados.

“Acabou”, lamentou ele. Ninguém mais na cidade conhece os jornalistas que causavam sensação. Quanto à Time, a empresa proprietária tentou se desfazer dela, mas não encontrou comprador.

Uma visita ao imperial prédio da revista mostrou a Wolff que a redação estava com aparência desoladora. Ele notou, melancólico, até a sujeira provocada por restos de fast food.

O sentimento de fim dos dias de que fala Wolff é facilmente percebido também no Brasil.

Quem ainda lê revista, quem ainda assina jornal — quem reserva a noite de domingo para ver o Fantástico?

As demissões que estão sendo feitas nas empresas de mídia apenas refletem esse cenário.

Não se trata de enxugar para se curar. Trata-se, isso sim, de enxugar para adiar a morte.

É dentro desse quadro fúnebre que se deve entender a saída de Gugu da Record.

Não cabe, nele, um salário de 3 milhões de reais, fora as despesas de produção. Onde a audiência para convencer os anunciantes a comparecer, onde o dinheiro para honrar a folha de pagamentos?

Onde a esperança de qualquer melhora no futuro?

A desintegração do mundo da mídia tal como o conhecemos vai ser um processo longo, sangrento, sofrido.

Com o tempo, as coisas vão se ajustar digitalmente. O jornalismo não está morrendo, por exemplo, ao contrário do que alguns dizem: está migrando de plataforma, apenas.

Mas até que a nova ordem se estabeleça, no espaço de alguns anos transientes que serão turbulentos para os velhos protagonistas, muito drama ocorrerá sob nossos olhos.



domingo, 23 de junho de 2013

Hannah Arendt, o filme

Hannah Arendt, a filósofa alemã de origem judaica que viveu em plena era nazista, da qual - felizmente - teve tempo de fugir, é uma personagem que já tivemos oportunidade de abordar com mais riqueza de detalhes na resenha que fizemos do seu livro "Eichmann em Jerusalém".

Chega agora a ótima notícia de que a sua riquíssima e controvertida vida foi transposta para as telonas, conforme você pode conferir pelo artigo do IHU e pelo vídeo que segue logo abaixo.

De brinde para os admiradores da brilhante "filósofa" (epíteto que ela não gostava) vai ainda a entrevista completa de Hannah Arendt ao programa da TV alemã "Zur Person" em 1964, com legendas em inglês:


O pensamento de Hannah Arendt em um filme fascinante

A diretora Margarethe von Trotta, cujo numinoso filme de 2009 Visão contou a história da vida de Santa Hildegarda de Bingen, se debruçou sobre a história de outra mulher influente, a filósofa e teórica política Hannah Arendt (1906-1975).

A análise é da irmã paulina norte-americana Rose Pacatte, diretora do Pauline Center for Media Studies de Los Angeles. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 25-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Hannah Arendt começa em Nova York, em 1960, onde Arendt (Barbara Sukowa), uma imigrante alemã e judia secular, escreve e ensina em uma universidade. Quando o Mossad, a agência de inteligência israelense, captura o oficial nazista Adolf Eichmann e o leva clandestinamente a Jerusalém para ser julgado, Arendt, que tem um grande interesse filosófico no totalitarismo, discute com seu marido, Heinrich (Axel Milberg), sobre o fato de pedir que William Shawn (Nicholas Woodeson), o editor da revista The New Yorker, a envie para cobrir o julgamento iminente para a revista. Shawn hesita, porque, como observa o seu assistente, "os filósofos não obedecem prazos". Mas ele concorda, e Arendt parte para Israel em 1961.

O filme gira em torno da cobertura de Arendt do julgamento para a revista e das suas aulas que abordam as controvérsias que os artigos despertam em seu retorno.

Arendt fica atordoada quando fica sabendo que o réu será mantido em uma "jaula" de vidro durante o julgamento (para protegê-lo) e questiona a legitimidade da jurisdição de Israel para interrogar um homem por crimes não cometidos lá, cometidos, de fato, mesmo antes que Israel fosse um país. Ela pensava que o único interesse do tribunal era aderir às exigências da justiça para os assassinatos cometidos por Eichmann, mas o julgamento era mais complicado do que isso por causa do seu papel como um burocrata que, ao compartimentalizar a sua consciência, facilitou a "Solução Final" e as mortes de milhões de pessoas.

Assim, o tribunal foi confrontado com um crime que ele não conseguiria encontrar em um livro de direito e com os gostos de um criminoso que ele nunca tinha visto antes. O primeiro-ministro David Ben-Gurion estava determinado a realizar um julgamento de fachada, e testemunhas após testemunhas contaram as atrocidades nazistas cometidas contra elas e suas famílias, enquanto Eichmann afirmava, e nunca vacilava, que ele nunca tinha matado ninguém.

Mesmo assim, segundo Arendt, o tribunal "tinha que definir um homem em julgamento por seus atos", porque não era possível interrogar um sistema ou uma ideologia.

As reportagens de Arendt na New Yorker distinguiam entre o mal radical de uma ideologia e o mal banal de um burocrata que seguia a lei. Os leitores de Arendt não conseguiam compreender as complexidades que ela estava tentando enfatizar e acusaram-na de tomar o lado de Eichmann. As polêmicas aumentaram quando o julgamento levantou a questão dos líderes judeus que haviam trabalhado com a Gestapo durante a Segunda Guerra Mundial e que talvez haviam facilitado as mortes dos judeus. Arendt informou o fato, mas seus leitores interpretaram isso no sentido de que ela culpava o povo judeu pelas suas próprias mortes.

Eichmann, o organizador das deportações judaicas e dos campos de extermínio, logo havia defendido em sua defesa que ele só tinha "obedecido ordens". Como Arendt explica para os seus alunos em Nova York depois do julgamento, "ele insistia em renunciar a sua culpa pessoal. Ele não tinha feito nada por iniciativa própria". Em suma, Eichmann preferiu não pensar. Ele foi junto com a multidão.

Como uma filósofa que estudara com Martin Heidegger (1889-1976), com quem ela teve um intenso caso de amor, os escritos de Arendt se focavam em como a capacidade de uma pessoa de pensar é o que faz dela humana e um membro da sociedade. Os seus pontos de vista sobre abrir mão das habilidades de pensamento crítico aos outros é central para as conclusões que ela tirou do julgamento, ao qual ela via como "a totalidade do colapso moral que os nazistas causaram na respeitável sociedade europeia".

Poucas pessoas, mesmo na academia, entenderam a sua resoluta abordagem de filósofa ao relatar e avaliar as complexidades que ela via em torno do julgamento de Eichmann. Arendt ataca os seus críticos, muitos dos quais eram amigos íntimos, dizendo que os assassinatos de caráter não são argumentos, que "entender é a responsabilidade de qualquer pessoa que tenta colocar a ponta da caneta no papel sobre esse assunto", porque "tentar entender não é o mesmo que perdoar".

Na cena final do filme, Arendt responde à insistência de Eichmann de que ele estava apenas fazendo o seu trabalho e que, pessoalmente, não matara ninguém. "O maior mal do mundo é o mal cometido por ninguém", diz ela. "O mal cometido pelos homens sem motivo ou convicção, sem um coração perverso ou palavras demoníacas é o que eu chamo de 'banalidade do mal'".

Hannah Arendt, coescrito por Von Trotta e Pam Katz, não é um filme biográfico em larga escala, embora haja flashbacks à vida de Arendt quando estudante. O diálogo preenche os detalhes da sua breve internação em um campo de prisioneiros francês. O filme flui facilmente do inglês para o alemão, embora demore um pouco para se acostumar com o inglês com sotaque alemão de Sukowa. O seu desempenho é simplesmente justo. Von Trotta e Sukowa, que também interpretou Hildegard, fazem uma equipe formidável nessas histórias sobre mulheres fortes e influentes.

O roteiro parece em grande parte baseado no livro de Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal, que inclui, com algumas edições de Arendt, os artigos publicados na New Yorker. Publicado pela primeira vez em 1963 nos Estados Unidos, o livro não foi publicado em Israel até o ano 2000. Eu descobri que a edição de 2006 do livro, com uma introdução de Amos Elon, faz uma excelente companhia para o preenchimento das questões que o filme de Von Trotta levanta.

Outra importante intelectual norte-americana da época, Mary McCarthy (Janet McTeer), é uma grande amiga de Arendt. Elas compartilham conversas sobre amor e relacionamentos. McTeer parece estranha, mas se encaixa na minha imagem dela como romancista e crítica. Embora Arendt perca seus amigos e colegas homens nas polêmicas após a série da New Yorker, seu marido fica ao lado dela. O filme termina como começa: com Arendt fumando um cigarro, pensando.

Eu achei o filme fascinante, embora o seu estilo expositivo possa não agradar a alguns. A inclusão de imagens de arquivo do julgamento de Eichmann é arrepiante, enquanto ele professa a inocência pelas mortes de 6 milhões de pessoas. Mas se você for como eu e se lembrar da captura e do julgamento de Eichmann na televisão (eu era muito jovem para apreciar a revista New Yorker), esse filme e as profundas questões que ele evoca sobre o mal e a responsabilidade humana, a legitimidade da tortura e a jurisdição nessa era de guerra como vida normal, assim como os terríveis episódios de genocídio no fim do século XX e início do século XXI, com as pessoas fazendo pouco ou nada para detê-los, valerão muito o seu tempo.








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