De maneira inadvertida, por causa de um hino e do furor nacionalista, as Testemunhas de Jeová terminaram se envolvendo no imbroglio da ópera bufa e tragicômica que Índia e Paquistão insistem em encenar.
Detalhe sinistro: além da população gigantesca nos dois lados, os países em questão têm um arsenal militar imenso que dispõe de bombas atômicas.
A notícia foi publicada no Estadão em 16/02/17:
Cantar o hino pode passar a ser obrigatório
a estudantes indianos
Buscar formas para reforçar o nacionalismo indiano passou a ser uma preocupação do governo de Narendra Modi
Primeiro, foi o cinema. Agora, as escolas. A execução do hino nacional passou a ser um dever na Índia antes de cada sessão de cinema desde o fim do ano passado, com prisão de quem teimar em ficar sentado. Agora, o governo quer expandir a medida para as escolas.
O problema é que a obrigação de cantar o hino é incompatível com uma norma de mais de 30 anos que isenta crianças pertencentes a alguns credos, como as Testemunhas de Jeová, de entoar o hino. O argumento é que isso equivaleria a uma forma de adoração.
A Suprema Corte quer revisar o julgamento de 1986 que favoreceu as crianças dessa corrente religiosa. A decisão de então considerou que forçá-las a cantar o hino seria ilegal. Segundo o jornal Indian Express, o tribunal afirma que a discussão, neste momento, é necessária porque “é extremamente importante estimular um senso de nacionalismo desde a infância”.
Buscar formas para reforçar o nacionalismo indiano passou a ser uma preocupação do governo de Narendra Modi desde a escalada na violência na Caxemira, em julho. As tensões entre a Índia e o Paquistão foram elevadas após a operação de repressão de forças indianas contra a dissidência na parte da Caxemira controlada por Nova Délhi. Os dois países, donos de armas nucleares, disputam o território.
Em setembro, os cinemas paquistaneses pararam de exibir filmes da Índia em “solidariedade” às Forças Armadas do país. As relações pioraram mais quando militantes mataram 18 soldados em um ataque a uma base do Exército indiano que a Índia atribui aos paquistaneses. Em resposta, a Índia realizou “ataques cirúrgicos” na Caxemira administrada por Islamabad, uma manobra que o Paquistão repudiou.
A disputa na indústria do entretenimento cresceu. A Associação Indiana de Produtores Cinematográficos, uma entidade pequena de cineastas, proibiu seus membros de contratarem atores paquistaneses. A mídia indiana, ainda em setembro, noticiou que o líder de um partido regional de direita, Maharashtra Navnirman Sena, deu um prazo de dois dias para atores paquistaneses deixarem a Índia ou serem “empurrados para fora”.