quarta-feira, 2 de junho de 2010

As benzedeiras evangélicas

Dona Zefina era a benzedeira oficial da cidade em que nasci e cresci. Naquele tempo, não tão longínquo assim (anos 70), as benzedeiras estavam sempre a postos para os problemas corriqueiros de quebranto, mau-olhado, espinhela caída, e tantas outras crendices populares que as apontavam como única e melhor solução. Filho de uma família católica não praticante, a exemplo da imensa maioria das famílias da cidade, minha mãe sempre me levava para a D. Zefina benzer ao menor sinal de algum problema misterioso que só a superstição conhecia. D. Zefina era uma senhora negra já idosa, que, com suas rezas e águas bentas, sustentava a família enorme e humilde. Não cobrava nada pelos seus “serviços”, mas todo mundo sempre deixava uma lembrancinha. Lembro-me que ela gostava particularmente das sandálias e dos chinelos que minha mãe lhe dava (havaianas, é claro!). O ritual de “benzimento” era um espetáculo à parte, prova cabal do sincretismo dos rituais católicos com a pajelança e a religiosidade africana. Minha alma de criança achava aquilo tudo lindamente misterioso. Sentávamos num cubículo escuro, na frente de imagens de santos e muitas velas coloridas, enquanto D. Zefina movia um terço pra lá e pra cá, hipnoticamente, pronunciando repetitivamente palavras incompreensíveis, que meus amigos e eu, na nossa ingenuidade, tentávamos reproduzir na escola, algo como “santeverezesp, santeverezesp, etc.”. Fazia também pausas intermináveis enquanto bocejava deliciosamente fazendo um ruído bem alto, capturando-nos numa espécie de encanto infantil. Afinal, éramos todos crianças no espírito, sem saber exatamente o que significava todo aquele misticismo.

O tempo passou, eu me converti a Cristo, e deixei as coisas de menino, embora visse nisso tudo uma busca incessante de Deus, ainda que em lugares e por modos equivocados. Na verdade, foi Ele que me alcançou, hoje bem sei. Perambulei por cidades maiores, e nunca mais soube da D. Zefina. Gostava dela, espero que tenha tido oportunidade de conhecer a Verdade. Entretanto, conforme fui crescendo na fé e conhecendo mais irmãos e igrejas, deparei-me com, digamos, “fenômenos” parecidos com o da D. Zefina. Sempre havia uma irmã que fazia “orações” ou tinha “revelações” para uma série de pessoas – não necessariamente crentes – que as procuravam e - geralmente - deixavam alguns "presentinhos". Não evangelizavam, não queriam saber da vida das pessoas, se alguém seria prejudicado injustamente se os pedidos fossem atendidos, nem se eles eram lícitos e decentes. Oravam por atacado. De vez em quando, aparecia alguém com um recado de uma irmã que tinha tido uma revelação sobre algo ou alguém, e a coisa tomava rumos tão místicos como aqueles da benzedeira da minha infância. D. Zefina pelo menos era honesta e autêntica no seu misticismo caboclo. Com o crescimento da população evangélica (infelizmente em quantidade e não em qualidade), este fenômeno tomou ainda mais vulto. Hoje, em qualquer cidade do interior ou bairro das metrópoles, sempre tem uma irmã que as pessoas procuram, independentemente de suas crenças, para “receberem” uma oração. Geralmente, são mulheres as que oram, e estão vinculadas a uma igreja pentecostal (ou neopentecostal), sem esquecer dos muitos pastores que prometem uma “oração forte”, eufemismo para “reza braba”. Imagino que há muitas irmãs que exercem este ministério de maneira sincera e com simplicidade de coração, inspiradas e autorizadas por Deus, mas me preocupa o fato de que muitas outras não só estejam enganadas a respeito do que creem, como também enganam os que as procuram, incapazes que são – estes últimos - de dirigir-se diretamente a Deus, talvez por O negarem no seu íntimo, mas não dispensarem uma ajudinha extra de alguém que eles desconfiam que têm um canal direto com a divindade, seja ela qual for. Parece que há muito tempo estamos vivendo um renascimento do montanismo, movimento herético que assolou a nascente igreja cristã do segundo século. Fundado por Montano, que se fazia acompanhar de duas profetisas de nome Priscila e Maximila, o montanismo pregava, basicamente, que eles haviam inaugurado a Era do Paráclito, ou seja, que as suas visões e profecias vinham diretamente do Espírito Santo e, portanto, as suas palavras tinham autorização divina que as faziam dignas de respeito e obediência. Nada muito diferente do que tem acontecido ultimamente com tantos intermediários místicos que alegam ter o mesmo acesso privilegiado ao Deus cristão. Não se fazem mais benzedeiras como antigamente, mas as "profetisas" continuam as mesmas.

Pensando bem, o sono transmitido por aquele bocejo da D. Zefina curava qualquer mau-olhado que uma criança pudesse ter. Duro mesmo é a igreja evangélica brasileira despertar do seu sono letárgico. O sincretismo venceu...

3 comentários:

  1. Sessão espírita evangélica:
    Enquanto tiver quem bata palma, terá doido dançando.


    PAZ.

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  2. Acredito em benzimento e rezas pois todas sao feitas em o nome de Jesus Cristo, nunca vi e nem ouvi alguem benzer em o nome de satanás, logico que usam velas galhos de plantas ou outros objetos, mas o necessario e a fé e a confiança em Deus. Existem os anjos, arcanjos e os santos para reforçar o pedido de oração junto a Deus, mas os evangelicos desprezam muito os santos sendo que eles querem ser santos tambem, sera que sao santos mesmo? Principalmente esses pastores, pois eu so conheço um pastor na vida que se chama Jesus Cristo esse e o verdadeiro Pastor pois nao cobra nada de ninguem a nao ser a fé.

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