domingo, 23 de agosto de 2015

Após trauma do hino, Vanusa diz que "isso tudo é frescura"


Entenda o porquê na interessante entrevista que ela deu ao Estadão de 21/08/15.

Leia até o final, vale a pena:

Depois do trauma, Vanusa anuncia disco novo e tem obra relançada

Seis anos depois de ser ridicularizada por uma interpretação do Hino Nacional, a cantora comemora retorno e diz que ainda sofre da Síndrome do Pânico que desenvolveu depois do episódio

Julio Maria

Aos 2 minutos e 27 segundos do Hino Nacional, Vanusa procurou por uma palavra na folha de papel à sua frente e não encontrou. Sentia-se mal, sob o efeito de remédios, e insegura por não saber os versos de cor. Depois de “és belo, és forte” vacilou, trocou “impávido colosso” por “és risonho” e a Assembleia Legislativa que a assistia em continência petrificou. Na sequência, a cantora perdeu também o controle da melodia e seguiu um calvário por cinco minutos e meio como se caminhasse lentamente para a própria execução.

Vanusa ainda luta para se recuperar do que ela chama de um de seus maiores sofrimentos. Quando percebeu o devastador alcance de um vídeo de sua performance colocada no YouTube, decidiu não cantar nunca mais. Entrou em profunda depressão, ficou internada por seis meses com quadro de Síndrome do Pânico e, mesmo depois da alta, seguiu em fases de total reclusão, seções de terapia e muitos medicamentos.

Aos 67 anos, seis depois do episódio, ela sente que a virada está próxima. Seu primeiro disco em 20 anos, com produção de Zeca Baleiro, será lançado no próximo mês e duas caixas com oito CDs resgatados pelo selo Discobertas, do produtor Marcelo Fróes, com o que ela fez de melhor em sua carreira, entre 1967 e 1979, já estão sendo distribuídas. Vanusa abriu a porta de seu apartamento na Avenida Rio Branco para o Estado. Fumando bastante, mas tranquila, parecia desarmada de rancores e leve para concluir até mesmo que o Hino Nacional que quase a enterrou viva tem sido uma porta de entrada para que outras gerações a conheçam.

Não atrapalha o fato de verem você ainda como uma integrante da Jovem Guarda?

Pois é, me chamaram agora mesmo para uma festa dos 50 anos da Jovem Guarda. Gente, esse povo não coloca na cabeça que eu não fiz parte da história da Jovem Guarda! Havia dois grupos. O do Roberto Carlos na TV Record e o do Eduardo Araújo, Carlos Imperial e Os Incríveis na Excelsior. Eu fazia parte desse último. Um dia, recebi o convite para fazer o programa do Roberto e fui. Mas foi o último programa do Roberto. Eu não era da Jovem Guarda, não usava aquelas roupas, tinha um estilo próprio. E minhas músicas eram diferentes.

Havia muito rock and roll naqueles seus discos dos anos 70...

Olha aqui (mostra que veste uma camiseta de Janis Joplin). Eu ouvia Bob Dylan, Janis, Doors. Meu pai era técnico de eletrônica e recebia LPs de clientes que não tinham dinheiro para pagar o trabalho dele. Você já ouviu minha What To Do?

Sim.

Então, disseram até que ela foi uma cópia da música do Black Sabbath (Sabbath Bloody Sabbath), mas pedi uma pesquisa e concluíram que eles lançaram a música depois de mim (os dois álbuns saíram em 1973). Se alguém copiou alguém, então, foram eles.

A música que você fez nesta época não deveria tê-la aproximado mais da MPB?

Era essa a minha ideia, eu queria exatamente isso. Eu adorava letras, fui a primeira pessoa a gravar Zé Ramalho (Avohai).

Mas o que a impediu de fazer parte desse cenário?

O preconceito, o fato de me enxergarem como cantora de iê-iê-iê. Mas eu não dava muita bola para isso, consegui passar, subir alguns patamares, mesmo assim. Quando eu estava casada com o Antonio Marcos, ele chegou em casa dizendo que havia feito uma música linda em parceria com o Sérgio Sá para ser gravada pela Elis Regina. Eu comecei a ouvi-la e, quando acabou, eu disse: “Não, essa música não é para a Elis, essa música é minha”. Ele disse que era a chance de ser gravado pela Elis, mas eu bati o pé: “Não me interessa, essa música é minha, é a minha cara”. Ele insistiu e eu disse: “Ah é? Você vai dormir no sofá da sala enquanto não resolver”. Ele dormiu no sofá até o dia em que bateu na porta: “Tá bem, eu dou a música que você quer, mas me deixa dormir na cama”. A música era Sonhos de Um Palhaço.

Você teve algum confronto com Elis Regina?

Foi catastrófico. Uma vez fomos fazer um show no Recife, em um ginásio imenso. Eu, ela, Wanderley Cardoso e Nelson Ned. Eu, que estava prevista para cantar por último, só escutava ela gritando: “Eu não quero saber, eu quero encerrar a noite”. O empresário tentou explicar que meu show era muito para cima, que depois de mim ficaria difícil, mas ela gritou, bateu o pé. Eu chamei o empresário e disse: “Deixe ela encerrar”. E então, entramos em sequência o Nelson Ned, o Wanderley Cardoso e eu. Aí arrebentei mesmo, rolava no chão no final da música Era Um Garoto.... Depois de acabar, saímos todos, não ficamos para o último show, e quando já estávamos no carro, ouvimos o povo vaiando muito Elis. Mas o erro partiu do empresário, porque ali não estava o público dela. Imagine ela ali, só com o Baden Powell ao violão?

Pode ter sido a única vaia na vida de Elis.

Pergunte ao Wanderley Cardoso, ele deve se lembrar. Elis era muito arrogante, mas eu tenho que dizer uma coisa: quando ela cantava, eu prestava atenção. Ela era perfeita, era um instrumento.

Você nunca tentou imitá-la?

Não, pelo contrário. Quando gravei Sonhos de Um Palhaço, fui para casa ouvir e, quando acabou, liguei para o produtor e pedi para refazer a voz. Achei que estava muito parecido com a voz da Elis.

Você fala de Antonio Marcos de forma carinhosa. Foi ele o amor da sua vida? (Ela foi casada também com o diretor de TV da Globo, Augusto César Vanucci)?

(Silêncio). Sim. Eu estava na RCA e o vi na sala de espera. Nós nos olhamos e foi aquela coisa. Eu namorava o cantor Fábio na época. Saí de lá, peguei o carro e fui ver o Fábio: “Eu vim aqui terminar com você”. E ele: “Como assim, o que eu fiz?”. “Nada, mas eu conheci o homem da minha vida. Não conversamos ainda, mas eu o vi e, se ele me quiser, quero estar livre para ficar com ele.” Um mês depois, fui a uma festa na casa do Antonio Marcos e fiquei lá para sempre.

E o que pode dizer que aprendeu com ele?

A dar entrevistas, por exemplo (risos). Ele falava muito bem, e eu era tímida. Um dia, perguntei o que ele fazia? “Vanusa, o segredo é o seguinte: se você não quiser responder a alguma pergunta, desvie o assunto antes que o jornalista chegue ao fim dela.” Eu apaguei as coisas ruins e só guardei as boas. O sofrimento acontece, brigas de casal, esqueci isso tudo. Quando recebi a caixa dele (lançada também pelo selo Discobertas), eu chorei. Tenho que tirar um dia inteiro para ouvir, porque eu choro do início ao fim (Antonio Marcos morreu em 1992).

Você chegou à Globo, gravou trilha para o ‘Fantástico’, esteve no auge. O que houve para esse sucesso escapar da sua mão?

Antes mesmo de me casar com o Vanucci, eu ia ao Globo de Ouro, ao Fantástico, estava na Globo toda semana. Então nos casamos e todo mundo dizia que eu estava na Globo por causa dele. Quando ele morreu (em 1992), eles simplesmente me cortaram da emissora. A filha da Débora Duarte faz novela, a Luiza Possi (filha de Zizi Possi) canta na Globo, e canta muito bem, mas eu fui cortada. Não sei explicar como.

O episódio do ‘Hino Nacional’ enterrou sua carreira?

Foi uma maldade de quem fez, de quem retirou aquela gravação da Assembleia. Eles cortaram a parte inclusive em que eu desmaiei depois de cantar. Eu comecei a cantar e não sabia mais o que estava fazendo, e pouca gente sabe ainda que eu desmaiei. Mas olha só: com essa história do Hino Nacional, até as crianças de 5 anos passaram a me conhecer. Os pais colocam a imagem para elas darem risada de mim.

E isso não perturba você?

Meu Deus, eu tive de ser internada, não queria ver ninguém. “Como pode?”, me perguntava. Eu fiz tudo certinho, cuidei do meu trabalho, fiz os discos que fiz, e, de repente uma coisa dessas joga tudo, no chão. Eu não queria mais cantar. Fiquei seis meses internada em uma clínica e fiz terapia todos os dias. Quando voltei, o meu filho Rafael veio me dizer que uma empresa de cartões de crédito gostaria de fazer um comercial comigo. Eu comemorei até ele dizer: “Só que tem uma coisa: eles querem que você cante o Hino Nacional”. Eu fiquei p... da vida. “Será que esse Hino não vai sair da minha vida!” Ele voltou e disse: “Mãe, se não for pela grana, que é uma baita grana, tem que ser pelo menos para tirar esse Hino da cabeça da senhora antes que a senhora morra com isso”. Eu topei. Fiz o comercial e não deu outra. Nada melhor do que quando você consegue dar risada de si mesmo.

E o Hino saiu de você?

Ainda faço terapia. Eu entrei em uma depressão total por causa desse episódio e ela evoluiu para Síndrome do Pânico. Quando estava internada, o Zeca Baleiro me ligou – o único artista que me ligou foi ele. Queria saber como eu estava. Um dia, disse que queria fazer um disco meu. Eu quase desmaiei, não gravava há 20 anos. O disco está para sair.

E como está hoje?

Quando fui internada, eu só queria andar no carro se fosse deitada no banco de trás para ninguém me ver. Foi uma das coisas mais sofridas da minha vida. Quando via TV, as zoações que as pessoas faziam, eu dizia “gente, trabalhei tanto para isso?”. Mas ter ido para a clínica foi bom porque eu convivi com garotos de 14 anos que fumavam crack, meninos que tinham de tomar remédio para dormir por três dias, que tinham de vencer crises de abstinência terríveis. Eu conversava com uma garota de 25 anos que a mãe foi buscar na rua, tirar das drogas. Um senhor que era viciado em sexo pegou até a irmã da mulher dele. Até que um dia ajoelhei no meio da sala, coloquei as mãos para o céu e disse: “Senhor, me perdoa porque eu não tenho problema. Não tenho problema nenhum, Senhor. Isso tudo é frescura”.



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