A matéria foi publicada no Estadão em 25/09/17:
Mórmons ajudam a descobrir raízes
Grupo libera acesso a arquivos de cartórios e igrejas para quem pesquisa sobre antepassados
Edison Veiga
SÃO PAULO - Vocês querem catalogar a humanidade inteira, é isso? A pergunta deste repórter não tirou o foco de Mario Silva, gerente de relacionamento do FamilySearch no Brasil. “Olha, sabemos que é algo impossível. Mas nossa pretensão é fazer o máximo possível nessa direção”, respondeu ele, ciente de que dados de sua instituição guardam 3,5 bilhões de cópias de documentos, microfilmados, em um imenso arquivo-cofre de mais de 6 mil metros quadrados localizado na Granite Mountain, em Salt Lake City, nos Estados Unidos.
Estamos falando do maior acervo de registros genealógicos do mundo, trabalho iniciado em 1894 pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os mórmons. Para esses religiosos, pesquisar a genealogia é mais do que uma curiosidade. “De acordo com nossa doutrina, os laços familiares são eternos”, explica Silva. “Assim, somos incentivados a conhecer os antepassados.”
Aos poucos, em esforço que hoje mobiliza 10 mil arquivos e mais de 200 mil voluntários em todo o mundo, o FamilySearch foi montando seu impressionante acervo. No sistema, hoje digitalizado, estão livros de cartórios e de cemitérios, fichas de imigrantes, certidões emitidas por igrejas católicas e diversos outros tipos de documentos que ajudam a reconstituir árvores genealógicas.
Essas informações sempre estiveram ao alcance de todos, religiosos ou não religiosos, nos Centros de História da Família que funcionam anexos aos templos dos mórmons. De graça. “Entendemos que seria egoísmo restringir essas informações apenas aos membros da igreja”, afirma Silva. Desde 1999, entretanto, com o lançamento do site www.familysearch.org, o acesso a tais materiais pode ser feito de qualquer lugar – com algumas restrições, já que por razões de segurança alguns documentos ainda só podem ser visualizados dos centros físicos.
Atualmente, o site recebe 10 milhões de visitantes por dia. Já são 9 milhões os usuários cadastrados. No sistema, há um banco de 6 bilhões de nomes com pelo menos um documento cada. “Todo indivíduo tem o desejo, ainda que latente, que descobrir de onde vem”, acredita o gerente.
Dos 305 Centros de História da Família do Brasil, um terço está no Estado de São Paulo. A reportagem esteve no maior deles, que fica na sede da instituição no bairro paulistano do Caxingui. Voluntários e funcionários da igreja auxiliam nas pesquisas em computadores e incentivam as pessoas a mergulharem fundo nas suas genealogias. Por mês, o endereço recebe cerca de 300 pesquisadores. “A maior parte é da igreja mesmo. Mas ultimamente tenho observado um número cada vez maior de interessados em descobrir detalhes de antepassados para pleitear dupla cidadania”, comenta Marisa Cuellar, diretora desse Centro de História da Família.
De volta para o passado. Quando um antepassado é encontrado, a comemoração costuma ser compartilhada. Foi assim quando a advogada Magna Pereira da Silva, de 65 anos, encontrou o registro de nascimento de seu avô, Afonso Aloi, italiano da Calábria. “O único documento dele que eu tinha era sua certidão de óbito, já que ele morreu aqui no Brasil há 53 anos”, conta. “Mas nela não estava informado o local de nascimento na Itália, então tive de olhar página por página, de várias cidades, até encontrar.”
Muito além da simples curiosidade, o documento será importante para os planos futuros de Magna. Ciente da localização e data exata do nascimento de seu antepassado, ela vai solicitar agora à Itália a cópia da certidão de nascimento do avô para que possa dar início ao processo de reconhecimento de cidadania italiana.
Uma das mais assíduas pesquisadoras é a administradora de empresas Adriana da Cunha Sinibaldi, 39 anos, frequentadora do centro desde os 16. “Pesquisa genealógica não é algo rápido”, diz ela, que vai ao local presencialmente pelo menos uma vez por semana e diariamente também busca informações de sua casa. “Na igreja a gente dá valor à família, à importância de conhecer os antepassados”, explica ela, que é mórmon.
Como o sistema permite que o usuário vá alimentando sua própria árvore genealógica e esta se cruze com outros pesquisadores com antepassados em comum, as ramificações vão recuando no tempo. “No mais longo ramo da minha família cheguei a 166 gerações”, diz Adriana.
A dona de casa Silvana Lemos Noronha Santos, de 49 anos, já está nos anos 1600 em sua própria genealogia. Tomou gosto pelas pesquisas de família por conta do pai, o funcionário público Expedido Justiniano de Noronha, que morreu em 2006. “Aprenda a amar seus antepassados e serás eterno na lembrança dos que vierem depois”, dizia ele. E então, fazia das férias sempre uma peregrinação por cartórios, cemitérios e igrejas espalhadas pelo País, em busca de algum fragmento que ajudasse a compor sua genealogia. “Colocava a gente no fusquinha azul e íamos todos. Depois escrevia tudo à mão. Fui eu quem passei para o computador”, conta Silvana.
Mas de onde vem toda essa informação? No Brasil, é o gerente Mario Silva quem se encarrega de fazer as parcerias. Firma acordos com cartórios, com igrejas católicas, com arquivos públicos. “Oferecemos a digitalização gratuita de todo o material em troca de termos uma cópia. Não há dinheiro envolvido”, afirma. No País, os mórmons têm 30 câmeras trabalhando simultaneamente. Cada uma tem capacidade de produzir 50 mil imagens por mês.