terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Da Assembleia de Deus ao Islã

Como diria Zagalo, “aí então fomos surpreendidos novamente”... A gente nunca deve menosprezar a possibilidade de ser pego de surpresa por alguma notícia estranha vinda da igreja evangélica brasileira. Leio no blog Genizah que o pastor presidente da Assembleia de Deus no Estado da Paraíba, João de Deus Cabral, se converteu ao islamismo. A notícia – se verdadeira, há que ressalvar - não chamaria tanto a atenção se não se tratasse de um pastor que, além de ter comandado a Convenção Estadual da maior denominação evangélica no Brasil, foi secretário nacional da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil por 15 anos. É normal que, todo santo dia, pessoas transitem (se “convertam”) de uma religião pra outra (ou à negação dela) no mundo inteiro, afinal o que não falta são religiosos (e ateus) nominais.

Segundo as informações colhidas até o momento, o ex-pastor teria se oposto à doutrina da Trindade, à celebração do Natal, além de acreditar na surrada teoria da conspiração de que Constantino teria sido o, por assim dizer, consolidador da religião cristã . No fundo, cá entre nós, essas são apenas desculpas para quem nunca foi cristão nem entendeu o que significa a cruz de Cristo. Entretanto, estava lá, falando em nome da maior denominação evangélica do Brasil. Por isto mesmo, não deixa de ser uma oportunidade para se avaliar a situação em que se encontra a igreja no país.

Muitos cristãos nominais não se preocupam em – pelo menos – tentar entender o que significa a doutrina da Trindade (e da correlata Encarnação) para o cristianismo. É claro que é uma doutrina inalcançável para a razão humana, mas sem essas duas doutrinas o cristianismo não subsiste, porque não haveria salvação se Jesus – como sendo 100% Deus e 100% homem – não tivesse sido sacrificado em nosso lugar, discussão que procurei aprofundar no texto “A doutrina da Trindade – Uma Introdução”, ao qual remeto o leitor que busca compreender melhor a sua importância. Com relação à celebração do Natal, cujo antagonismo de alguns evangélicos – como Edir Macedo - tem se tornado uma verdadeira superstição antissuperstição, recomendo a leitura do artigo “Esclarecimento sobre as origens do Natal”, de autoria do Gustavo, coeditor deste blog. A questão natalina, a meu ver, é mera perfumaria argumentativa, dessas filigranas que servem de desculpa pra qualquer coisa, já que nenhum ramo do cristianismo impõe a seus seguidores a obrigação de celebrar o Natal. Provavelmente, algumas “igrejas” estão querendo evitar que seus fiéis gastem seu dinheiro em presentes de Natal e o destinem aos cofres da organização.

Retornando aos dogmas da Trindade e da Encarnação, eles, entretanto, são decisivos. A atitude de negá-los explica bastante sobre as heresias que saíram da Igreja primitiva, como o nestorianismo e o monofisismo dos séculos V e VI, com resultados parecidos como o que vemos hoje na Paraíba do século XXI, por incrível que pareça. Num brevíssimo resumo, o nestorianismo pregava que havia em Jesus duas naturezas absolutamente distintas, a divina e a humana, de forma que eram dois entes independentes, sem qualquer ligação. Já o monofisismo dizia que havia em Jesus apenas a natureza divina que, digamos, “absorvia” a humana. A doutrina da Trindade, para eles, gravitava em torno das suas doutrinas exóticas da Encarnação, e terminavam por condená-la à morte, conforme exposto no texto Trindade – Uma Introdução. Essas heresias tiveram enorme influência nas igrejas orientais, em especial na região da península arábica, na qual outra seita já havia florescido, ainda no século II: os ebionistas. O ebionismo, como ensina o historiador cristão Justo L. González (leia o excerto clicando aqui), foi fortemente influenciado pelo gnosticismo e pelos grupos judaizantes da época, e, em suma, negava a Jesus qualquer divindade, colocando-o no patamar de apenas mais um dos grandes profetas de Deus. González acrescenta: “Ele não era mais o filho unigênito de Deus, mas um mero profeta dentro da sequência de profetas. Ele não era mais o salvador, mas simplesmente um elemento – algumas vezes secundário – da ação de Deus ao longo desta era”. Desta maneira, todo este caldo de cultura com referências cristãs, mas que negava as doutrinas cristãs básicas da Trindade e Encarnação, muito provavelmente terminou influenciando Maomé na fundação do islamismo, para quem Jesus era de fato um dos grandes profetas, mas não o unigênito e todo-divino Filho de Deus. O historiador Paul Johnson, em sua obra clássica “História do Cristianismo” (Ed. Imago, 2001, p. 291 – leia o excerto clicando aqui) relata que na sua primeira grande vitória, no Rio Yarmuk, em 636, o profeta do Islã contou com o apoio de 12.000 árabes cristãos, que não tiveram problemas significativos com os muçulmanos por muitos séculos.

Não deveria ser surpresa, portanto, que cristãos nominais iludidos e mal formados se convertam ao islamismo. Mas infelizmente é, e este fato exige redobrada atenção das igrejas evangélicas brasileiras, hoje muito mais preocupadas com o “evangelho do desempenho”, em que a salvação pode ser perdida a qualquer momento, se determinadas obras não forem cumpridas, certos alvos financeiros não forem alcançados e "dons espirituais" coreografados não sejam exibidos à exaustão, num profundo desprezo por tudo que os grandes reformadores protestantes resgataram da poeira dos séculos amontoada nas Escrituras e nos repassaram. Por outro lado, vemos um constante solapamento dos dogmas fundamentais do cristianismo, como a Trindade e a Encarnação, aliado à proliferação de práticas judaizantes. Além disso, o gnosticismo (com suas revelações especiais particulares e numerologia, por exemplo), infesta muitas igrejas. Registre-se, ainda, essa verdadeira fixação de muitos evangélicos pela novidade, venha ela de onde vier. Queiram ou não, o islamismo é uma religião com representatividade minúscula no espectro populacional brasileiro, e não deixa de ser “novidade” que ocorra uma conversão como essa aqui destacada.

Cabe a cada denominação e a cada pastor cuidarem bem de seu rebanho. Isto não se faz com a “espetacularização” do evangelho para satisfazer alguns corações novidadeiros, insaciáveis e voláteis. Tudo passa pelo fortalecimento doutrinário dos irmãos e das confissões de fé de cada igreja cristã, que deve permanecer firme no ensino da Palavra e intransigente no testemunho de fidelidade da Igreja primitiva, sem negociar com a areia movediça das conversões não tão convictas assim. Espero que a Assembleia de Deus, por sua importância estatística no país, debata a fundo o assunto, para que ela própria continue relevante do ponto de vista espiritual e não siga o caminho das seitas orientais do primeiro milênio.

3 comentários:

  1. ola meu amigao em cristo jesus hélio. sabe amigao adoro comentar aqui, pois quero elogiar a inteligencia tua e do irmao gustavo. sabe manter um blog atualizado e interessante todo dia nao e facil. bom para variar vou comentar. bom certos pastores nunca como voce disse entenderam a mensagem da cruz. jesus nunca foi profeta, mas era como os fariseus pensavam que ele fosse. jesus era o pai. era o senhor. fui na wikipedia e achei este trechos: «Eu e o Pai somos um
    bom, na wiki tem ALGUMAS coisas sobre trindade. pegue miqueias 3: na parte onde diz que um anjo viria para endireitar o caminho do senhor jesus. a vinda de jesus precedida pelo anjo. analise, este anjo e a figura de joao batista, na primeira epistoloa dele ele fala que ele e A VOZ QUE CLAMA NO DESERTO : ENDIREITAI O CAMINHO DO SENHOR. tudo isto só prova a autenticidade dos evangelhos. abraçao irmao em cristo jesus helio.

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  2. Querido mano Lucas,

    obrigado pelo elogio, e a Deus seja toda a glória!

    realmente é muito complicado manter um blog atualizado e interessante, embora nunca falte barbaridade no meio evangélico pra gente comentar, o que evitamos tanto quanto possível, senão não falaríamos de outra coisa, mas damos prioridade a tudo que possa servir de admoestação aos irmãos segundo o que o Espírito Santo nos dirige a todos. O Gustavo e eu somos grandes amigos e irmãos que mantemos este blog e o site http://www.e-cristianismo.com.br para que possamos resgatar algumas verdades bíblicas que estão sendo esquecidas pela igreja de nossos dias, na certeza de que Deus vai mover os corações e mentes no sentido de aprenderem junto com a gente.

    abração!

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  3. Uma passagem ao Islã não é usual (e acredito que continuará não sendo), mas é um fato que merece ser melhor ser melhor compreendido.

    Contudo, antes de mais nada, critico a abordagem do texto, que ficou um pouco fora de foco ao praticamente exigir uma explicação da denominação a qual pertencia, como se essa fosse co-responsável por essa transição. Se o pastor tomou essa decisão, por maior peso que ele tenha tido dentro da Assembleia de Deus (aliás, de Madureira, como verifiquei depois), foi uma escolha individual. É absurdo exigir que a AD dê explicações sobre o fato ou faça um debate interno sobre o que é decididamente não é uma tendência dentro da AD!
    (na realidade, há novos islâmicos vindos dos mais diversos segmentos da sociedade, e não especificamente vindos de uma denominação)

    Também é um pouco superficial a alegação de que, na prática, o ex-pastor nunca foi cristão (como podemos avaliar de fato isso?) e extremamente risível a possibilidade de que exista uma tentativa de algumas igrejas para que os seguidores não sigam o Natal, para não comprarem presentes e assim contribuirem mais com os "cofres da organização".

    É imprescindível que saibamos o contexto cultural em que ocorreram as mudanças no perfil religioso da população brasileira nas últimas décadas.
    O avanço da laicização, a explosão das periferias, e a perda do papel superior da Igreja católica foram evidentes (como, aliás, em outras partes do mundo), mas esses fatores não explicam a "passagem" de milhões de brasileiros católicos para as igrejas evangélicas. Se apenas aqueles fatores fossem suficientes, esses brasileiros teriam adaptado sua vinculação católica a um estilo de vida cada vez mais secular, e certamente os que preferiram essa mudança correspondem a um segmento muito maior que o de todos os que seguiram para a fé evangélica.

    O fato cultural foi uma "rebelião" contra o sistema católico (não apenas o litúrgico, mas o político-histórico), muito semelhante a que aconteceu na Europa no século da Reforma. Uma parte desses "rebeldes" permaneceu fiel ao catolicismo (ao menos em seus ritos de passagem), enquanto outra parte seguiu para outros credos.

    As igrejas evangélicas foram beneficiadas por essa "rebelião" e muitas vezes a conversão a Cristo dentro do sistema evangélico não foi motivada por uma busca pelo Deus vivo, mas pela rejeição frontal ao que lhes parecia ser elementos tipicamente católicos - mas que não eram; são elementos essenciais do cristianismo.
    A popularização de leituras históricas errôneas (como a que exacerba o papel de Constantino como "criador" do sistema católico) revela que os novos evangélicos aceitaram facilmente ou já traziam consigo um pesado anticatolicismo que foi muito mais determinante na sua decisão por Cristo do que a compreensão dos mais elementares princípios da doutrina cristã protestante.

    Eu concordo que o anticatolicismo do movimento evangélico no Brasil foi uma "porta aberta" para que outras doutrinas se infiltrassem nas igrejas. A rejeição ao simbolismo da cruz ou à comemoração do Natal são exemplos práticos de interdições que não faziam parte da habitus evangélico original, mas se disseminaram nas igrejas por conta exclusivamente do anticatolicismo.
    Muitos dos evangelizadores nacionais viam a si mesmos como os iconoclastas do século XVI, empenhados em uma cruzada sem tréguas contra a idolatria, a qual atribuiam uma espécie de maldição coletiva que impedia o progresso econômico do Brasil.
    (quem não sabe o que ser, mas sabe o que não quer ser, acaba sendo o que nem imagina...).

    Quando Silas Malafaia proclamou que o Natal podia ser, sim, comemorado pelos cristãos (mesmo sendo uma data arbitrada), teve que enfrentar uma artilharia pesada de evangélicos 'éticos' que sustentam firmemente que o Natal é uma tradição pagã.

    Mas isso não é geral.
    O anticatolicismo vem sendo progressivamente reduzido e o ser evangélico é cada vez mais o símbolo de uma relação mais profunda com Deus.

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