sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Igrejas customizadas

Há quase dois anos, fui almoçar com um amigo que é pastor evangélico e com quem eu não conversava já havia algum tempo. 

Ele estava (e continua) empenhado em fundar uma igreja evangélica num bairro elegante de São Paulo, dirigida à classe média, como foco nos profissionais liberais e nos formadores de opinião. 

É... eu sei... parece estranho que uma igreja cristã, no século XXI, seja organizada com base em critérios que lembram mais pesquisas mercadológicas ou eleitorais, mas este é um pequeno retrato do caminho que a igreja evangélica percorre hoje no Brasil.

Duas características deste projeto me chamam a atenção, talvez porque sintetizam o momento atual do cristianismo no Brasil. 

A primeira é que a igreja que ele está formando está filiada a uma corrente tradicional protestante, mas que procura adaptar-se aos modismos evangélicos atuais, com a teologia da prosperidade incluída no pacote. 

Isto implica em abraçar alguns rituais místicos, outras doutrinas voláteis e algumas novenas (desculpe, "campanhas") que consolam o coração de muitos irmãos que, se não atendidos, iriam para outras igrejas que oferecem esse tipo de "serviço". 

A segunda é justamente o foco a que se destina esta igreja. Minha dúvida é: estamos transformando as igrejas evangélicas em guetos da classe média, uma espécie de Rotary Club da fé? 

Seriam as igrejas, hoje, autênticos clubes de negócios, em que o participante leva de brinde a participação num círculo social que tem uma fachada eclesiástica?

Essa situação me sugere que a igreja evangélica brasileira está diante de uma encruzilhada (à qual muitas igrejas já chegaram, literalmente), que decidirá o seu destino neste país. 

Esta necessidade de se adaptar as doutrinas às convicções (e, muitas vezes, superstições) dos seus membros, além de selecionar um público-alvo a ser atingido pela igreja, me levam a crer que chegamos ao conceito de "tailored church", típico jargão de administração (perdão, "management"), em que a empresa tem que se adaptar às necessidades do mercado, como um alfaiate ("tailor") tirando as medidas do seu cliente. 

Também aproveitando outro neologismo oriundo do inglês "customer" ("freguês, cliente"), estamos assistindo a um fenômeno de "customização" das igrejas no Brasil. 

Não quero dizer que a igreja não possa recorrer – eventualmente - a essas "ferramentas" (outro jargão... sorry!), mas que a beleza e a simplicidade do evangelho têm-se perdido nessa parafernália de modismos e tendências de toda ordem, na expectativa de que os fins justifiquem os meios, no pior estilo do utilitarismo total.

No almoço em questão, comentamos sobre o crescimento da Igreja Universal (na época ela não tinha ainda a "concorrência" da Mundial). 

Meu amigo pastor se disse contente pelo crescimento - mais do que numérico - da qualidade dos membros da Universal, ou seja, pelo nível cultural e sócio-econômico dos discípulos de Edir. 

Respondi-lhe que isso não só não me surpreendia, como eu não via, de fato, nenhum crescimento qualitativo no quadro em questão. 

Parece-me que as igrejas evangélicas no Brasil, e a Universal em particular, chegaram a um ponto de saturação, em que não há mais nenhuma diferença entre quem é realmente evangélico, e quem não o seja. 

Lembro-me que, em 1984, eu comentava com alguns irmãos americanos, missionários que visitavam o Brasil, sobre a diferença que havia entre católicos e protestantes (sim, já fomos "protestantes" nesta terra) aqui e lá. 

Enquanto, no Brasil, os católicos eram apenas nominais e os protestantes eram determinados em sua vocação e testemunho, nos EUA acontecia exatamente o contrário. 

Bem, até hoje a fama das garotas de colégios católicos americanos dá apoio a esta impressão, pelo menos nos teen movies hollywoodianos.

Esta comparação ficou arquivada na minha memória por décadas, e na conversa com meu amigo pastor, eu a recuperei. 

Eu sempre achei que ela era mais resultado de um estereótipo disseminado na sociedade americana, do que propriamente verdade. 

Do lado brasileiro, nós éramos poucos, mas defendíamos nossas convicções, que embasavam nosso comportamento. 

Hoje, entretanto, me surpreendo ao ver que este fenômeno tende a se repetir no Brasil, fazendo com que os católicos se dediquem mais à sua igreja e às coisas espirituais (e passem a dar um melhor testemunho público), enquanto os protestantes se preocupam com o imediatismo, a prosperidade material pessoal, sem se preocupar com a boa nova transformadora que dizem portar. 

Pior: muitos ainda creem que a reputação - que soubemos cultivar no passado – seja uma boa desculpa para suas más condutas. 

Daí o fato de alguns criminosos serem recolhidos à cadeia com a Bíblia embaixo do braço, dizendo orgulhosa e pateticamente: "sou evangélico!". Afinal, ser evangélico é fashion. 

Obviamente, esta é apenas uma primeira impressão, sem qualquer constatação científica. Também não se trata de uma tentativa de definir com exatidão comportamentos católicos e protestantes, mas de procurar rastros no passado para entender o cenário religioso atual. 

Talvez estejamos próximos de nos transformarmos numa massa amorfa de religiosos que não sabem de onde vêm, quem são, nem para onde vão. 

Talvez o rescaldo deste incêndio se constitua de cristãos de diferentes denominações que, pressentindo o perigo, se unam em torno dos valores realmente essenciais do evangelho, defendendo-os e praticando-os. Quem viver, verá!

P.S.: eu já havia escrito o texto "Tailored Churches" em fevereiro de 2008, e o texto "Igreja ao gosto do freguês" do blog Picaretólogos me inspirou a retomá-lo.

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