terça-feira, 27 de maio de 2008

Carta aos Romanos - 22

Paulo inicia sua carta, identificando-se. Identificava-se como servo, e mais tarde nesta mesma carta ele usa a figura do servo como guia moral (Rm 6:16). Sendo servo, espera-se que ele desempenhe uma tarefa (Lc 17:10), e para isto ele foi chamado para apóstolo, separado para o Evangelho de Deus. A palavra αποστολος (apóstolo) vem da palavra αποστελλειν, que significa enviar, por isto o apóstolo era um mensageiro, e cuja mensagem é este mesmo Evangelho de Deus. Note que todo enviado precisa ser enviado por alguém, por isto Paulo deixa claro que é servo de Cristo, e desta forma foi chamado(segundo a palavra original κλητος, constituído) apóstolo. Ninguém se constitui apóstolo por si só.

No segundo verso Paulo estabelece uma ligação entre o Velho e o Novo Testamento. Para Paulo, aquele Evangelho de Deus havia sido prometido no Velho Testamento através dos profetas. Esta é a grande importância do Velho Testamento: ele confirma o que recebemos como algo já muito tempo prometido. Apesar de Paulo estar escrevendo para uma igreja gentia, esta declaração pôde se fazer sentir naquela igreja devido à grande quantidade de judeus convertidos ao cristianismo ali.

Quais eram as promessas? A Encarnação e Ressurreição de Cristo, Filho de Deus, através do poder e segundo o Espírito de santidade. Vemos aqui a promessa da Trindade em ação. Através desta ação, declara Paulo no versículo 5, recebemos a graça e o apostolado. Note que a declaração de Cristo como Filho de Deus aqui não significa que antes ele não era Filho de Deus, e depois disto passou a ser. A palavra grega para declarado vem de οριζω, que significa definir, determinar, manifestar, de onde vem a palavra horizonte, que é o ponto mais afastado que nós podemos ver a terra. Assim, com a ressurreição dos mortos, Cristo é declarado ou melhor, manifesto como Filho de Deus, sua doutrina, sua conduta é verdadeira, por isto foi ressuscitado como consequência do cumprimento daquelas promessas que Paulo lembra no início.

No versículo 6, Paulo diz que aqueles romanos também são chamados(κλητος, constituídos) para serem servos de Jesus Cristo, e no versículo 7 diz mais especificamente que aqueles romanos foram chamados para serem santos. Pelo uso do também no versículo anterior, entendemos que aqueles leitores teriam sido constituídos como o apóstolo, única ocorrência do verbo antes do versículo 6. Para Paulo, aqueles cristãos já eram servos de Cristo, e era para uma igreja constituída por Cristo que ele escrevia.

Parece que a comunidade de Roma era famosa naquela época por sua fé, fato mencionado pelo apóstolo no versículo 8. Provavelmente deve-se a esta fama a menção feita por Ireneu em seu Contra-heresias, quando ele está citando exemplos de igrejas que mantiveram a tradição apostólica. O próprio Paulo já havia mencionado como a fé daquela igreja era louvável, e para responder os gnósticos que diziam ter revelações especiais dos apóstolos, nada melhor que traçar a linha sucessória da igreja que foi elogiada por um deles.

O trecho entre os versículos 9 e 13 é interessante. Segundo uma tradição antiga suportada inclusive por Ireneu, os apóstolos Pedro e Paulo teriam fundado a igreja de Roma. Por outro lado, neste trecho, temos alguns indícios de que isto não é verdade. O pedido de Paulo é que "afinal", ele possa ir a Roma. Ele "deseja" vê-los para os comunicar "algum" dom espiritual. O verso 13 diz ainda que Paulo muitas vezes se propôs a vê-los, mas tem sido impedido (κωλύω). E isto para conseguir frutos como nos outros gentios. Esta linguagem indica que Paulo ainda não tinha conseguido frutos com os gentios que viviam em Roma, dando evidências que Paulo não fundou aquela igreja, apesar de posteriormente tê-la visitado. O versículo 15 reforça esta idéia, onde Paulo diz que irá anunciar o evangelho "também" em Roma.

É interessante como o apóstolo, mesmo desejoso de lhes comunicar algum dom espiritual, não faz disto uma relação unilateral. No versículo 12, ele comenta que não só eles serão fortalecido, mas o próprio apóstolo se fortalecerá com aquela visita. O cristão se contenta com seus irmãos, e de fato uma das tarefas da comunidade cristã é fortalecer seus membros. A igreja deve ser vista como um refúgio, onde a luz dos cristãos devem resplandecer para que todos os homens vejam, e glorifiquem à Deus (Mt 5:16).

É no versículo 16 que Paulo inicia seu ensino. Percebe-se que como Paulo não visitou ainda Roma, não tinha muito o que dizer sobre os problemas locais. Por isto, a carta aos romanos era uma carta mais teológica, onde Paulo expõe aquilo que provavelmente pregava quando chegava em uma cidade. Desconhecendo seus ouvintes, Paulo deve dar uma mensagem mais geral, assim como deveria fazer quando chegava em uma nova cidade. Em outras cartas geralmente Paulo está corrigindo erros, mas de Roma ele só ouvia falar bem. Por isto, aqui Paulo deve estar mais livre para falar da doutrina cristã que ele pregava aos gentios.

E esta doutrina, o tema central de sua pregação, era aquele Evangelho de Deus que ele menciona no início de sua carta. E deste evangelho ele não se envergonha, pois é o poder de Deus de salvar todos. A justiça divina é revelada por este Evangelho, e esta justiça é feita pela fé.

Neste momento, alguém poderia perguntar por que gentios deveriam se salvar quando eles não foram apresentados à Lei. Pois é a lei que os condenaria. Se eles não conhecem Deus, então eles não deveriam ser condenados. No entanto, Paulo expõe seu ponto de vista sobre a revelação natural.

O que Paulo diz é que toda a criação dá testemunho sobre Deus. Dos céus se revelam a ira. No versículo 20 Paulo diz que até seus atributos e poder são conhecidos. Ao se deparar com crenças pagãs da antiguidade, apesar de muitas diferenças entre todas elas, podemos perceber que sempre em toda a comunidade, há uma definição de moral a ser seguida, e esta moral é praticamente igual em todos os lugares. O que mais chama a atenção é a crença quase universal que seu deus ou deuses se enfurecem quando certas atitudes são cometidas, e que para aplacar a ira deste deus é necessário um sacrifício.

O que aconteceu com estes gentios, que eles são condenáveis? Paulo explica que mesmo conhecendo Deus, eles não O glorificaram. Ao contrário, eles começaram a especular, obscureceram seus corações. O versículo 23 fala que:

(Rm 1:23) e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis.

É por causa desta mudança de crenças que estes homens possuem crenças parecidas, porém diferentes. Por estas mudanças que eles possuem tantos deuses, talvez um reflexo da má compreensão sobre a Trindade (esta é apenas uma suposição).

Por causa disto, Deus os entrega às suas concupiscências, deixando-os livres para praticar aquilo que desejaram praticar. O final do capítulo 1 de Romanos relaciona algumas das práticas condenáveis dos gentios. Devemos lembrar contudo que estas são as práticas decorrentes da sua rejeição a Deus, em sua revelação natural, que os tornou tão condenáveis quanto qualquer um. Posteriormente o apóstolo falará dos judeus, concluindo assim que todo mundo é pecador.

Portanto, ou estamos incluídos nesta ou na próxima lista de pecados. É desta condição de depravação da humanidade que Paulo passará a ensinar como o Evangelho de Deus, aquele poder de salvação, pode redimir estes pecadores.

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