Um interessante debate iniciado no antigo Forum Atos me animou a investigar um pouco mais a questão da certeza da salvação, sem ter que recorrer a Calvino e sua brilhante exposição da doutrina bíblica da perseverança dos santos. Primeiramente, eu acho que há duas posições extremadas que devem ser evitadas quando se fala de certeza da salvação e tudo o que lhe diz respeito. A primeira é que a certeza (segurança, confiança ou convicção) da salvação é um ato meramente intelectual, desprovido de qualquer sinal espiritual, que permita à pessoa jactar-se da salvação conseguida mediante meras elocubrações cerebrais (ou cerebrinas). A segunda, infelizmente dominante no Brasil, é a de que não há qualquer certeza ou confiança de que, uma vez convertido a Cristo, é preciso fazer outras tantas "reconversões" quantos os pecados que forem cometidos e confessados, como se a vida cristã fosse uma corrida de Fórmula 1 que, a exemplo dos "stop & go" e "splash & go", tivéssemos que fazer um "confess & go" a cada instante do dia em que nos passasse um pensamento pecaminoso pela cabeça. Não que um "confess & go forgiven" não seja necessário e proveitoso na vida do cristão, mas a prevalecer esse entendimento fatalista da mórbida incerteza da salvação, Deus estaria constantemente esperando para que saldássemos, por nossos próprios esforços (obras, portanto), a "conta resta-zero pecado", e se, por uma dessas infelicidades do destino, ao atravessarmos a rua e dirigirmos um pensamento lascivo à senhora casada que passa, um carro nos atropelar e nos mandar pro beleléu sem chance de reconhecer e confessar o pecado, acordaríamos com o capeta, depois de uma longa e proveitosa vida consagrada a Deus. Logo, desnecessária e inútil teria sido a Reforma Protestante, já que não teríamos razão alguma para combater as famigeradas penitências e indulgências (nem o purgatório).
Se deixamos que esta mórbida insegurança da salvação prevaleça, então estamos fazendo Deus repetidamente fraco e mentiroso, pois o que Jesus disse em João 5:24 ("Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas JÁ passou da morte para a vida") e 6:37 ("Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora") não teria passado de delírio do Mestre. Toda a oração sacerdotal de João 17 é dirigida a todos os cristãos de todos os tempos (17:20), no sentido de que todos creiam e permaneçam, e Jesus continua intercedendo por nós a todo momento (Romanos 8:34, Hebreus 7:25). E é esta permanência, esta perseverança até o fim, o traço distintivo da segurança (ou certeza, como queiram) da salvação do crente. Nesses meus quase 25 anos de convertido a Cristo, eu vi muita gente dizendo que "aceitava a Cristo", mas abandonando-o dias ou semanas depois. Será que realmente se converteram? Creio que não. Vi muitas pessoas também permanecendo na fé, firmes, constantes e abundantes na obra do Senhor (1 Coríntios 15:58), e quase todos eles viviam na certeza da salvação, sem necessidade de anunciá-la todo santo dia nem barganhar com Deus para que a mantivesse a cada manhã. Obviamente, não estou querendo dizer que a minha experiência de vida seja um fator infalível para avaliar ou determinar a salvação de quem quer que seja, mas ela me ajudou a perceber que todos aqueles que se preocupavam apenas com obter frutos para Cristo a qualquer custo, não progrediram na sua carreira cristã, justamente porque pensaram que a permanência (ou perseverança) era algo que dependesse única e exclusivamente do crente, esquecendo-se do que o próprio Jesus dissera em João 15, sobretudo no v. 16: "Vós não me escolhestes a mim mas eu vos escolhi a vós, e vos designei, para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda". Não basta o fruto por si só, é necessário que ele permaneça, e ele não permanece por iniciativa própria, ou porque escolheu permanecer, mas porque Deus lhe dá a força para permanecer.
Com relação aos seguintes "versículos-problema", analisemo-los melhor, item por item, dentro do seu contexto:
De imediato, 1 Coríntios 15:50 não se aplica à questão da salvação, pois está falando de ressurreição, ou seja, não vamos ressuscitar com nossos corpos corruptos, o que acho que é óbvio e pacífico para todas as correntes teológicas cristãs.
Começo, portanto, com 1Co 3:17 – "Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo".
Se deixamos que esta mórbida insegurança da salvação prevaleça, então estamos fazendo Deus repetidamente fraco e mentiroso, pois o que Jesus disse em João 5:24 ("Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas JÁ passou da morte para a vida") e 6:37 ("Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora") não teria passado de delírio do Mestre. Toda a oração sacerdotal de João 17 é dirigida a todos os cristãos de todos os tempos (17:20), no sentido de que todos creiam e permaneçam, e Jesus continua intercedendo por nós a todo momento (Romanos 8:34, Hebreus 7:25). E é esta permanência, esta perseverança até o fim, o traço distintivo da segurança (ou certeza, como queiram) da salvação do crente. Nesses meus quase 25 anos de convertido a Cristo, eu vi muita gente dizendo que "aceitava a Cristo", mas abandonando-o dias ou semanas depois. Será que realmente se converteram? Creio que não. Vi muitas pessoas também permanecendo na fé, firmes, constantes e abundantes na obra do Senhor (1 Coríntios 15:58), e quase todos eles viviam na certeza da salvação, sem necessidade de anunciá-la todo santo dia nem barganhar com Deus para que a mantivesse a cada manhã. Obviamente, não estou querendo dizer que a minha experiência de vida seja um fator infalível para avaliar ou determinar a salvação de quem quer que seja, mas ela me ajudou a perceber que todos aqueles que se preocupavam apenas com obter frutos para Cristo a qualquer custo, não progrediram na sua carreira cristã, justamente porque pensaram que a permanência (ou perseverança) era algo que dependesse única e exclusivamente do crente, esquecendo-se do que o próprio Jesus dissera em João 15, sobretudo no v. 16: "Vós não me escolhestes a mim mas eu vos escolhi a vós, e vos designei, para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda". Não basta o fruto por si só, é necessário que ele permaneça, e ele não permanece por iniciativa própria, ou porque escolheu permanecer, mas porque Deus lhe dá a força para permanecer.
Com relação aos seguintes "versículos-problema", analisemo-los melhor, item por item, dentro do seu contexto:
De imediato, 1 Coríntios 15:50 não se aplica à questão da salvação, pois está falando de ressurreição, ou seja, não vamos ressuscitar com nossos corpos corruptos, o que acho que é óbvio e pacífico para todas as correntes teológicas cristãs.
Começo, portanto, com 1Co 3:17 – "Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo".
Este é um versículo que deve ser analisado no seu contexto:
1Co 3:1 E eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo.
1Co 3:2 Leite vos dei por alimento, e não comida sólida, porque não a podíeis suportar; nem ainda agora podeis;
1Co 3:3 porquanto ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja e contendas, não sois porventura carnais, e não estais andando segundo os homens?
1Co 3:4 Porque, dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo; não sois apenas homens?
1Co 3:5 Pois, que é Apolo, e que é Paulo, senão ministros pelos quais crestes, e isso conforme o que o Senhor concedeu a cada um?
1Co 3:6 Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento.
1Co 3:7 De modo que, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento.
1Co 3:8 Ora, uma só coisa é o que planta e o que rega; e cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho.
1Co 3:9 Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus.
1Co 3:10 Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei eu como sábio construtor, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele.
1Co 3:11 Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo.
1Co 3:12 E, se alguém sobre este fundamento levanta um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha,
1Co 3:13 a obra de cada um se manifestará; pois aquele dia a demonstrará, porque será reveldada no fogo, e o fogo provará qual seja a obra de cada um.
1Co 3:14 Se permanecer a obra que alguém sobre ele edificou, esse receberá galardão.
1Co 3:15 Se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele prejuízo; mas o tal será salvo todavia como que pelo fogo.
1Co 3:16 Não sabeis vós que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?
1Co 3:17 Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque sagrado é o santuário de Deus, que sois vós.
Paulo começa o capítulo 3 de 1ª Coríntios, dizendo que eles não estavam sendo espirituais, mas carnais no seu entendimento da obra de Deus, pois, afinal, se se dividiam em facções, de Paulo e de Apolo, como ele exemplifica, então não tinham entendido a profundidade espiritual do trabalho de cada um, que, conjuntamente, ia formando um edifício para glória de Deus (vv. 9-10), com fundamento em Cristo Jesus (v. 11). Então, Paulo passa a falar de galardão, e não propriamente de salvação, pois estava considerando a todos, carnais e espirituais, como "potencialmente" salvos, tanto que no v. 13 ele diz que é o fogo que provará a obra de cada um. No v. 14 ele insiste que, se a obra de alguém permanecer, ele receberá galardão, mas se não permanecer (v. 15), a sua obra se queimará, mas ele, todavia, será salvo. Daí, Paulo passa a dizer que a igreja, o conjunto dos redimidos, a congregação dos santos, é o templo do Senhor, habitado individual e coletivamente pelo Espírito Santo (v. 16). "Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque sagrado é o santuário de Deus, que sois vós" (v. 17). Isto significa que este "alguém" é todo aquele que, mediante facções ou heresias, ataca o santuário de Deus, que é a igreja, que somos nós. Como John Gill bem observa, este alguém é aquele que os prejudica "pela sabedoria do mundo, mediante filosofia, e vãs artimanhas, trazendo-lhes falsas doutrinas, erros e heresias, e, justamente por isso, corrompe suas mentes e as afasta da simplicidade que está em Cristo; e provoca facções e divisões entre eles". Logo, é este sectário que será destruído por Deus, e não o indivíduo que prejudica o seu próprio corpo, conforme geralmente ouvimos nas pregações. Não que este indivíduo não sofra as conseqüências do seu ato, mas talvez não ouçamos mais a verdadeira interpretação desse texto nos púlpitos porque isto impediria essa absurda e vergonhosa separação e divisão de igrejas que acontecem todos os dias no país, para escândalo do evangelho e blasfêmia contra Deus.
Registre-se, também, que Paulo retorna a esta analogia no capítulo 6 de 1ª Coríntios:
1Co 6:1 Ousa algum de vós, tendo uma queixa contra outro, ir a juízo perante os injustos, e não perante os santos?
1Co 6:2 Ou não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo há de ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas?
1Co 6:3 Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?
1Co 6:4 Então, se tiverdes negócios em juízo, pertencentes a esta vida, constituís como juízes deles os que são de menos estima na igreja?
1Co 6:5 Para vos envergonhar o digo. Será que não há entre vós sequer um sábio, que possa julgar entre seus irmãos?
1Co 6:6 Mas vai um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos?
1Co 6:7 Na verdade já é uma completa derrota para vós o terdes demandadas uns contra os outros. Por que não sofreis antes a injustiça? Por que não sofreis antes a fraude?
1Co 6:8 Mas vós mesmos é que fazeis injustiça e defraudais; e isto a irmãos.
1Co 6:9 Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas,
1Co 6:10 nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbedos, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.
1Co 6:11 E tais fostes alguns de vós; mas fostes lavados, mas fostes santificados, mas fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus.
1Co 6:12 Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas.
1Co 6:13 Os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos; Deus, porém aniquilará, tanto um como os outros. Mas o corpo não é para a prostituição, mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo.
1Co 6:14 Ora, Deus não somente ressuscitou ao Senhor, mas também nos ressuscitará a nós pelo seu poder.
1Co 6:15 Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei pois os membros de Cristo, e os farei membros de uma meretriz? De modo nenhum.
1Co 6:16 Ou não sabeis que o que se une à meretriz, faz-se um corpo com ela? Porque, como foi dito, os dois serão uma só carne.
1Co 6:17 Mas, o que se une ao Senhor é um só espírito com ele.
1Co 6:18 Fugi da prostituição. Qualquer outro pecado que o homem comete, é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo.
1Co 6:19 Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, o qual possuís da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?
1Co 6:20 Porque fostes comprados por preço; glorificai pois a Deus no vosso corpo.
Aqui, de fato, temos no v. 19, o corpo como templo do Espírito Santo, e Paulo diretamente o relaciona à prostituição (vv. 13-18), pois era comum em Corinto a prostituição ritual, devido aos muitos templos dedicados a vários deuses pagãos, inclusive o maior deles, dedicado a Afrodite. Logo, a devassidão sexual imperava. Era muito comum, também, que depois dos rituais pagãos, as carnes sacrificadas aos ídolos fossem distribuídas entre a população de Corinto para seu consumo, conforme Paulo vai discutir também em 1ª Coríntios, no capítulo 8, ressalvando que a carne em si não trazia nenhum problema, mas era preciso respeitar o irmão fraco na fé que porventura se escandalizasse com isso. Alguns coríntios aproveitaram esta idéia de Paulo para inventar a desculpa de que a prostituição era "apenas" um intercâmbio de carnes, sem qualquer comprometimento afetivo ou espiritual, razão pela qual o Apóstolo diz em 1 Coríntios 6:13 que "os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos; Deus, porém aniquilará, tanto um como os outros. Mas o corpo não é para a prostituição, mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo". Daí em diante, ele fala da importância do corpo de cada crente como templo do Espírito Santo. É importante lembrar, também, que antes ele havia indagado: "Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbedos, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus" (1 Cor 6:9-10), mas faz questão de complementar no versículo seguinte (11): " E tais fostes alguns de vós; mas fostes lavados, mas fostes santificados, mas fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus ". Não há qualquer referência (ou inferência) de que Paulo estivesse dizendo que, se eles porventura repetissem esses pecados, perderiam a salvação, até porque, por uma questão de lógica, se fosse necessário ensinar isso, Paulo faria questão de enfatizar esta idéia. Entretanto, pouco antes, no capítulo 5, ele já havia relatado um fato incomum, esquisito mesmo, acontecido na igreja de Corinto:
1Co 5:1 Geralmente se ouve que há entre vós fornicação, e fornicação tal, que nem ainda entre os gentios se nomeia, como é haver quem abuse da mulher de seu pai.
1Co 5:2 Estais ensoberbecidos, e nem ao menos vos entristecestes por não ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação.
1Co 5:3 Eu, na verdade, ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, já determinei, como se estivesse presente, que o que tal ato praticou,
1Co 5:4 Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo,
1Co 5:5 Seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus.
Ou seja, a situação moral da igreja em Corinto era tão vergonhosa, baixa, que até os pagãos se escandalizavam com tamanha devassidão (5:1). Não há detalhes precisos do que efetivamente ocorria, mas, ao que tudo indica, havia um rapaz que se relacionava sexualmente com a madastra, estando o pai vivo. Como a igreja tolerava este relacionamento, sem fazer nada, Paulo, do alto de sua autoridade espiritual, ordenou que o corpo do rapaz fosse entregue a Satanás para ser destruído, mas para que o espírito fosse salvo no dia do Senhor (5:4-5). É óbvio que este caso raro não pode ser usado para se construir nenhuma teologia do vale-tudo (ou do mandar alguém para o inferno), mas é inegável que se enquadra dentro do contexto que estamos discutindo, de que não se perde a salvação como se troca de roupa.
Não é muito distinto o contexto dos frutos da carne de Gálatas 5. Afinal, a mensagem básica da carta aos gálatas é exatamente a ênfase que alguns judaizantes davam às obras da lei, e Paulo faz questão de reforçar a questão da graça e da liberdade, que não deve ser usada para dar ocasião à carne (5:13), sendo que o crente deve andar em Espírito para não satisfazer as concupiscências da carne (5:16). É nesse contexto que Paulo lista os frutos da carne e do Espírito nos versículos seguintes, mas a leitura de que aqueles - que demonstram em sua vida os frutos da carne - não herdarão o reino de Deus, deve ser feita no sentido de que não andam em Espírito e, portanto, não estão nem nunca estiveram salvos. Se admitíssemos que esta é uma leitura literal, dirigida específica e unicamente aos crentes, não haveria qualquer esperança de salvação para bêbados e homicidas, por exemplo. É neste sentido que deve ser lido também 1 João 3:6 – "Qualquer que permanece nele não peca; qualquer que peca não o viu nem o conheceu". De novo, a insistência de João na permanência em Cristo. Assim também 1 João 3:9 – "Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus". É óbvio que todos os filhos de Deus, nascidos de novo, em um ou outro momento de suas vidas, cometem pecados. A salvação não é uma carta de alforria do pecado no sentido de que o crente pode viver despreocupado porque nunca mais pecará, mas é uma garantia de que o pecado não terá domínio sobre ele. "Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça" (Romanos 6:14 - compare com 1 Co 6:12 acima). Assim, aceitar uma interpretação literal, fechada e limitada, dos versículos de 1 João acima referidos implicaria admitir que o próprio João se contradiz em sua 1ª carta:
1Jo 1:5 E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas.
1Jo 1:6 Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos em trevas, mentimos, e não praticamos a verdade.
1Jo 1:7 Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado.
1Jo 1:8 Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós.1Jo 1:9 Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça.1Jo 1:10 Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.
Logo, o próprio João diz que o crente peca vez ou outra, mas não vive no pecado, não anda nas trevas, mas toda vez que peca, ele confessa e Jesus o perdoa. É neste sentido que 1 João 5:18 – "Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca". Ora, quem é gerado de Deus? O próprio João havia respondido nos versículos antecedentes:
1Jo 5:10 Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu.
1Jo 5:11 E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho.
1Jo 5:12 Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida.
1Jo 5:13 Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus.
A questão é bem simples: "quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida". NÃO está escrito "quem tem o Filho TERÁ a vida um dia, quem sabe", e João escreveu essas coisas para que nós, que cremos no nome do Filho de Deus, saibamos que TEMOS a vida eterna, não que a gente "terá"um dia, talvez, quem sabe, mas que já TEMOS no presente, porque cremos em Jesus e andamos no Espírito, o que combina sobremaneira com o que João já havia escrito no seu evangelho, como referimos acima e repetimos novamente: João 5:24 ("Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas JÁ passou da morte para a vida") e 6:37 ("Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora"). Logo, João não se contradiz na sua pregação, seja pelo evangelho, seja pela carta, mas fala de algo que era claro e pacífico para os seus leitores originais: quem tem o Filho tem a vida, quem crê em Jesus está salvo, quem nEle permanece confia na sua salvação. Confiança esta que é dada pelo Espírito Santo, conforme Paulo ensina:
Rom 8:14 Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.
Rom 8:15 Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai.
Rom 8:16 O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.
Idéia que João também confirma em sua 1ª carta:
1Jo 4:13 Nisto conhecemos que estamos nele, e ele em nós, pois que nos deu do seu Espírito.
1Jo 4:14 E vimos, e testificamos que o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo.
1Jo 4:15 Qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus.
1Jo 4:16 E nós conhecemos, e cremos no amor que Deus nos tem. Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele.
1Jo 4:17 Nisto é perfeito o amor para conosco, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos nós também neste mundo.
Falando, portanto, de confiança, e já que, inicialmente, comentei sobre os dois extremos a que a (in)certeza da salvação pode levar, acho importante verificar se a Bíblia estabelece um critério para dar ao crente algum tipo de conforto e confiança quanto à sua salvação. Assim, é de se perguntar: qual é o fator humano se baseia esta confiança? Qual é, digamos, o seu "termômetro"? Felizmente, João também não se exime de responder a esta questão:
1Jo 3:18 Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade.
1Jo 3:19 E nisto conhecemos que somos da verdade, e diante dele asseguraremos nossos corações;
1Jo 3:20 Sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração, e conhece todas as coisas.
1Jo 3:21 Amados, se o nosso coração não nos condena, temos confiança para com Deus;
1Jo 3:22 E qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, porque guardamos os seus mandamentos, e fazemos o que é agradável à sua vista.
1Jo 3:23 E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento.
1Jo 3:24 E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele. E nisto conhecemos que ele está em nós, pelo Espírito que nos tem dado.
O "termômetro humano" da segurança da salvação é, portanto, o coração, o sentimento, não um sentimento gratuito, uma confiança nômade, mas a firmeza de uma vida consagrada a Deus. Claro que João sabe que o coração do homem (seja ele justo ou ímpio) é enganoso (Jeremias 17:9), mas também sabe que é o Senhor que o esquadrinha e o prova (Jeremias 17:10), pois é o Espírito Santo que testifica o coração do crente. Assim, ele vive a sua vida andando no Espírito, sem se acomodar a uma certeza meramente teórica e intelectual da sua salvação, mas também sem ser aterrorizado pela possibilidade de perdê-la a qualquer momento por um ato impensado ou por uma tentação difícil de suportar. Afinal, somos humanos que, esquecendo-nos das coisas que para trás ficam, avançamos adiante, proseguindo para o alvo, "pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Por isso todos quantos JÁ somos perfeitos, sintamos isto mesmo; e, se sentis alguma coisa de outra maneira, também Deus vo-lo revelará" (Filipenses 3:13-15).
Belo post com matéria para reflexão...
ResponderExcluirVisite-me:
wwwrenatacordeiro.blogspot.com/
não há ponto depois de www
Um beijo poderoso,
Renata Cordeiro
Boa palavra irmão.
ResponderExcluirSobre salvação há uma palavra muito edificante e confrontadora sobre ser ou não salvo.
http://gastaojunior.wordpress.com/category/salvacao
Fiquem na paz.
irmão Gastao.
Hélio, xará.
ResponderExcluirVou publicar parte deste texto em meu blog
http://doutrinacristaccb.blogspot.com/.
Postagem bastante elucidativa.
Deus te abençoe.
Fique à vontade, xará!
ResponderExcluire obrigado pela visita e pela referência!
Abraço!
Uma pergunta: E sobre aquele versículo que diz mais ou menos assim: "no dia em que pecar, não me lembrarei da sua justiça..." Não seria injusto? O confess & go faria todo o sentido se formos ver neste contexto.
ResponderExcluirEspero resposta: alandavid-sim@hotmail.com
Olá, Anônimo!
ResponderExcluirBem, eu levei um tempo para encontrar a sua referência, e ainda não tenho certeza se é sobre este versículo mesmo que você está se referindo. Mas o texto mais próximo disto que pude encontrar está em Ezequiel:
(Ez 33:12) Portanto tu, filho do homem, dize aos filhos do teu povo: A justiça do justo não o livrará no dia da sua transgressão; e, quanto à impiedade do ímpio, por ela não cairá ele no dia em que se converter da sua impiedade; nem o justo pela justiça poderá viver no dia em que pecar.
Se estamos falando deste texto mesmo, então devemos notar que o texto aqui não está tratando de "quedas momentâneas". O texto está na verdade condenando aquilo que o Hélio mencionou no início do texto, que é o entendimento de que a certeza da salvação é um ato meramente intelectual, desprovido de qualquer sinal espiritual. Isto é indicado pelo próximo versículo, que diz:
(Ez 33:13) Quando eu disser ao justo que certamente viverá, e ele, confiando na sua justiça, praticar iniqüidade, nenhuma das suas obras de justiça será lembrada; mas na sua iniqüidade, que praticou, nessa morrerá.
Vemos que a discussão aqui não é sobre uma queda temporária principalmente pelo fato de que Deus já dá a sentença para tais pessoas: a morte na iniquidade que praticou.