O capítulo 16 dá continuidade às parábolas de Jesus, iniciadas no capítulo anterior. Agora, nosso Senhor direciona a próxima parábola a seus discípulos (versículo 1). Portanto, se nos consideramos seus discípulos, devemos observar atentamente esta parábola.
A primeira parábola é a do mordomo infiel, ou melhor dizendo, do administrador infiel. É uma parábola de difícil entendimento, por vários motivos. O primeiro deles está relacionado com a questão de nosso Senhor estar ensinando a "Palavra não permitida" ou não com esta parábola, pois declara que o mordomo depois de dar descontos aos devedores de seu senhor teria sido sábio. O que isto quer dizer? Outra dificuldade é entender o uso das "riquezas da injustiça" para granjear amigos, e por meio destas, ser recebido nos céus, em contraste com a salvação pela fé. Não desanimemos com estas dificuldades, mas perseveremos em entendê-la. Como a parábola é direcionada aos discípulos, devemos esperar que a intenção de Jesus com ela seja igual àquela que ele mesmo explicou (Lc 8:10). Por isto não deve ser estranho se encontrarmos pessoas apontando esta parábola como se Jesus estivesse ensinando a "Palavra não permitida", ou a salvação por obras.
No primeiro versículo vemos que o mordomo infiel foi acusado de estar "dissipando" os bens de seu mestre. O mordomo aqui simboliza os discípulos, e o senhor simboliza Deus. Ao pecarmos, estamos dissipando os bens de Deus, pois nós que fomos criados para fazer o bem, estamos fazendo o mal. E por causa do mal que fazemos, acabamos morrendo (Rm 6:23), e por causa do mal que o mordomo fez, ele foi demitido. Antes porém, ele se colocou a pensar: o que fará de agora em diante?
Ele reflete se trabalharia cavando, que no caso pode simbolizar também qualquer tipo de trabalho braçal. Provavelmente trabalhou como contador boa parte da vida, e por isto não tinha força para fazer este tipo de serviço. Além do mais, por mais fraco que ele fosse, isto apenas deveria servir de desculpa para a preguiça de fazer um trabalho que nunca fez. Também não mendigaria, pois provavelmente seu orgulho não o deixaria fazer isto.
Resolveu então agradar os devedores de seu senhor, para que se ele precisasse de algo, que eles o ajudasse depois. Para isto, ele dá descontos para todos eles. Notem que ele faz isto de forma apressada, para que seja feito antes de seu patrão descobrir, ou talvez por que este mordomo não tem mais muito tempo em seu trabalho.
A questão de se isto é ou não lícito no antigo Israel parece divergir de um comentarista para outro. Os comentaristas mais antigos dizem que a atitude em si era reprovável, enquanto mais novos dizem que o mordomo possuía este direito. Ao meu ver, ser ou não lícito não muda a mensagem que queria se transmitir, pois em momento algum Jesus autoriza a "Palavra não permitida", ou elogia o ato em si. Da mesma forma posteriormente temos ilustrações relacionadas com guerras e escravidão, sem que qualquer dos dois seja elogiado. Ele é representado como o ladrão (Mt 24:43), sem com isto elogiar o roubo.
Posteriormente, o senhor descobre o que o mordomo fez. Reparem que lícito ou não, o senhor teria todos os motivos para reprovar a atitude deste mordomo. Afinal de contas, o motivo para a demissão dele foi exatamente dissipar seus bens. O mordomo poderia até ter o direito de dar descontos, mas o senhor tinha o direito de receber mais. E de fato, Jesus não diz que o senhor louvou o mordomo por ter dado descontos dentro de seus direitos. Ele louvou o mordomo por ter agido com sagacidade. O mordomo previu sua situação futura, e agiu de forma a melhorar sua situação. Foi por isto que ele foi louvado. Aquele senhor elogiou os fins e não os meios.
O que podemos entender disto? Nós somos considerados os mordomos dos bens de Deus, todos nós. Um dia teremos que prestar contas do que fizemos com estes bens. E apesar de serem dádivas de Deus, estes bens são também chamados de "riquezas da injustiça", mostrando que elas não significam nada para Deus. Significam muito para o próximo, de tal forma que usamos estas riquezas para que estes nossos próximos nos recebam nos tabernáculos eternos. É neste ponto que o defensor da salvação pelas obras peca: pois Jesus não diz que usamos as riquezas da injustiça para irmos aos tabernáculos eternos, mas para ser recebidos por aqueles que ajudamos. A ida é garantida pela fé, agora a nossa recepção por parte dos irmãos necessitados deste mundo, é resultado de nossas obras. Na parábola, o mordomo infiel pretendia agradar os devedores de seu senhor para que, quando ele fosse às casas destes devedores, fosse recebido e fosse ajudado em suas necessidades. Aqui, ajudamos os pobres para sermos ajudados no mundo vindouro. Portanto, não falamos de salvação, mas apenas de dádivas, tanto neste mundo como no mundo vindouro.
Por isto mesmo Cristo nos diz: se não formos fiéis nas riquezas injustas (dádivas deste mundo), como poderão confiar a nós as dádivas verdadeiras (que serão dadas no céu)? Se valorizamos as riquezas acima até de Deus, como podemos esperar que recebamos nossa verdadeira herança? Assim, ninguém pode servir aos dois senhores: Deus e as riquezas. Curiosamente as teologias da prosperidade estão tentando unir os dois, e criar tais servos.
Mas a teologia da prosperidade não é algo novo. Aqueles fariseus, que eram gananciosos, viam as riquezas como indício de favor divino. Este pensamento nunca foi novo, os amigos de Jó pensavam assim, e concluíram que Jó era um grande pecador por ter sofrido várias catástrofes em sua vida.
Para responder isto, Jesus conta mais uma parábola, que é conhecida por muitas pessoas. Esta parábola de fato serve para corrigir muitas visões da atualidade, não somente a teologia da prosperidade. É a parábola do pobre Lázaro e do rico.
A intenção da parábola então é mostrar que os pobres são salvos sim. Para isto, Jesus fala de um pobre chamado Lázaro, que sofria de vários infortúnios. Fala também de um rico que Jesus não dá nome. Jesus relata que após a morte, o rico é levado ao Hades enquanto o pobre é levado ao seio de Abraão. É interessante que Jesus fale de Seio de Abraão aqui, pois é uma linguagem muito comum na literatura judaica antiga. No testamento de Abraão, temos a descrição da morte do patriarca:
Isaque seu filho veio e se reclinou em seu peito chorando. Então também sua esposa Sara veio e abraçou seus pés, lamentando-se amargamente. Também todos os seus servos, homens e mulheres, vieram e cercaram o senhor, lamentando-se grandemente. E Abraão entrou na depressão de morte. E a Morte disse a Abraão, "Venha, beije minha mão direita, e pode vir alegria e vida a você". Pois a morte desiludiu Abraão. E ele beijou sua mão e imediatamente sua alma aderiu à mão da Morte. E imediatamente Miguel o arcanjo ficou ao seu lado com milhares de anjos, e eles ergueram sua preciosa alma em suas mãos em linho divinamente tecido. E eles zelaram do corpo do justo Abraão com divinos ungüentos e perfumes até o terceiro dia depois de sua morte. E eles enterraram-no na terra prometida nos carvalhos de Manre, enquanto os anjos escoltavam sua preciosa alma e ascendeu aos céus cantando o hino triplamente sagrado a Deus, o mestre de tudo, e eles o registraram para adoração a Deus e Pai. E depois que grande louvor em música e glorificação foi oferecida a Deus, e quando Abraão adorou, a voz imaculada de Deus e Pai disse assim: "Levem, então, meu amigo Abraão ao Paraíso, onde há tendas de meus justos e onde as mansões de meus justos, Isaque e Jacó, estão em seu seio, onde não há fatiga, lamentação, mas paz e exultação e vida eterna". - Testamento de Abraão 20:6-14
Onde vemos a equivalência entre Seio de Abraão e o Paraíso, na literatura judaica. Jesus certamente estava aludindo a este paraíso quando falou de Seio de Abraão. Por outro lado, vemos o rico ir para tormentos. Este tentando obter algum alívio, pede para que gotas de água lhe sejam enviadas por Lázaro. Porém, agora era tarde. Lázaro em vida disputava pelas migalhas de sua mesa, ele jamais foi até Lázaro para lhe dar comida. Agora ele não poderia sequer pedir que Lázaro fosse lhe levar estas gotas de água. O abismo, muito além do físico, é o abismo moral. Ele não fez bom uso de suas "riquezas iníquas" em vida, portanto não poderia ser recebido por Lázaro. Não poderia desfrutar das dádivas que Lázaro tinha agora.
Temendo por sua família, então o rico resolve pedir para que alguém vá avisar eles. Porém Abraão é contundente: eles tem a Lei, e a lei é quem orienta as pessoas para o caminho correto. Por fim, ele complementa: nem mesmo se uma pessoa voltasse dos mortos eles seriam convencidos. Talvez você possa dizer que não, talvez você dissesse que se visse um morto retornando à vida, você mudaria. Mas temos prova que isto não acontece com corações de pedra. Jesus voltou dos mortos, e foi visto por muitas pessoas. Mesmo assim, muitos se desculpam por manter os mesmos padrões de vida. Muitos destes aliás, que dizem crer em Cristo. Não atinge esta parábola justamente os defensores da teologia da prosperidade? Pois eles tem a lei, e eles a conhecem, mas mesmo assim continuam agir como se as riquezas indicam a salvação. Deixam de ajudar seu próximo, para focar-se em si mesmos.
Por outro lado, a parábola combate outras idéias erradas que temos hoje. A primeira é o aniquilacionismo, ou o sono da alma. Temos aí um exemplo vindo da boca de Cristo, de pessoas morrendo e indo para o paraíso ou hades, mantendo sua consciência. Adeptos do aniquilacionismo geralmente alegam que o texto é uma parábola, e que não deve-se interpretar seus elementos separadamente. Concordamos com eles, mas lembramos ao mesmo tempo, que todas as parábolas de Cristo são feitas com situações reais, com elementos reais. Mesmo parábolas como a do mordomo infiel descrita antes desta possuem elementos reais, pois mordomos, senhores e devedores existiram na época. O mesmo pode ser dito acerca dos que defendem o universalismo, ou que na morte não há tormentos, apenas alegrias. Pelos mesmos motivos, os elementos da narrativa são verdadeiros.
Esperemos então que as parábolas descritas neste capítulo despertem em nós a caridade.
P. S.: Para acessar o estudo feito pelo Hélio sobre Lucas 16, clique
aqui.
Fico um pouco confusa, quando leio seus textos. Paro para pensar, isso me faz bem. Obrigada
ResponderExcluirFiz postagem nova e espero que apareça por lá, será sempre bem vindo.Um abraço.
marthacorreaonline.blogspot.com