sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Preconceito às avessas

Vez por outra, alguém reclama que só se pune o preconceito racial de branco contra negro, mas não o contrário, numa dessas frases efeito talvez aprendidas no Jornal "Somos Todos Brancos" Nacional, aquele que tem como diretor um cara que escreveu um livro dizendo que não existe racismo no Brasil (me engana que eu gosto...). Não deixa de ter algum apelo a queixa, mas ela resiste apenas na superfície, quando quem a ouve ou lê não pára para pensar.

O princípio constitucional da igualdade, ao contrário do que muita gente pensa, não significa tratar a todos igualmente, mas:

- tratar igualmente os iguais

- tratar desigualmente os desiguais

Portanto, se considera racismo o tratamento pejorativo ou degradante de brancos contra negros, porque brancos escravizaram negros no passado. Desta maneira, se negros houvessem escravizado brancos, hoje poderíamos considerar racismo o tratamento pejorativo ou degradante de negros contra brancos. Entretanto, nem isso existe, ou raramente acontece, porque negros não estão em posição econômica ou social superior à dos brancos. Quando isto acontece, é exceção, e geralmente não é bem vista.

Logo, deve-se considerar o racismo com todos os seus componentes históricos e sociais, e não apenas um fato isolado e instantâneo do presente. Isto se chama comodismo ou má fé.




Para ver uma abordagem deste mesmo assunto, mas com muito bom humor, confira "Racismo reverso e karma" neste mesmo blog.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Auto-estima, por Lloyd John Ogilvie

ANTES DE PODERMOS AMAR OS OUTROS

Leitura bíblica: Marcos 12:28-34

Versículo-chave: Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes (Marcos 12:30-31)

Meditação: Não é fácil cumprir o segundo grande mandamento de Jesus, de amarmos o nosso próximo como a nós mesmos. Por que é tão difícil amar as pessoas sem exigências, padrões e imagens do que desejamos que elas sejam? O motivo encontra-se no próprio mandamento: devemos amar os outros como a nós mesmos. E aí está a dificuldade. Muitas vezes não amamos a nós mesmos.


Friedrich Nietzsche, embora fosse pagão, chegou bem perto da verdade, ao dizer: "O amor ao próximo é o amor ruim por si mesmo. A pessoa sente pelo próximo o que sente por si mesma e gostaria de transformar esse sentimento em virtude. Eu, porém, percebo o seu "altruísmo". A pessoa não agüenta consigo mesma e não ama a si mesma o suficiente".

Temo que ele esteja com a razão. Temos falado de auto-aceitação e de amor próprio sadio. A marca da maturidade cristã é o crente poder dizer: "Está certo, é isso o que sou; são estes os meus talentos; são estes os meus problemas e os meus dons". Todos nós recebemos dons singulares de Deus, e todos nós temos talentos que podemos usar para a sua glória. Certa garotinha ganhou um vestido novo. Dando voltas pela sala, ela entoou: "Estou contente em ser eu!" Que auto-apreciação simples, pura e sadia. Quantos de nós poderíamos dizer o mesmo? Quantos estão contentes de ser o que são e estar onde estão? Eis uma oração pedindo a auto-estima centrada em Cristo: "Senhor Deus, dê-me a auto-apreciação sadia de poder dizer: "Estou contente em ser eu!" Ajude-me a ver tudo o que o Senhor me tem dado e como me tem abençoado e dirigido através dos anos. E então, com verdadeira liberdade, ajude-me a desfrutar da vida que o Senhor me deu. Amém."

Pensamento do dia: O amor pelos outros flui de uma auto-estima sadia, firmada no amor de Deus.

(Lloyd John Ogilvie, em "O que Deus tem de melhor para minha vida", meditação de 27 de novembro)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Preconceito ou Posição?

O preconceito religioso existe de todas as partes, mas é preciso diferenciá-lo de um simples posicionamento, ainda que dogmático, a respeito das crenças de uma determinada religião, ou mesmo da descrença na ausência dela. 

Muitas vezes os crentes são criticados por pregar contra o preconceito, mas vivê-lo na prática.

Todos nós temos o nosso sistema de crenças, independentemente de sermos religiosos ou não, crentes ou descrentes. 

E isto varia de povo para povo, de cultura para cultura, e, de etnia para etnia. 

Para mim, preconceito é uma atitude mecânica, automática, de excluir o outro de antemão. 

Alguém é preconceituoso quando se nega a interagir com o outro em qualquer nível, apenas porque ele tem uma etnia, crença, cultura, idioma, origem social, etc., diferente da sua. 

"Pregar" contra o preconceito não tem nada a ver com crença ou descrença. 

Eu, como cristão, posso muito bem me unir a um ateu para pregar contra o preconceito racial, por exemplo. 

De fato, há muitos religiosos que excluem de antemão pessoas de outras religiões, ou que não creiam em nada, assim como há muitos ateus que excluem religiosos sem nem pensar no assunto. 

O fato deles agirem assim não deve ser generalizado, nem se pode confundir as diferenças doutrinárias entre grupos que dizem seguir uma mesma base religiosa, por exemplo. 

O fato de eu ser enquadrado como protestante não pode nem deve me impedir de conversar com um ateu, um católico ou o espírita. 

O fato de eu crer em alguns dogmas da minha religião, não me impede de debatê-los respeitosamente com quem quer que seja, e esta minha crença neste determinado dogma não se confunde com "preconceito", porque não excluo ninguém da possibilidade de discuti-lo. 

Apenas o tenho por certo devido à minha experiência de vida, que me permitiu pensar e repensar sobre ele durante muito tempo, e, embora não creia que alguém venha a mudá-lo um dia, não tenho medo de expô-lo a um debate crítico sério que me permita, inclusive, aprender muito mais sobre ele quando o submeto à avaliação de alguém que pensa diferente.

A mesma coisa vale para TODAS as nossas relações sociais. 

Se, por um desses acasos do destino, eu tenho que interagir com um muçulmano polígamo, ainda que a minha cultura (e a lei do meu país) diga que a monogamia é o relacionamento conjugal aceitável, eu tenho toda a liberdade de interagir com um polígamo, por entender que na cultura, na legislação e na religião dele, esse comportamento é admissível. 

Aí não se trata de preconceito, mas de uma questão cultural. 

Da mesma maneira, eu não posso excluir alguém porque gosta de um estilo musical que eu abomino, que é típico da sua cultura e da sua região. Aí também não se trata de preconceito, mas de gosto musical. 

E o que dizer de quem come cachorro, escorpião, barata, gafanhoto, etc., como acontece na China? Vou desistir de ir lá só porque eles tem um paladar diferente do meu? 

Posso até sentir asco quanto à comida, mas de maneira alguma eu vou deixar de interagir com os chineses por causa disso. 

E falando de China ainda, eu acho que é um país que tem um governo autoritário e ditatorial, e que oprime o Tibete. 

Sei, entretanto, que há uma série de fatores que fazem com que esta situação perdure até hoje, mas não tenho preconceito contra o governo chinês. O que eu tenho é uma oposição política.

Quanto a "julgar", todos nós julgamos todos os dias, em todos os instantes da vida.

Estamos sempre avaliando o que é melhor para nós, para nossa família, nossos amigos, nossa cidade, nosso país, nossa cultura. 

O problema acontece quando nós condenamos imediatamente, sem dar ao outro a oportunidade de interagir conosco e, se for o caso, defender o seu ponto de vista. 

Portanto, todos nós, crentes e ateus, temos o direito de pregar contra o preconceito, porque diferença de opinião não deve ser confundida com preconceito, é apenas uma questão de posicionamento.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Uma ferida que ainda sangra...

O site Cristianismo Hoje traz um artigo lembrando os 30 anos do suicídio coletivo de mais de 900 seguidores da seita Templo do Povo (People's Temple), fundada pelo pastor americano Jim Jones, que havia reunido todas essas pessoas na Guiana, num vilarejo que ele também fundou, chamado de Jonestown. No dia 18 de novembro de 1978, a alucinação religiosa coletiva chegou ao final, mas para quem acompanhou as terríveis notícias (e as imagens) da época, parece que foi ontem.

Por falar nisso, ontem a Fox News exibiu algumas fotos inéditas da barbárie, que ainda chocam e arrepiam da mesma maneira que há 30 anos atrás... talvez seja por isso que este massacre não recebeu até hoje uma análise mais aprofundada. Houve até um seriado muito bom que a Globo exibiu ali na virada dos 70's para os 80's, mas, até onde sei, nunca se procurou medir o impacto que este massacre teve nas igrejas evangélicas (e na pregação do evangelho) a partir de então.

Eu me converti em 1983, 5 anos depois, mas a minha geração de crentes sentiu na pele o medo e a desconfiança que este episódio gerou, além das piadas macabras e dos comentários maldosos que todos nós éramos obrigados a ouvir. O próprio Chico Anisio se inspirou no massacre para criar o personagem cômico Tim Tones, algum tempo depois, aquele da música "Tim Tones, glória, Tim Tones" e do "vamos passar a sacolinha". Era uma sátira aos televangelistas americanos da década de 70, nem todos sérios, que marcaram a "virada" de um modelo de igreja muito mais comprometido com a pregação da Palavra para outro(s) modelo(s) em que o dinheiro e a mídia eram (muito) mais importantes. O acontecido em Jonestown talvez os tenha obrigado a mudar seu foco para algo mais light, mais "consumível", mais palatável, menos tenebroso e menos arriscado. Daí termos partido para o outro extremo, em que a igreja se assemelha mais a um clube de serviço para as pessoas trocarem afáveis cartões de visita. Afinal, business is business...

De qualquer maneira, ainda existem muitos loucos dirigindo seitas fanáticas mundo afora, mas acho que a possibilidade de algo parecido acontecer de novo é remota no meio dito "evangélico", já que os Jims Joneses de hoje prometem o paraíso na Terra, com cartões, carrões e mansões, e no momento que um deles ordenasse alguém a tomar a poção de cianeto, a sua máscara (e o seu veneno) cairia por terra...

Infelizmente, são lições macabras que podemos tirar das tragédias, mas nada trará de volta os inocentes (principalmente as dezenas de crianças) que um louco conseguiu enganar e submeter ao seu desatino, isso em nome do (seu) evangelho, mas que pelo menos sirva para os crentes de hoje examinarem melhor o que dizem seus "profetas", muitos não menos perigosos do que Jim Jones ou menos ridículos e gananciosos que Tim Tones.

domingo, 16 de novembro de 2008

Atropelágio

Enquanto o governo estadual paulista continua pensando somente em arranjar estradas para privatizar a tarifas estratosféricas, os tamanduás-bandeira da Rodovia Raposo Tavares continuam pagando o preço, que este blog já vem denunciando há tempos nos seguintes textos:

Bandeira 2 para o tamanduá

Uma bandeira para o tamanduá

Passei este fim-de-semana pela citada rodovia, e o trecho entre Angatuba e Paranapanema continua sendo o holocausto dos tamanduás, conforme mostram as tristes fotos abaixo, tiradas nos km 210 e 239, onde dois exemplares da espécie jaziam. 

Talvez o nosso querido governador Serra esteja esperando o extermínio dos tamanduás-bandeira das nascentes do Rio Paranapanema, para que eles não atrapalhem as nossas não menos queridas concessionárias de rodovias, e, para usar um verbo que tucano aprecia, os quase-extintos animais não "impactem" demais a planilha de custos de nossos dedicados cobradores de pedágio. 

Apesar disso, este blog seguirá tocando a corneta, alertando a consciência ecológica deste país, se é que ela existe (ou um dia existiu).








quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Mãe de Deus, Encarnação e Trindade




A expressão Mãe de Deus - associada a Maria - desde o quarto século é uma expressão polêmica no meio cristão, e poucas pessoas compreendem seu real significado. Não é à toa que ela foi a principal causa de dois Concílios Ecumênicos e gerou uma das maiores controvérsias do cristianismo.


Hoje ela está automaticamente ligada ao catolicismo, e se tornou uma expressão mariológica, a exemplo de Theotokos (do grego Θεοτόκος), na ortodoxia oriental. Por isto mesmo, no meio evangélico, há uma espécie de aversão instantânea a esta expressão, o que faz com que as pessoas a rejeitem sem ao menos refletir sobre o seu real significado.


Desta maneira, poucos conhecem sua natureza cristológica, pois a expressão, quando foi criada, estava muito mais relacionada à divindade de Cristo do que a uma pretensa superioridade de Maria. Por isto lemos no Credo de Calcedônia:
Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, constando de alma racional e de corpo; consubstancial, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado, gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da virgem Maria, mãe de Deus; Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, inseparáveis e indivisíveis; a distinção da naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência; não dividido ou separado em duas pessoas. Mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor; conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos pais nos transmitiu.


Este credo é aceito por todas as denominações protestantes, com exceção das extremamente puritanas e de algumas seitas que renegam todo o passado da Igreja. É comum encontrar pessoas que a chamam de herética, talvez por associá-la - como que por reflexo condicionado - apenas ao catolicismo. Eu não sou dogmático, e não condeno ninguém por achar errado valer-se da expressão, como católicos a utilizam, e o fazem de forma forçada, a meu ver... só que o título Mãe de Deus não é heresia, como muitos alegam. Talvez haja discordância sobre o seu uso correto, mas não se trata de uma expressão herética. Isto se explica porque as duas naturezas de Cristo estão tão unidas, que a expressão é possível. Vejamos:


Sabemos que Cristo é um ser que possui duas naturezas, a saber, a humana e a divina. Estas naturezas estão intimamente ligadas no ser Jesus Cristo. Assim, o que acontece com uma natureza, acontece com todo o ser Jesus Cristo, e não com parte dele.


É como chorar. Quem desempenha a tarefa de chorar é o olho, mas quando choramos, ninguém diz que é o olho que está chorando, mas nós por completo. A pessoa chora, não apenas o olho.


O mesmo acontece com Cristo. Deus não pode chorar, não é propriedade de sua natureza. Mas na Encarnação, Deus pode chorar através de sua natureza humana. Então quando Cristo chora, Deus chora, pois suas naturezas são uma só em seu ser. Da mesma forma, um homem não pode ser adorado, mas por causa da união entre as duas naturezas, a natureza humana de Cristo recebe adoração como Deus.


Isto precisa ser assim, pois era necessário que Cristo experimentasse a morte, como o autor de Hebreus diz:
(Hb 9:15) E por isso é mediador de um novo pacto, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões cometidas debaixo do primeiro pacto, os chamados recebam a promessa da herança eterna.
(Hb 9:16) Pois onde há testamento, necessário é que intervenha a morte do testador.
(Hb 9:17) Porque um testamento não tem força senão pela morte, visto que nunca tem valor enquanto o testador vive.


Ora, se Deus não experimenta a morte, então nós não podemos receber nossa herança eterna!!! Imagine quão perigoso é isto para nossa salvação!!!


E aqui nós podemos perceber quão herético é o aniquilacionismo. Pois se a morte é aniquilação, Deus ao experimentar a morte teria sido aniquilado!!! Nós ao contrário cremos que a morte é uma separação do mundo material, não uma aniquilação do ser completo.


Então, o título "mãe de Deus" é válido sim, pois as propriedades de uma natureza são compartilhadas com a outra, pois Jesus é um ser (mais que) completo, íntegro e co-substancial em suas essências humana e divina. Assim, Deus não tem uma mãe humana, mas através de sua natureza humana ele tem uma mãe. Estas são as palavras mencionadas na confissão de Calcedônia e é como se deve entender esta expressão.


Complementando a idéia acima, sempre me chamou a atenção para o fato que a Bíblia chama muitas vezes Deus de "o Deus Vivo". Isto ela faz em contraste com os deuses mortos dos pagãos.


Bem, nós protestantes entendemos a morte como uma separação do mundo material. O morto não se comunica com este mundo mais, ele não se relaciona com ele. Talvez por isto o contraste bíblico... Os deuses pagãos são incapazes de se relacionar com este mundo, de salvar seus fiéis, de lhes dar esperança.


Já mencionei algumas vezes o fato de Deus ter que morrer como condição apresentada no livro de Hebreus, e muitos acharam a idéia absurda, talvez por que nesta hora pensem na morte como aniquilação... Mas o que acontece é que este não se relaciona mais com o mundo, pelos três dias, e por isto também a solução modalista de que somente Jesus é Deus, que o Pai e o Espírito Santo são modos de Jesus se revelar ao mundo, é herética da mesma forma. Como poderia o mundo ficar sem se relacionar com Aquele que o sustém? Deus deixaria de manter o mundo pelos 3 dias? Assim, a Trindade se impõe como doutrina não por uma manobra político-ideológica, mas como uma necessidade teológica absoluta para explicar a nossa salvação.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Pancadaria no Santo Sepulcro

Eu costumo dizer que o comportamento das denominações cristãs, umas em relação às outras, mais se parece com as torcidas organizadas na saída do estádio de futebol. Infelizmente, monges ortodoxos armênios e gregos confirmaram esta tese ontem, ao protagonizarem um "espetáculo" de violência dentro da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, um dos lugares mais sagrados para todos os cristãos. E que a culpa não recaia somente sobre os ortodoxos, podiam muito bem ser católicos e protestantes, pentecostais e fundamentalistas, batistas e presbiterianos, etc.... que triste exemplo estamos dando ao mundo...






(leia a notícia no UOL)

sábado, 8 de novembro de 2008

A "caridade" que condena

Alguém me contou que testemunhou um diálogo numa cidade pequena do interior, em que uma pessoa foi cobrar uma cesta básica de um vereador eleito. Diante da surpresa do eleito, a pessoa em questão retrucou:

- Mas você tem que me dar uma cesta básica. Eu votei em você, agora você tem obrigação de retribuir.

Tudo indica que o diálogo não tenha sido exatamente assim, mas eu imagino que ele se repita aos milhares Brasil afora, sem se importar com o tamanho da cidade. As pessoas não percebem que o voto é livre, comprá-lo é crime, e que se algum candidato consuma esta suspeitíssima "caridade", vai arranjar outro jeito (geralmente ilícito) de recuperar o prejuízo. Assim, na próxima eleição, o voto será trocado novamente por uma cesta básica, enquanto os recursos públicos que deveriam ter sido destinados à saúde e educação, por exemplo, foram "interceptados" no meio do caminho. É um círculo vicioso sem fim.

É fácil criticar a postura desta pessoa, mas no fundo ela é vítima, mais do que da sua imbecilidade, da política de (des)educação deste país. Houvesse educação de qualidade para todos, o voto seria mais consciente e muito pouca gente se submeteria a uma "vantagem" deste tipo. Sai governo, entra governo, passa partido, mas a educação é sempre a prioridade de todos na campanha, esquecida no dia seguinte à eleição. Há um motivo claro, ideológico, para isso: só assim os maus políticos se perpetuam no poder, independentemente da cor partidária que vistam. O que a mão direita faz, a esquerda faz também. Afinal, estão todos unidos pela ideologia da esperteza que condena o Brasil à mais perene mediocridade.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

De volta aos reformadores


Nesses tempos bicudos, em que vemos muitas pessoas se servindo da Igreja em vez de servir a Deus e ao próximo, não surpreende encontrar nos reformadores quem se opusesse a esta mercantilização da religião. Pena que, na atual era dos "teólogos" profanos do utilitarismo, os reformadores sejam muito pouco lidos e respeitados. Em 1519, Martinho Lutero escreveu o seu "Sermão sobre o Venerabilíssimo Sacramento do Santo e Verdadeiro Corpo de Cristo e sobre as Irmandades" (que pode ser lido clicando-se aqui), em que fala sobre a Eucaristia, ainda numa visão mais próxima da Igreja Católica do que aquela que formularia ao longo do seu ministério. É preciso ler este Sermão levando em conta que Lutero ainda estava no início de sua separação do Vaticano. As 95 teses haviam sido pregadas na porta da Igreja de Wittenberg em 1517, a Dieta de Worms se reuniria apenas em 1521 para julgá-lo, ano em que o papa o excomunga. Para Lutero, a eucaristia era um dos temas centrais da vida da Igreja, e ele enfatiza a questão da fé, da comunhão e do serviço cristãos, que, infelizmente, vêm sido esquecidos pela igreja evangélica brasileira em pleno século XXI:

13. Não é difícil encontrar pessoas que gostam de desfrutar, mas não querem contribuir. Isto é: gostam de ouvir que neste sacramento lhes é prometido e dado auxílio, comunhão e assistência de todos os santos. Elas, entretanto, não querem retribuir a comunhão, não querem ajudar o pobre, tolerar os pecadores, cuidar dos miseráveis, solidarizar-se com os que sofrem, interceder pelos outros. Também não querem apoiar a verdade, buscar o melhoramento da Igreja e de todos os cristãos empenhando seu corpo, seus bens e sua honra. Elas não o fazem porque temem o mundo, porque não querem ter que sofrer desfavor, prejuízo, vergonha ou morte, embora Deus queira que, por causa da verdade e do próximo, elas sejam deste modo impelidas a desejar tão grande graça e força desse sacramento. Estas são pessoas que buscam seu próprio proveito, às quais este sacramento de nada serve, assim como é insuportável o cidadão que quisesse ser apoiado, protegido e favorecido pela comunidade, mas que, em contrapartida, não servisse à comunidade e nada fizesse por ela. Nós, pelo contrário, precisamos deixar claro que os males dos outros também sejam nossos, se queremos que Cristo e seus santos assumam os nossos males; assim a comunhão se torna plena e se faz justiça ao sacramento. Pois onde o amor não cresce diariamente e transforma a pessoa de tal forma que ela participe da existência de todos, aí o fruto e o significado desse sacramento estão ausentes.

[...]

Entra aqui a terceira parte deste sacramento: a FÉ, que é o que importa. Pois não basta saber o que é e o que significa este sacramento. Não basta saberes que se trata de uma comunhão e de uma misericordiosa permuta ou mistura do nosso pecado e sofrimento com a justiça de Cristo e de seus santos. Tu também precisas desejá-lo e crer firmemente que o recebeste. É neste ponto que o diabo e a natureza mais se esforçam, para fazer com que a fé de modo algum persista. Algumas pessoas exercitam sua habilidade e sutileza tentando descobrir onde fica o pão ao ser transformado na carne de Cristo e o vinho [ao ser transformado] em seu sangue, e como, sob tão pequena porção de pão e vinho, pode estar encerrado todo o Cristo, sua carne e seu sangue. Não importa que tu não te preocupes com essas questões. É suficiente que saibas que é um sinal divino, no qual a carne e o sangue de Cristo estão verdadeiramente contidos; deixa o "como" e o "onde" por conta dele mesmo.

[...]

Por isso também é útil e necessário que o amor e a comunhão de Cristo e de todos os santos aconteçam ocultamente, de modo invisível e espiritual, e que nos seja dado apenas um sinal corporal, visível e exterior dos mesmos. É que se esse amor, comunhão e apoio fossem evidentes como a comunhão temporal das pessoas humanas, não seríamos fortalecidos nem exercitados no sentido de confiar nos bens invisíveis e eternos ou de desejá-los; antes, seríamos exercitados em confiar apenas nos bens temporais e visíveis, ficando tão habituados a eles que não abriríamos mão deles de bom grado e seguiríamos a Deus somente na medida em que nos precedessem coisas visíveis e palpáveis. Desta forma, seríamos impedidos de jamais chegar a Deus, pois, para chegarmos até ele, todas as coisas temporais e perceptíveis devem desaparecer e nós devemos nos desacostumar delas por completo.

(Martinho Lutero, in Obras SelecionadasOs primórdios – Escritos de 1517 a 1519, Eds. Sinodal/Ulbra/Concórdia, 2004, vol. 1, 2ª ed., pp. 425-444, tradução de Annemarie Höhn et al.)


De volta à Reforma, já!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Mercadinho gospel

O site Gospel + informa que mais um produto "gospel" será lançado no mercado, o Leão de Judá-Cola, que chega ao mercado paulistano em dezembro. Ao que parece, continuaremos testemunhando a descida de alguns "evangélicos" ao inferno do consumismo profano desenfreado.

sábado, 1 de novembro de 2008

A apologia do profano


Dicionário Houaiss:


Profano:


Acepções

■ adjetivo

1. que não pertence ao âmbito do sagrado - Ex.: coisas p.

2. que é estranho, que não pertence à religião - Ex.: elementos p. penetraram no santuário

3. que deturpa ou viola a santidade de coisas sagradas - Ex.: atitude p. diante da Bíblia

4. que não é religioso; leigo, temporal, secular - Ex.: instituição p.

5. que não tem finalidade religiosa; mundano


Sinônimos - ver sinonímia de secular

Antônimos - sacro, sagrado; ver tb. antonímia de secular


A coisa no meio dito "evangélico" anda tão desavergonhada, que tem até pastor vendendo consórcio "em nome de Jesus", expressão tão bela e pura que está sendo transformada em mais um dos inúmeros chavões evangélicos que assolam a Igreja no Brasil, ao lado de "palavras mágicas" como "nova unção", "noiva", "apaixonado" e outras do gênero. Meus 45 anos de vida (25 como cristão) muito bem vividos, diga-se de passagem, me dão a convicção empírica de que determinadas atitudes reprováveis e/ou reprimidas por muito tempo, se a pessoa não muda (ou se converte) efetivamente, tendem a se tornar aberrações. Infelizmente, boa parte da igreja evangélica brasileira está sendo consumida pela voracidade das heresias travestidas de piedade, profanando o sagrado, como Paulo havia predito a Timóteo:

2Ti 3:1 Saiba disto: nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis.
2Ti 3:2 Os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios,
2Ti 3:3 sem amor pela família, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem,
2Ti 3:4 traidores, precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus,
2Ti 3:5 tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder. Afaste-se também destes.

O interessante é que este descaramento da pastorzada - que, além de não merecerem o título de pastor, desprezam a importância do nome (e do sacrifício) de Jesus - começa a ser percebido inclusive pela imprensa secular (aquela que, pela sinonímia acima referida, deveria ser profana), como é o caso deste artigo do Ricardo Feltrin no UOL, que merece ser transcrito:


29/10/2008 - 15h46


Pastor usa nome de Jesus para fazer 'merchan' de consórcio na TV

Ricardo Feltrin

Colunista do UOL


Se existe uma "vítima" da chamada Teologia da Prosperidade ela é a própria palavra escrita na Bíblia. Essa teoria (ou prática teológica) tem se disseminado de forma surpreendente, e é defendida por evangélicos que crêem - a grosso modo - que Deus tem algum tipo de dívida para com o ser humano, ou que tem uma espécie de acordo (com ares de obrigação inescapável) de dar-lhe riqueza e felicidade caso a pessoa realmente tenha fé e o queira. A contrapartida geralmente é o fiel desembolsar alguma riqueza própria (dinheiro) em troca da riqueza maior futura.

O pastor evangélico Marco Feliciano, do Ministério Tempo de Avivamento, leva a teoria às últimas consequências em site e em programa na Rede TV. Enquanto garante que Deus atenderá a todos os pedidos de "fiéis", "perseverantes" ou "valentes", ele aproveita e vende cursos de teologia, DVDs, CDs de músicas e camisetas. Até aí, ok, nada demais. Mas ele também usa o nome de Jesus em merchandisings.

Segundos após realizar uma oração inflamada (que inclui palavras de língua desconhecida), pastor Feliciano ressurge como garoto-propaganda no mesmo cenário para vender um consórcio de casa própria, o GMF Consórcios.

"Você realiza, então, em nome de Jesus, o sonho da casa própria", diz o pastor.

Bíblia, hermenêutica e edição

Os pastores e bispos adeptos da teologia ou teoria da prosperidade fazem uso da hermenêutica na leitura da Bíblia para garantir que o que estão fazendo não viola as regras de Deus ou de Jesus. Trata-se de uma espécie de "edição" de conteúdo: cada um usa a Bíblia da forma que lhe interessa.

Senão vejamos: a orientação divina para que os humanos não se percam em desejos materiais em detrimento ao amor por Deus está citada duas vezes, de forma muito semelhante, em dois diferentes Evangelhos.

Em Lucas, 16:13, lê-se: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas."

Da mesma forma, em Mateus 6:24, está: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom".

Por outro lado há outro trecho em Lucas , 11:9, que diz que ao pedir algo a Deus, o fiel simplesmente receberá o que deseja (de acordo com o merecimento e fé, pressupõem-se). Mas sem precisar fazer um carnê de desafio com uma igreja. Sem intermediários.

"Por isso eu digo: peçam e vocês receberão; procurem e vocês acharão; batam, e a porta será aberta para vocês." No caso do pastor do "merchan", a porta começa com um consórcio para a casa própria.


(PARA VER O TRISTE VÍDEO, CLIQUE AQUI)


Quando o profeta Balaão vendeu-se a Balaque (Números 22), Deus usou uma jumenta para adverti-lo. Na sua insensatez, preocupado que estava em locupletar-se com o sagrado, Balaão nem se deu conta de que estava travando um diálogo acalorado (e estapafúrdio) com uma jumentinha. Quando os pseudo-profetas se rendem ao consumismo desenfreado, e quando o povo de Deus se cala diante de tanta indecência, o Senhor levanta outras vozes para expô-los ao ridículo.

A aberração, a indecência, e a indiferença e o desprezo pelo sagrado (ou seja, o profano), estão se transformando na marca registrada de uma parte enorme da igreja evangélica brasileira. Isto precisa ser combatido e denunciado, pois é assim que a população nos vê, misturados a esses mercadores das coisas santas, a esses atiradores de pérolas aos porcos, e precisamos nos separar desta gente que envergonha o evangelho (e o nome) de Jesus. Ou fazemos isso, ou animemos esses mercadores a usarem o - muito mais apropriado - nome de Esaú:

Hebreus 12:14 Esforcem-se para viver em paz com todos e para serem santos; sem santidade ninguém verá o Senhor.
12:15 Cuidem para que ninguém se exclua da graça de Deus, nem alguma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando a muitos.
12:16 Não haja nenhum imoral ou profano, como Esaú, que por uma única refeição vendeu os seus direitos de herança como filho mais velho.
12:17 Como vocês sabem, posteriormente, quando quis herdar a bênção, foi rejeitado; e não teve como alterar a sua decisão, embora buscasse a bênção com lágrimas.


O próximo merchan evangélico provavelmente será o Disk-Donkey:

Ligue para nossa jumenta, que te mandamos um prato de lentilhas, em nome de Esaú...


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