quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

As Crônicas de Marvin - 04

Bem, como eu atrasei em postar o capítulo 3 aqui, e também demorei a escrever o capítulo 4, estou colocando eles um depois do outro. Então aqui está o capítulo 4.






Os eleitos

O artigo da Sentinela foi um fenômeno de popularidade. Acho que ninguém nunca se lembrou tanto dos outros artigos como se lembraram deste. Por dias comentavam, e a dúvida colocada no artigo se espalhou. Os fiéis faziam de conta que tinham entendido tudo, mas no fundo, no fundo se sabia que ainda se perguntavam, “estamos mesmo com a salvação garantida”? Infelizmente eles não podiam duvidar de nada. A dúvida era como uma grave heresia.
Enquanto eles meditavam sobre esta matéria, e suas dúvidas amadurecessem, eu estava focado agora na Assembléia de Circuito. A jogada que eu estava para fazer era como, em xadrez, capturar a rainha adversária. Eu devia planejar tudo com cuidado. Por enquanto, a crescente dúvida dos fiéis poderia esperar.
Aos poucos, outro assunto foi dando lugar ao controverso artigo da Sentinela. A próxima Assembléia de Distrito traria novidades! Entre elas, um dos membros do Corpo Governante faria um pronunciamento por video-conferência para todas as congregações. Isto sim estava provocando o maior frenesi em todos. O quê seria? Será que temos novidades? Até que o grande dia chegou.

6 de agosto de 2051, 07:00

Não tinha pregado os olhos durante a noite. Quando o despertador tocou, já estava acordado, em meu 187235o carneirinho. Será que eu conseguiria levar o plano adiante? Não sei. Até um ano atrás, eu era uma pessoa quase inexistente. Não chamava atenção, não era assunto de conversas (exceto durante as demonstrações dos dons especiais da fala de algumas irmãs, e até irmãos). Agora seria tudo diferente.
Meditava sobre isto ao subir no ônibus. Eu teria muito tempo para pensar sobre isto pegando os 3 ônibus necessários para chegar ao salão de Assembléia. Puxa, por que eles constroem estes salões tão longe? Será que é para fazer qualquer pessoa que queira protestar na frente do salão desistir disto? O fato é que quase todo mundo tinha carona para ir ao salão, infelizmente ainda não sou tão popular para conseguir uma. E não me importo com isto, é até melhor, já que eu queria estar sozinho naquela hora.
Entre minhas meditações, eu olhava para as pessoas no ônibus. Domingo não costuma ter muita gente no ônibus. Todo mundo deve ter coisa mais interessante para fazer do que ir à um Salão de Assembléia. É praticamente impossível manter a concentração depois de umas 5 horas sentado, vendo “palestras bíblicas”. Os banheiros viviam cheios, e sua concentração populacional crescia com o tempo.
Entre os rostos naquele ônibus, um rostinho familiar: a irmã Amanda. E só ela. Parece que havia mais desprezíveis em minha congregação, e eu não sabia. Se bem que a irmã Amanda era uma das pessoas mais tímidas que eu conhecia. Talvez por isto eu conhecia tão pouco dela. De qualquer forma, já que ela estava sozinha, resolvi acompanhá-la. Ela estava me olhando fixamente, então pensei que ela quisesse uma companhia.
Fui e me sentei perto dela. Ela parecia um pouco incomodada, talvez pela timidez.
- Olá, irmã, não tinha visto que você estava por aqui.
- Ah, olá, irmão... Sim, eu subi junto com você, não tinha reparado?
- O pior é que não, hehehe... Puxa, me desculpe, eu estava mergulhado em vários pensamentos...
- Não tem problema, irmão... Isto quase sempre me acontece, eu já estou acostumada.
Percebi um certo ar de tristeza... Realmente, nunca a vi com amigas. Isto me comoveu um pouco, já que eu também era assim, até me adequar aos padrões tejotinos... Mesmo assim, eu ainda estava sem carona.
De qualquer forma, começamos a conversar. Aquela garota tinha uma grande necessidade de conversar com as pessoas, pelo que notei. Conversamos sobre muitas coisas, e felizmente poucas sobre a Torre e sobre as testemunhas de Jeová. Ela me contou um pouco de sua vida... É a única da família que é TJ, o pai é alcólatra, infelizmente.
Foi uma boa conversa, e foi melhor que ficar refletindo sobre o que eu faria hoje. Ao final da viagem, comentei:
- Gostei muito de nossa conversa hoje, irmã.
Ela ficou meio encabulada com isto, e completou, bem baixinho:
- Também gostei muito.
Estávamos já no Salão de Assembléia, uma cópia menos fiel do que o Corpo Governante considera o Novo Mundo. Lá a grama é sempre verde, o chão sempre limpo, a construção melhor que qualquer casa dos irmãos. Tudo para nos aproximar mais do Novo Mundo.
Fui obrigado a me sentar no fundo do salão, já que todas as cadeiras já estavam marcadas. Se fosse possível, os irmãos acampariam na porta para pegar os melhores lugares. Eu acho até que algumas senhoras já chegavam com as bolsas cheias de revistas, todas nomeadas, e iam passando pelas fileiras, deixando uma revista a cada cadeira. Elas eram uma espécie de cambista teocrático, você conversava com as irmãs, e elas reservavam seu lugar no outro dia. Se fizessem isso na fila do INSS de madrugada seriam massacradas ou levadas à delegacia mais próxima.
E por falar em irmãs, todas as irmãs estavam extremamente belas, aliás, como sempre. Ouvia boatos de que a coisa era mais ou menos como uma disputa para um concurso de Top Model. E pensar que os primeiros cristãos se vestiam da forma mais humilde. Mas eu sabia que tudo girava em torno, principalmente, do casamento. Talvez Paulo seja a única pessoa que eles considerassem cristão, que via a falta de um companheiro com bons olhos. Desde que me tornei testemunha de Jeová, percebi uma certa pressão em cima dos mais jovens para o casamento. Ah, mas também pudera, todo mundo só pode namorar à distância... Então, aquelas pobres jovens estavam se vestindo ali para desempenhar o único papel que lhes coube neste latifúndio (improdutivo, no caso).
A Assembléia foi chata do início ao fim, como de costume. Para matar o tempo, eu peguei a minha caneta, e fiz bolinhas de papel para atirar no grande público. Eu estava atrás mesmo, ninguém iria ver. Fui o mais discreto possível.
Mas como todo bom conhecedor de eletrônica, eu estava disposto a testar alguns artefatos mais tecnológicos. Tirei de minha pasta então o super-transmissor que eu tinha desenvolvido para a ocasião. Quando ajudei a limpar o salão de Assembléia, eu instalei alguns hacks na parte do controle do salão, sem que os irmãos vissem, tudo devidamente controlado por meu celular. Assim, todo mundo ficou espantado quando começou a rolar aquele tributo ao funk brasileiro da primeira década nos autofalantes do Salão. Ficaram agitados mesmo quando começou a tocar o funk do créu, os organizadores correram para desligar as caixas de som antes da música chegar no nível 3. Isto nos rendeu alguns minutinhos para acordar um pouco. O irmão Batista estava até babando quando foi acordado pela bagunça. Todo mundo estava sério, mas alguns se divertiam com a situação. E pela primeira vez que eu me lembre, vi a irmã Amanda sorrindo.
Depois de meia hora, a reunião continuou. Ao invés de chavear a rádio para as caixas de som, eu resolvi fazer algo mais divertido. O microfone tinha um ajuste automático de altura. Resolvi ficar ajustando a altura durante o discurso. Até que o expositor teve jogo de cintura. Eu descia o microfone, e ele se abaixava para falar nele. Então subia de uma vez. Outras vezes eu subia e descia o microfone rapidamente, como se ele palpitasse. Então comentei com os irmãos da frente:
- Satanás deve estar incomodado com a anunciação do Corpo Governante e está tentando boicotar nossa reunião.
Foi como colocar fogo em palha seca. Todo o salão de Assembléia já estava comentando sobre isto. Foi quando o microfone aquietou um pouco. Então, quando eu tive certeza que até os irmãos na sala de controle já estavam achando que era obra de Satanás, mandei uma mensagem de texto para a sala de controle (que aparecia em um painel lá dentro):

Olá, Luiz, eu vim aqui para te levar comigo.

Não demorou muito para o irmão Luiz sair correndo de lá, gritando mais do que uma moça. Ele dizia, olhando para a sala:

- Sai, Satanás, sai!!!!

Todo mundo olhava para aquela cena, e imaginava o que poderia estar acontecendo. Falei quase gritando:

- O irmão Luiz está sendo possuído!!!

Se eu tivesse dito aquilo em uma Assembléia de Deus, todo mundo teria tratado com a maior naturalidade. Mas estávamos em uma Assembléia das Testemunhas de Jeová. As reações foram as mais diversas. Os mais novos na fé correram para um lugar bem longe de Luiz. Grande parte dos fiéis ficou sentada no mesmo lugar, orando e pedindo para Deus afastar Satanás daquele lugar. Já os anciãos tentaram conversar com Luiz. Ele negava veementemente que estava possuído. Bem, eu não podia deixar a diversão parar.
- Eu poderia até acreditar em você, mas acredito que se Satanás está te possuíndo, ele deveria mesmo negar que o fez. Você poderia provar para nós que é você mesmo?
Bem, nem é preciso dizer que o irmão Luiz demorou bastante para provar que era ele mesmo. Por fim, oramos, e voltamos a nossos lugares.
Como o discurso do membro do Corpo Governante tinha hora marcada, alguns discursos foram sendo cancelados. Bom pra mim, não precisava ver toda aquela chatice.
Na hora do almoço houve grande discussão sobre tudo que aconteceu. Alguém poderia imaginar que tamanha confusão poderia tirar todo mundo do sério, mas engana-se. Aquilo era como um combustível para a fé daquelas pessoas, muito mais que os artigos da Sentinela. Ora, ler um artigo que elogia você e os próprios autores como exemplos de moralidade e perfeição humana pode ser legal, mas no fundo não convence muito. Sempre fica aquele gostinho de que está faltando alguma coisa. É quase como receber um elogio de sua mãe. Mas quando tudo aquilo que você lia é experimentado na prática, a coisa muda de figura. Toda testemunha de Jeová lê em seus artigos que elas são perseguidas por ser o que são. Mas o grande problema é que elas não vivenciam isto. Elas precisam reinterpretar sua vida, para inserir este gostinho do martírio, a fim de que se sintam mais cristãs. Quando um familiar se opõe à sua crença, isto acaba se tornando um êxtase para elas. Quando elas são criticadas por apóstatas ou pessoas de outras religiões, elas se vangloriam. E é fácil observar que elas geralmente só percebem que estão sendo criticadas, mas nunca param para meditar sobre o conteúdo da crítica. Isto por que o ato da crítica que é o importante para elas. É o que as faz vivas. Agora, imaginem se elas vêem que o próprio Satanás não está se contendo em perseguí-las. Eu promovi mais alegria a elas do que 200 anos de revista Sentinela!
Enquanto elas se jubilavam ao comer, eu fiz questão de colocar pó-de-mico nas cadeiras marcadas dos irmãos mais chatos. Ficaram mesmo um bom tempo “coçando”, agora poderiam concretizar o ato.
Depois do almoço, veio a dramatização, que foi muito boa por sinal. Eu achei que seria bom apenas trocar as falas dos personagens, nada demais. Foi por isto que o profeta Elias da apresentação, se apresentou à viuva de Sarepta (1 Reis 17), dizendo:

- Você é a doença, eu sou a cura. (Stallone Cobra)

E ela, respondendo, disse:

- John Spartan multado em 1350 créditos por ofensa à moral e os bons costumes. (O Demolidor)

O profeta então retrucou:

- Francamente, querida, eu não dou a mínima. (...E o Vento Levou) Eu vou lhe fazer uma proposta que [ele] não pode recusar(O Poderoso Chefão): Deus é minha testemunha, jamais passarei fome novamente! (... E o Vento Levou)

Ela então hospeda o profeta, mas infelizmente seu filho morre. É uma cena dramática, onde as últimas palavras do garoto são:

- Hasta la vista, baby. I’ll be back!! (Exterminador do futuro 2)
- Peixe?? Por que você dorme?? Acorda, peixe!! (Procurando Nemo) - Dizia a mãe dele. Vendo que o garoto morreu, ela vai reclamar ao profeta:

- Houston, we have a problem here!! (Apollo 13)

Ele olhou para o garoto, e exclamou, triste:

- A vida é como uma caixa de chocolates. (Forrest Gump)

Então com um ato milagroso, traz o garoto de volta à vida. Todos ficam alegres novamente, com Elias motivando o garoto:

- Que a força esteja com você!! (Star Wars)

A lição da história era sobre a confiança em Deus, mas eles aprenderam um pouco de cinema junto. Claro, Testemunhas de Jeová quase não sabem sobre a cultura “do mundo” já em sua época, ainda mais de cultura “antiga”.
Então, finalmente, chegou o momento esperado: o discurso do ancião do Corpo Governante. Estavam todos sérios, principalmente depois de tudo que aconteceu. A preocupação era se o discurso do irmão seria interrompido pelas gracinhas. Bem, eu não iria fazer mais nada. Foi então que ele iniciou seu discurso:

- É com muito prazer que venho anunciar boas novas a vocês, irmãos. Nós nos sentimos como o apóstolo João, que disse que ‘amava verdadeiramente’ seus irmãos e se alegrava por estarem “andando na verdade”. Que bênção a verdade é para todos nós! Ela nos libertou de Babilônia, a Grande, e de suas doutrinas e traduções que desonram a Deus. A obediência à verdade nos ajuda a ser pessoas amorosas, bondosas e misericordiosas. E a verdade nos deu a possibilidade de ter uma condição limpa perante Deus e a perspectiva de vida eterna. Como vocês devem saber, estamos hoje fazendo o lançamento de mais uma publicação, que vocês poderão encontrar no balcão de pedidos. Estamos nos referindo a um novo cancioneiro, onde vocês encontrarão novos cântigos para Jeová Deus. Acho importante destacar que optamos por deixar algumas letras de músicas no idioma inglês, por apresentar uma melhor sonoridade, além de manter a mensagem da música.

Ele fez uma pausa, apresentando o novo cancioneiro. Então, retomou o discurso.

- Bem, mas isto não é só. Temos uma séria notícia aqui, que todos esperávamos ansiosos. Há muito tempo, um texto cujo significado era obscuro para nós, nos fazia imaginar o que ele significava. Este é o texto de Revelação 11, versículo 3, que diz “E farei as minhas duas testemunhas profetizar por mil duzentos e sessenta dias trajadas de saco”. Quem são estas testemunhas? Até pouco tempo, suas identidades não eram reveladas, mas Jeová Deus nos enviou uma luz sobre este ponto. Há alguns dias atrás, recebemos a visita de dois jovens muito especiais. Suas vidas sofreram uma reviravolta tremenda antes de nos visitar, e finalmente sentiram uma imensa vontade de entrar em contato conosco. Isto por que, irmãs e irmãos, estes dois jovens são as duas testemunhas de quem o versículo fala. Ficamos bastante surpresos e nos regozijamos por ver que o fim está próximo, e que Jeová está agindo. Bem, mas quem são estes dois jovens? Jeová parece amar o país chamado Brasil, pois é de lá que os dois jovens são. Seus nomes são Estêvão Marques da Silva e Marvin Leônidas Barbosa...

A notícia caiu como uma bomba. Abaixei minha cabeça, e fiquei sério. Todos olharam para trás, olhavam para mim. Agora eu era o centro das atenções. Todos agora podiam ligar uma coisa com a outra: minha mudança súbita de visual, meu jeito diferente de falar, minha viagem súbida aos Estados Unidos. Ainda unindo-se aos acontecimentos daquele dia, todos se deram conta de que estavam realmente presenciando algo extraordinário. Ninguém sabia ainda o que pensar, o que fazer. Apenas olhavam.
Fui chamado até o púlpito. Levantei-me e caminhei lentamente até a frente. Olhava as pessoas pelos cantos dos olhos. Como elas me admiravam. Como elas falavam bem de mim agora. Aquelas pessoas que me ignoravam durante toda a minha vida de fé, agora me respeitavam. Subi ao púlpito, e disse poucas palavras:

- Olá, irmãos. É um grande prazer estar aqui, e ser recebido por todos. Não tenho muito a dizer, mas os anciãos do Corpo Governante sempre me trataram muito bem, e eu não sabia dizer por quê. Sabia que havia um papel especial para desempenhar, mas não sabia ainda dizer o que era. Finalmente sei o que é agora, e este papel é ajudar os irmãos a entenderem a verdadeira fé. Espero que eu consiga desempenhar esta tarefa. Obrigado.
Isto foi suficiente para uma salva de palmas. O meu plano estava dando certo. Quando fui me sentar, vários irmãos ofereceram seus lugares para mim. Teve até disputa, parecia campeonato de vale-tudo. Recusei com educação, e disse que iria me sentar onde eu estava. Fui voltando devagar, e analisando a reação de cada irmão. O irmão Elias e sua esposa estavam radiantes. Ela como de costume, não parava de comentar com suas amigas. A irmã Teresa abriu aquele sorriso para mim, as duas irmãs que pregaram para mim da primeira vez tentaram sorrir mais. A dona Ana sorria com aquela humildade que lhe era peculiar. O irmão Osvaldo parecia orgulhoso, talvez de participar daquele momento “histórico”. O ancião Marcos e família (incluindo o tal do Sérgio) estavam da mesma forma orgulhosos. Agora eu fazia parte da panelinha teocrática do bairro. A irmã Amanda, no entanto, parecia um pouco preocupada, apesar de sorrir também. Ela sempre foi diferente.
Nem é preciso dizer que se formou outra disputa para me dar carona para casa. As ofertas vinham acompanhadas de uma oferta de jantar, cada uma mais irresistível que outras. Aquele dia não estava muito a fim de conversar sobre reuniões e sobre minha escolha, então dispensei todos. Disse que não poderia aceitar as ofertas deles, e que iria voltar de ônibus mesmo. Houve aqueles que quiseram voltar comigo, deixando suas caronas, ou até seus carros. Tive que despistá-los, me escondendo no banheiro.
Finalmente na rua, eu já me dirigia ao ponto de ônibus. Eu pude então pensar sobre tudo o que se passou, e finalmente rir do que aprontei na assembléia. Fui até um ponto onde tinha certeza que não haveria irmãos para me espreitar. O ônibus demorou bastante, como é normal em dia de domingo. Felizmente estava vazio. Talvez por ironia do destino, pude reparar um rosto familiar. A única pessoa que não tinha carona para voltar, e voltaria de ônibus também: a irmã Amanda.
- Olá, irmã. Puxa, estava até agora no salão? Eu não te vi por lá quando saí.
- Oi, irmão Marvin. Eu bem que saí cedo, mas o ônibus demorou demais hoje. Parece que o ônibus que passa geralmente no horário que saímos quebrou, e ônibus hoje já é demorado, imagina se um quebra.
- Tem razão, hehehe.
- Ei, por quê você não quis ir de carona? Eu vi muita gente te oferecendo.
- Ah, irmã, acho que eu queria mesmo um tempo para pensar.
- Hum, então eu estou te atrapalhando? – perguntou, preocupada.
- Não, nada disto. Eu até prefiro conversar com você do que estar sozinho...
Ela abaixou a cabeça, pensativa e vagamente triste. Então perguntei:
- Aconteceu algo, irmã?
- Não, nada. Não aconteceu nada.
- Então por quê parece triste?
- É bobeira minha, só isto...
- Ah, pode me contar. Pelo menos acho que agora eu estou habilitado a ouvir as pessoas, não é?
- É, acho que sim...
- Então?
- Bem, quando conversamos hoje de manhã, eu estava realmente feliz. É raro ter uma oportunidade de conversar assim. Pensei que pudéssemos ser finalmente amigos. Mas acho que agora vai ser mais difícil, não é?
- Não se preocupe com isto, irmã. Vou anotar meu telefone para você, e sempre que você desejar pode me ligar, está bom assim?
E conversamos pelo resto da viagem. Ela era uma pessoa solitária, que sofria os maus tratos do pai, e por possuir toda a família de “pessoas mundanas”, era deixada de lado pelos outros. Oficialmente todos éramos irmãos, e sempre tratávamos uns aos outros assim. Mas era nos pequenos detalhes que o isolamento se tornava claro. Eu sabia disto, eu também era assim. Então, acho que tudo que ela queria era um amigo, alguém para conversar.
Ao chegar em casa, esperei o horário certo, e me conectei à internet. Meu amigo Estêvão demorou um bocado para aparecer:

Marvin_the_martian:
Puxa, demorou hein, irmão!!
O Escolhido, versão turbo:
Puxa, foi mal, irmão. Sabe como é, você é anunciado como uma das duas testemunhas de apocalipse, e logo recebe vários convites para o jantar... A comida estava boa pacas...
Marvin_the_martian:
Quer dizer que você estava enchendo a pança? Hahahaha...
O Escolhido, versão turbo:
Claro!!! Você acha que eu vou perder a oportunidade?
Marvin_the_martian:
Olha, tome cuidado com o que você faz, para aproveitarmos o máximo possível. Não tem muito tempo que condenamos a gulodice.
O Escolhido, versão turbo:
Tudo bem, tudo bem. E então, qual é o próximo passo?
Marvin_the_martian:
Olha, vamos esperar um tempo, e então vamos dar prosseguimento ao plano “Caça às bruxas”.
O Escolhido, versão turbo:
Tudo bem. Quando você achar melhor...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Por bons poderes

Dietrich Bonhoeffer


1. Por bons poderes fielmente cercado,

maravilhosamente protegido e consolado –

assim com vocês estes dias desejo passar

e com vocês também num novo ano entrar.


2. O antigo nosso coração ainda tortura

e o fardo de maus dias nos traz amargura.

Senhor, dá a nossas almas assustadas

a salvação para a qual foram criadas.


3. Se nos estendes o cálice pesado e amargo

do sofrimento, cheio até a borda,

nós o tomaremos gratos e sem tremor

das tuas mãos plenas de bondade e amor.


4. Mas se ainda quiseres dar-nos alegrias

com este mundo e o brilho dos seus dias,

então nos lembraremos do passado e

entregaremos nossa vida ao teu cuidado.


5. Faz com que chamejem as velas cálidas e claras,

que tu mesmo trouxeste para as nossas trevas.

Permite, se possível, que outra vez nos encontremos!

É a tua luz que brilha na noite, bem o sabemos.


6. Quando se espalhar profundo o silêncio,

faz com que ouçamos aquele som intenso

do mundo que invisível se estende ao nosso redor,

de todo o teu povo que a ti está rendendo louvor.


7. Por bons poderes maravilhosamente protegidos,

esperamos consolados o que nos será trazido.

Deus está conosco de noite e de manhã,

e com toda a certeza a cada novo amanhã.


Ano Novo/1945

As Crônicas de Marvin - 03

Novas luzes

3 de junho de 2051, 19:00

Era chegado o grande dia. O plano tinha sido executado de forma meticulosa. Agora sim, podíamos desfrutar de nossa “terrível” vingança.
Já era hora da Reunião, e percebia-se um certo ar de desconforto no Salão do Reino. O que geralmente era conversa sobre a vida diária de cada um dos irmãos deu lugar a um inédito debate pré-Reunião da matéria da Revista. A matéria era no mínimo polêmica. Eu pessoalmente não estava mais conseguindo me conter. Tinha que rir daquilo tudo... Mas fui corajoso e valente, suportei tudo até o final.
A Reunião finalmente começou com mais um discurso muito chato sobre como as testemunhas de Jeová sofriam perseguição. É um tema muito constante nestes últimos tempos, talvez para melhorar a auto-estima das testemunhas. Aguardei ansioso pelo estudo da Sentinela.
Então, finalmente o estudo da Sentinela deu início. Todo mundo estava meio preocupado. O leitor subiu então ao púlpito, e deu início à leitura:
- Hoje vamos estudar o texto cujo título é: “Possui você um Mediador?”, leitura feita pelo irmão Osvaldo.
Assim, o irmão Osvaldo subiu ao púlpito. Via-se um ar de ansiedade o rodeando. O irmão Osvaldo sempre foi muito zeloso em seus estudos, e via-se que estava muito perturbado pela matéria do estudo. Começou então a ler o primeiro parágrafo, que dizia assim:

1. Aprisionado por um crime que não cometeu, o irmão Henry Aisin Gioro Pu Yi, que nesta época vivia na China, precisou de uma grande ajuda para provar sua inocência. Era por volta de 1950, e o governo comunista dominava a China na época. Diante dos tribunais chineses, o irmão Pu Yi, que não conhecia nada sobre leis e como se defender das acusações, precisou da ajuda de um profissional que dominasse estas áreas. Assim, o irmão Pu Yi conseguiu a liberdade, através da valiosa ajuda de um Advogado.
2. O exemplo de nosso irmão Pu Yi nos ajuda a entender o papel de Mediador desempenhado por Jesus. Assim como este irmão, temos também uma lei que nos condena (Romanos 3:19), embora nós não sejamos inocentes diante dela (Romanos 3:10). Em seu amor infitino Jeová Deus, mesmo condenando nosso estado pecaminoso, providencia para nós um advogado, que pode pagar nossa dívida e nos fazer livres. No estudo de hoje, veremos como somos ajudados por este advogado. – 1 João 2:21.

- Pergunta, - dizia o irmão Osvaldo – Como a história do irmão Pu Yi nos ajuda a entender a necessidade de um advogado?
O irmão José Carlos logo deu a resposta:
- O irmão Pu Yi, vítima das perseguições que as Testemunhas de Jeová sempre sofreram por não fazer parte do mundo, foi preso injustamente. Felizmente ele contava com a ajuda de um advogado para o auxiliar nas questões jurídicas. Isto nos faz perceber como Jeová nos auxilia, enviando um advogado, para nos livrar da condenação da lei divina, que não conseguimos nos livrar sozinhos por causa de nossa concupiscência.
Parabéns irmão José Carlos. O irmão Pu Yi, que não foi perseguido por ser testemunha de Jeová, fica feliz pelo comentário favorável, apesar dele fazer sim parte do mundo.
Respostas dadas, o irmão Osvaldo continuou:

O papel do mediador

3. Mas o que significa ser Mediador? O famoso erudito brasileiro José Abelardo Barbosa de Medeiros explica: “O papel de Mediador é um dos maiores papéis no plano divino. Ele intercede pelos cristãos, obtendo a absolvição de toda sua culpa. Sim, o Mediador é nosso advogado divino.” A mediação tem um relacionamento íntimo com as leis. Como Paulo explica aos gálatas, “Por que, então, a Lei? Ela foi acrescentada para tornar manifestas as transgressões, até que chegasse o descendente a quem se fizera a promessa; e ela foi transmitida por intermédio de anjos, pela mão dum mediador” – Gálatas 3:19.

- Pergunta, continuou o irmão Osvaldo. O que significa Mediador?
A irmã Tereza logo se prontificou a responder:
- Bem, como o ilustre erudito José Abelardo Barbosa de Medeiros disse, ele intercede pelos cristãos, obtendo a absolvição de toda sua culpa. O Mediador, Jesus Cristo, é o nosso advogado ao lado de Jeová Deus.
Sim, muito ilustre. Um de meus teólogos favoritos. Um abacaxi para a irmã. Vai pro trono ou não vai? Vocês querem bacalhauuuuu!!!
Continuou Osvaldo:

4. Nosso Mediador é a pessoa mais importante deste mundo: Jesus Cristo. Sendo orientados pelo próprio Filho de Deus, não temos nada a temer. Talvez alguns irmãos possam se perguntar: “Se Jesus, sendo um ser criado e podendo agir de forma contrária ao plano divino, o que o impediria de deixar de ser nosso advogado hoje?”. Outros ainda podem se perguntar: “O Filho de Deus não é o próprio Deus, ele mesmo disse que somente Deus é bom. Como ele foi perfeitamente bom durante sua passagem pela terra, não há nenhuma possibilidade dele fazer algo de errado agora como nosso Mediador?”. Não deixemos as dúvidas fazerem que nós pequemos (Romanos 14:23), mas vamos confiar que aquele que sofreu na Terra para levar todo o plano divino adiante, continue fiel aos propósitos divinos, assim como a organização de Jeová tem se mantido fiel em tudo que ensina até a presente data. Mas de quem Jesus é Mediador?

Sim, eu sei, isto foi uma ironia. A Torre nunca foi fiel à nada, nem mesmo a seu Deus.
- Pergunta, dizia o irmão Osvaldo, agora meio desconfiado. Como podemos ter certeza que nosso mediador não nos abandonará? Que outras dúvidas podem ocorrer além das que já foram citadas?
Toda a congregação estava mais apreensiva desta vez. O grande trunfo da pergunta é fazer eles refletirem sobre as consequências de se deixar o plano de salvação para uma criatura que eles, no calor dos debates trinitários, negam ser boa. Não foi muito fácil responder esta, tanto que a fila do banheiro aumentou bastante nesta hora. Então para a surpresa geral da nação, a irmã Ana Clara levantou a mão. Ela fez uma releitura do parágrafo, como de costume, e desta vez o ancião não perguntou se alguém mais queria responder, mandou logo continuar.

De quem Jesus é mediador?

5. Talvez muitos cristãos imaginem que Jesus seja o mediador de todos os cristãos. Quando Jesus veio à Terra, ele veio para fazer um pacto com um pequeno rebanho (Lucas 12:32). Portanto, é mais razoável pensar que ele seja mediador daqueles cristãos ungidos que possuem um pacto com ele.

- Pergunta, de quem Jesus é mediador?
Esta foi fácil de responder, e depois da última pergunta, todo mundo estava querendo responder esta, como compensação. O irmão Osvaldo então continuou.

6. Embora Jesus seja apenas mediador dos ungidos, não devemos pensar que o outro aprisco não tenha mediadores. De fato, os cristãos ungidos são chamados para ser reis e sacerdotes no reinado messiânico de Cristo. No antigo reino de Israel, o rei também atuava como juiz (1 Reis 3: 16-28). Assim, estes cristãos ungidos agirão como mediadores para a Grande Multidão. Louvemos a Jeová, por não deixar ninguém sem um Mediador!

- Pergunta: quem são os mediadores da grande multidão, e por que seres humanos imperfeitos podem desempenhar este papel?
Puxa, a pergunta foi realmente direta. Todo mundo percebeu a semente de dúvida existente nesta pergunta, mas fizeram questão de ignorar. Perguntas respondidas, continuamos.

7. Mas 1 Timóteo 2:5 não diz que Jesus é o único mediador entre Deus e a humanidade? Muitos poderiam se perguntar isto. Mas o cristão atento poderá notar que o que foi apresentado acima não nega esta verdade. Pois Jesus é sim o único mediador entre Deus e os homens. Os ungidos são mediadores entre Jesus e a grande multidão, pois eles são co-regentes em seu reinado. Sabemos que todo o reino de Deus possui uma organização. Por isto, não devemos nos surpreender que Deus tenha criado este arranjo. Veremos agora como devemos nos relacionar com nossos mediadores.

- Pergunta: 1 Timóteo 2:5 prega realmente que Jesus é mediador de toda a humanidade?
O irmão João Carlos novamente responde:
- Na verdade não. O que Timóteo 2:5 diz é que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens.
Muito bem irmão João Carlos. Agora sim, podemos entrar na parte mais legal do estudo, segundo minha opinião. Bem, para mim, nada aqui vai ser novidade, mas vai ser interessante ver como cada um reage à oficialização destas coisas.

Como se relacionar com os nossos mediadores

8. Todo rei sempre foi tratado com toda a honra possível, principalmente quando o rei é bondoso. Não poderia ser diferente com aqueles que serão co-regentes no reinado messiânico, honra esta que nenhum governante terreno terá. Por isto, o cristão verdadeiro sempre dará grande honra aos ungidos cristãos, demonstrando toda a hospitalidade cristã. (Hebreus 13:2)
9. Isto não violaria o mandamento de não adorar ninguém além de Deus? É interessante notar que a adoração a Deus é sempre referida pela palavra latria, de onde a falsa adoração, ou a adoração aos ídolos é chamada de idolatria. Por outro lado, quando se dá honra devida aos seres humanos (Romanos 13:7), a palavra que se usa é a palavra dulia, traduzida corretamente como veneração. Venerar nunca foi proibido por Deus, de forma que o Escravo Fiel e discreto é venerado em todo mundo como organização de Jeová, isto não violando as leis de Deus. Deus não poderia formar tal arranjo se este fosse errado.

- Pergunta: Qual é o nosso relacionamento com os cristãos ungidos.
Desta vez o filho do ancião, o primeiro do Top List dos casáveis, resolveu responder:
- Bem, nosso relacionamento com eles é de veneração, pois são nossos representantes perante Cristo.
Então resolvi cutucar, e levantei a mão.
- Irmão Marvin, deseja dizer alguma coisa?
- Ah, sim. Eu queria acrescentar que é sempre bom receber orientações do escravo sobre como devemos agir em várias ocasiões. Eu por exemplo, vendo agora a importância destes irmãos, com certeza gostaria de agir assim. Fico aliviado também por que eu pensava que esta argumentação, que já tinha visto na teologia católica, não está de todo errada.
Isto parece ter deixado um punhado de gente perplexo. Eles ficavam se entreolhando, tentando entender como a Torre poderia ter adotado uma argumentação católica. Por fim, o filho do ancião, o Sérgio, resolveu mostrar que sabe bastante (geralmente os filhos de anciãos gostam de manter esta imagem), e respondeu:
- Eu não me surpreenderia que Satanás fosse capaz de copiar a verdade, imitando-a. Afinal de contas, ele se traveste de anjo de luz, só para nos enganar.
Finalmente todo mundo estava aliviado. Alguém achou uma desculpa para manter o ensino católico, afinal, o importante é manter que a Torre diz a verdade sempre.
O irmão Osvaldo então continuou:

10. Então por isto, devemos sempre receber nossos irmãos ungidos com festas e alegria. Para que não haja disputas sobre quem irá hospedar os irmãos, deverá se tirar na sorte qual destes irá hospedá-los. Sugere-se também que o irmão ungido fique na casa de uma pessoa por vez, para não sobrecarregar os irmãos com as despesas.
11. Sobre as festas, tudo deve ser realizado dentro do amor e espírito cristão. Todos devem estar preocupados com o bem estar dos irmãos. Verdadeiros cristãos não são dados à bebida em excesso. Da mesma maneira, o verdadeiro cristão não pode comer em excesso, mas deve ser moderado ao comer. Evite danças mundanas, pois estas não são apropriadas. O cristão sincero depois de muita reflexão chegará à conclusão que não se deve dançar.

Puxa vida, fechei a boca dos anciãos. Acabei com a comilança.
Pergunta: Como o cristão deve proceder durante as festas de boas vindas dos ungidos?
Eu me prontifiquei:
- O cristão sincero deve evitar a glutonaria. Realmente, este é um defeito muito grave. Inclusive há até uma espécie de ditado aqui que quando se diz que alguém “come como um ancião”, está se dizendo que esta pessoa come demais. Acho importante que o Escravo mostre isto, pois eu sei que há muitas coisas que às vezes fazemos sem nos dar conta de que estamos fazendo algo errado. É agora que o exame de consciência deve produzir frutos em nós.
Puxa, que maldade a minha. O ancião Marcos, pai do Sérgio, queria morrer lá na frente. Ele come sem dó nas festas, já até passou mal. Ele até queria responder alguma coisa, mas percebeu que não adiantaria nada. Pediu então para o irmão Osvaldo continuar.

12. Assim, todo cristão deverá agir com respeito aos cristãos ungidos. Estes são os mediadores entre Jesus e a Grande Multidão, separados para este propósito. Nada mais apropriado que chamá-los de santos, que originalmente significa separados. Estes verdadeiros santos, embora humanos imperfeitos, estão firmes na dianteira das congregações, atuando como verdadeiros advogados dos outros cristãos. Que bom que Jeová Deus cuida de nós e procura nos ajudar em nossas dificuldades.

- Pergunta: como podemos chamar os cristãos ungidos?
Puxa, depois desta vai ficar mesmo difícil debater com um católico. Ou talvez ficará fácil, quem sabe?
Bem, os estudos estão mais reduzidos nos nossos dias, já que a Torre para economizar papel das revistas e ganhar mais com as doações voluntárias, resolveu dizer que estava incentivando mais as respostas das perguntas. Terminamos a reunião, todo mundo meio abismado com tantas dúvidas lançadas no estudo de hoje. Será que seres humanos imperfeitos lideradas por aquilo que eles consideram uma criatura que não é boa, pode salvá-los? Por que a história dos ungidos parecia tanto com a história dos santos católicos. Boa parte daquelas testemunhas foi um dia católico.
Cheguei em casa, e esperei as 23:00. Finalmente me conectei ao MSN, onde encontrei o Estêvão.

Marvin_the_martian:
Olá, e aí, como foi tudo em sua congregação? Hehehehe...
Sassá mutema:
Cara, foi difícil me segurar para não rir. Estava todo mundo com cara de besta por aqui. Ainda mais quando disseram que Jesus não era mediador deles.
Marvin_the_martian:
Hahahaha.
Sassá_mutema:
Bem, mesmo assim o estrago não foi dos maiores... Acho que poderíamos tentar algo mais ousado.
Marvin_the_martian:
Claro, o que fizemos hoje foi só uma amostra, para ver como eles reagem. Se a gente fazer algo ousado demais, eles saem correndo do Salão do Reino, né?
Sassá_mutema:
Hahahaha, claro. Bem, o que você está pensando em fazer agora?
Marvin_the_martian:
Olha, o congresso de distrito está chegando. Poderíamos fazer algo legal para este dia, né?
Sassá_mutema:
Hummmmm... Boa. Eu acho que já sei o que pode ser... hehehehehe

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Entrelinhas racistas

É sempre interessante observar as linhas e entrelinhas dos diferentes discursos que lemos e ouvimos todos os dias, onde sempre captamos algumas mensagens subliminares que talvez nem o próprio orador perceba, mas que terminam revelando o que ele realmente pensa. Um exemplo clássico é o discurso racista. Desconsiderando as pessoas abertamente racistas, existe o pior tipo de racistas: os, digamos, "enrustidos", aqueles que são, mas têm vergonha de confessar, e, incapazes de se controlar, fazem questão de dizer que não são.

Apenas para situar, sou branco, descendente de italianos e brasileiros de longa geração, mas como todo bom brasileiro, devo ter sangue negro também.

Para mim, o que mais caracteriza um racista enrustido são as falhas, as fendas que ele abre no seu discurso, muito sutis e nem sempre fáceis de identificar. Uma delas que eu já ouvi é: "eu ATÉ QUE namoraria uma pessoa negra".... esse ATÉ QUE significa que a pessoa "até faria esse sacrifício", o que revela que ela é racista.

Há outras formas, também:

1) "Fulano é um preto de alma branca" (horrível isso);
2) "vivemos tempos negros"
3) "você está me denegrindo"
4) "João é uma pessoa de cor"
5) "Eu adoro mulatas"
6) "Não existe racismo no Brasil"
7) "A política de quotas é uma forma de racismo"
8) "o preconceito no Brasil não é de raça, é econômico"
9) "no Brasil, vivemos em harmonia com todas as raças"
10) "não temos por que reparar os descendentes de escravos, pois todo mundo daquela época já morreu"

etc. etc.

Há outras expressões racistas dos próprios negros, como aquela muito comum nas pesquisas:

11) "não sou negro, sou pardo"

ou ainda

12) "sou negro, mas acho que a política de quotas é racista"

Infelizmente, o discurso racista está enraizado na alma do brasileiro, fruto trágico de séculos de escravidão mal-resolvida e perpetuada, daí a tarefa diária que temos, de conscientizar as pessoas, brancas, negras, índias, orientais, etc., sobre a importância de buscarmos a igualdade de todos, independentemente da sua origem.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Richard Dawkins promove o design inteligente

A Folha de S. Paulo de ontem, dia 8 de fevereiro de 2009, publicou um artigo da jornalista Sylvia Colombo (leia a íntegra clicando aqui), em que ela comenta sobre o fato da campanha anti-religião de Richard Dawkins ter o resultado inverso, promovendo uma aversão à ciência e um retorno ao fundamentalismo religioso. Destaco o seguinte trecho:

A terceira seria o "desfavor que vêm fazendo à ciência os ditos intelectuais neodarwinistas". Entre eles, o principal culpado seria o também britânico Richard Dawkins, autor de "O Gene Egoísta" e "Deus, um Delírio" (Companhia das Letras), que, por meio das ideias de Darwin, defende o ateísmo."

Não é sua intenção, mas ao fazer campanha pró-evolução, Dawkins tem estimulado a ascensão do criacionismo neste país. Sua mensagem, repetida de modo simplório em igrejas, mesquitas e sinagogas, é a de que "a evolução significa ateísmo", ao que os fiéis são levados a responder: "Bem, não aceitamos o ateísmo, então também não apoiamos a evolução"."

Segundo ele, ao lutar contra algo com violência, Dawkins estaria estimulando um comportamento extremo oposto. "Um fenômeno social muito comum na história das ideias", conclui Alexander.

James Williams, estudioso de ciência da educação da Universidade de Sussex, concorda. "Dawkins é um intelectual a ser respeitado, mas exagera em suas interpretações. Para ele, se você acredita em algo, isso é suficiente para que você seja considerado um idiota. Elimina a ideia de que evolução e crença em Deus possam andar juntas. Tenta provar que Deus não existe, mas não pode fazer isso. Desse modo, provoca uma reação violenta, que acaba dando força ao criacionismo", diz o pesquisador.

Para o acadêmico, Darwin, se estivesse vivo, não lutaria ao lado de Dawkins, para desapontamento deste. "Ele o respeitaria pela importância de seus estudos, mas só isso, não concordaria com a violência que está imprimindo ao debate."

Alexander também reforça essa ideia.

"Darwin era um cavalheiro educado, ao estilo vitoriano. Deveria ser visto por nós como um exemplo de alguém que teve bom relacionamento com acadêmicos de diversas correntes e credos. É algo que está muito em falta nos dias de hoje. Estou seguro de que ficaria chocado com a brutalidade desse debate teológico. Além disso, esse nem era o centro de seus estudos."

O que é "instituto jurídico" ?





AFINAL, O QUE É INSTITUTO JURÍDICO?


Todo jovem que entra num curso de Direito se depara com alguns termos e expressões que os mais experientes acham que não precisam ser explicados, e os novatos têm vergonha de dizer que estão "boiando" no meio desse dialeto - o "juridiquês" - tão diferente daquele que usam no seu cotidiano. 

Assim, por vergonha de simplesmente exercer o seu sagrado direito de perguntar, muitos passam a faculdade e a vida profissional sem entender exatamente o significado de algumas dessas expressões. 

Uma delas é "instituto jurídico", que, ao ouvi-la pela primeira vez, o(a) calouro(a) tem a impressão de que se refere a uma escola, a uma instituição, tal como a própria faculdade ou o prédio do fórum. 


Não está muito longe, entretanto, da definição correta, como veremos mais adiante. 


Aliás, percebo que muita gente chega até este texto pelo Google em busca de uma "definição" de instituto jurídico (que será apresentada mais adiante, tranquilize-se!), mas eu acho fundamental, para toda a sua carreira jurídica, que você se esforce um pouquinho só (não é complicado, garanto!) entender por que é que se usa esta expressão. 

Primeiramente, vou fazer uma explicação bem pessoal para situar o problema e ver suas variantes, apontando algumas diretrizes que podem ser aprofundadas por cada um segundo seu interesse particular, e mais adiante apresento algumas "definições" propriamente ditas de conhecidos juristas brasileiros.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que normalmente se usam as expressões "instituto jurídico" e "instituição jurídica" como sinônimas, conforme reconhece Miguel Reale no texto transcrito mais abaixo (segure a ansiedade, já já você vai lê-lo e - principalmente - entendê-lo), embora aponte o caminho para uma sutil distinção, que afinal rejeita na prática. 

Portanto, ambas as expressões podem ser tanto utilizadas como entendidas como sinônimas, ok!? 

Dito isto, "Instituto Jurídico" é um termo genérico que se usa em Direito para dizer que determinada situação, medida, condição ou fato é algo que é tão especial (no sentido de "consolidado pelo uso e pela tradição durante longos séculos") para a vida em sociedade, que deve ser tratado como um "instituto jurídico" que merece um tratamento diferenciado. 

Por exemplo, "casamento", "posse", "falência" e "domicílio" são institutos jurídicos, pontos sobre os quais tanto a lei como a doutrina e a jurisprudência têm algo a dizer, considerando-os isoladamente, dissecando-os pormenorizadamente em todas as suas variantes e determinando algumas regras para a sua exata definição e localização no mundo do Direito. 

Pinçam-se, portanto, artigos de lei, usos, costumes, tradições, etc., que são reunidos num "corpo doutrinário" que estuda apenas aquele tema específico, sem esquecer - obviamente - de sua inserção no mundo do Direito, com todas as ramificações e interações possíveis. 

Isso acontece no processo também, pois "mandado de segurança" e "prisão provisória", por exemplo, são também "institutos jurídicos", pois merecem, cada um per si, uma abordagem específica. 

Diferem, portanto, de normas e leis casuais (ou casuísticas) que servem apenas para uma determinada situação circunstancial, que atendem às necessidades de um momento peculiar de uma sociedade, como, por exemplo, as regras monetárias e financeiras, ou mesmo a política de quotas no acesso ao ensino superior público. 

É importante entender, ainda, que a antiguidade é um fator importantíssimo para se estipular que determinado tema do Direito chegou à categoria de "instituto jurídico", mas não é essencial. 

Nesse mundo de altíssimas inovações tecnológicas e morais em que vivemos hoje, há certas condições que não precisam de séculos de história para que se estabeleçam como "institutos jurídicos". 

Alguns exemplos de fenômenos relativamente novos no mundo do direito são a franquia ("franchising"), o leasing, a união estável, os direitos do consumidor, etc., ou mesmo o processo eletrônico, que é uma situação tão nova no direito brasileiro que ainda não recebeu um tratamento próprio de "instituto jurídico", mas certamente o terá no decorrer dos próximos anos. 

Veja o caso do também "jovenzinho" instituto jurídico da "união estável": sempre houve relacionamentos extraconjugais nas mais diversas sociedades humanas, inclusive no Brasil, mas somente recentemente eles tiveram a oportunidade de, obedecidos certos critérios legais, serem reconhecidos como "uniões estáveis" e merecerem proteção legal, doutrinária e jurisprudencial. 

Essa, digamos, modernização dos costumes atua também em sentido contrário: os mais jovens certamente não se lembrarão disso, mas "filho legítimo" ou a "legitimidade da filiação" era um instituto jurídico no Brasil até a Constituição de 1988, cujo art. 227, § 6º, eliminou toda e qualquer possibilidade de diferenciação entre os filhos havidos dentro ou fora do casamento. Hoje, ninguém ouve mais falar nisso.

Por outro lado, os jovens de hoje estão tendo a oportunidade de acompanhar em tempo real a formulação de uma série de institutos jurídicos relacionados à internet, como direito à privacidade e propriedade intelectual no meio virtual, por exemplo, ou mesmo o processo eletrônico que citamos acima e - ainda - o "direito ao esquecimento" - pleiteado por aqueles que fizeram alguma coisa errada ou vergonhosa que "viralizou" na rede e querem impedir que as ferramentas de buscas "eternizem" o seu constrangimento.

Outro fenômeno jurídico que está (o)correndo bem diante dos nossos olhos - sem que a maioria dos profissionais do Direito se dê conta - é a aplicação da "inteligência artificial" não só no Poder Judiciário mas em todas as esferas administrativas, posições de mando e também nos escritórios de advocacia, e isto de maneira sub-reptícia (dissimulada) em muitas instâncias, transferindo a robôs (pasme!) a responsabilidade por muitas decisões cruciais de comandos e de negócios.  Até que ponto isto é legítimo ou aceitável? Quem controla a sua legalidade e publicidade? Chegará a "inteligência artificial" à categoria de instituto jurídico? Ou serão os institutos jurídicos reduzidos a meros algoritmos?

Ainda não temos as respostas a estas perguntas (na verdade, até agora pouquíssimos juristas se deram ao trabalho de pensá-las, inclusive porque - não por acaso - faltam muitos elementos para investigar e conhecer o fenômeno em sua integralidade), mas voltemos a analisar o tema que propusemos anteriormente.


Talvez o que cause alguma confusão é o nome "instituto", que dá a ideia de uma escola, uma "instituição" (daí a sinonímia entre as palavras). 

Há uma relação mesmo com essas ideias, pois tudo no Direito moderno está intimamente relacionado com as origens latinas da nossa sociedade, e a palavra instituto vem das "Institutiones" (as "Institutas") de Justiniano, o imperador bizantino (de Constantinopla, do Império Romano do Oriente) que, no século VI, depois da queda de Roma (e do equivalente Império do Ocidente), mandou colecionar todo o conhecimento adquirido pelo Direito Romano nos séculos anteriores, consagrado pelo uso reiterado, pela tradição e pela eficácia na resolução de conflitos de interesses, a fim de segui-los e preservá-los para a posteridade. 

Aquela era uma sociedade com pouco progresso cultural, tecnológico e social, com problemas de comunicação entre as províncias distantes, que tinha a sua sobrevivência ameaçada pelas guerras constantes nas fronteiras conturbadas e que, por isso mesmo precisava do fio condutor representado pelos alicerces sólidos das tradições antigas (de certa maneira, mas em escala muito menor, as sociedades modernas também se fundam nas suas tradições, só que de maneira mais maleável). 

Se tal não bastasse, o reinado do imperador bizantino foi ameaçado, ainda, por uma pandemia mundial que ficou conhecida como a "praga de Justiniano" (se tiver curiosidade histórica, clique aqui para entender um pouco mais do contexto daquela época), que dizimou algo em torno de cem milhões de pessoas entre os séculos VI e VIII.

As Institutiones eram, na verdade, uma das quatro partes de um conjunto maior, chamado de Corpus Juris Civilis, sendo a outras três o Código (Codex Justiniani - coleção de leis imperiais), o Digesto (Digesta ou Pandectas - basicamente uma coleção de jurisprudência romana) e as Novelas (Novellae ou Leis Novas - as leis que o próprio Justiniano editou a partir de então). 

Como ensina John Gilissen ("Introdução Histórica ao Direito", Lisboa: Gulbenkian, 2003, 4ª ed., p. 92), "as Instituições formam um manual elementar destinado ao ensino do direito. Obra muito mais clara e sistemática que o Digesto, foi redigida por dois professores, Doroteu e Teófilo, sob a direcção de Triboniano. Justiniano aprovou o texto e deu-lhe força de lei, em 533".

O acadêmico ou jurista que quiser se aprofundar (muito) no tema, pode perceber que em Justiniano está o cerne da dogmatização do direito, que vai se solidificar no transcorrer da Idade Média, especialmente a partir do século XI, em Bolonha, onde surgem os "glosadores" (com suas "glosas"), que vão estudar todas essas referências justinianas do direito romano.

Como o tema é bastante vasto e interessante (impossível de abordar com detalhe neste curto resumo), e o estudioso ainda vai ouvir falar de "glosas" e "glosadores" na sua carreira jurídica, recomendo a leitura do capítulo 2.3 do excelente livro "Introdução ao Estudo do Direito", de Tercio Sampaio Ferraz Jr. (São Paulo: Atlas, 2003, 4ª ed., pp. 61-65). 

Por ora, basta imaginar (numa síntese reconhecidamente sofrível) que "glosa" é a pesquisa, análise e debate que os estudiosos medievais ("glosadores") faziam das antigas instituições jurídicas romanas para "dissecá-las", "depurá-las", "sintetizá-las" e aplicá-las aos casos concretos que eles enfrentavam, sobretudo com o surgimento das universidades medievais (das quais a de Bolonha - não por acaso - foi a primeira, fundada em 1088). 

Também a grosso modo, o próprio nome "universidade" nos dá uma pista do que isto significava, ao unir as palavras "unicidade" com "diversidade", mas isto já é uma provocação minha para os acadêmicos de Direito (sobretudo os calouros) que, por definição, são (positivamente) curiosos e gostam de saber que caminho devem tomar se quiserem se especializar neste ou naquele tema mais erudito (e por isso mesmo menos prático ou essencial, mas que não deixa de ser interessante aos intelectos mais aguçados).

Enfim, é por tudo isso que usamos até hoje o termo "instituto", lembrando que são matérias e valores ancestrais que têm a transformação própria do seu tempo, mas continuam fiéis – pelo menos em essência e tanto quanto podem - à maneira como foram instituídas no passado romano. 

Feitas essas considerações mais - digamos - contextualizadas, passemos então às definições de "instituto jurídico" tais como concebidas por alguns brilhantes juristas brasileiros. 

Agora, certamente, você terá melhores condições de compreendê-las em toda a sua profundidade:

Para Paulo Nader (“Introdução ao Estudo do Direito”, Rio de Janeiro: Forense, 1998, 16ª ed., p. 100):


“Instituto Jurídico é a reunião de normas jurídicas afins, que rege um tipo de relação social ou interesse e que se identifica pelo fim que procura realizar. É uma parte da ordem jurídica e, como esta, deve apresentar algumas qualidades: harmonia, coerência lógica, unidade de fim. Enquanto a ordem jurídica dispõe sobre a generalidade das relações sociais, o instituto se fixa apenas em um tipo de relação ou de interesse: adoção, pátrio poder, naturalização, hipoteca etc. Considerando-os análogos aos seres vivos, pois nascem, duram e morrem, Ihering chamou-os de corpos jurídicos, para distingui-los de simples matéria jurídica. Diversos institutos afins formam um ramo, e o conjunto destes, a ordem jurídica.”


Para Miguel Reale (“Lições Preliminares de Direito”, São Paulo: Saraiva, 14ª Ed., 1987, pp. 190-191)


“Esse é, por assim dizer, o instrumental lógico e linguístico básico da Ciência do Direito, que exige conceitos ou “categorias” fundamentais, tais como “competência” “tipicidade”, “culpabilidade” etc. A esses conceitos gerais subordinam-se gradativamente outros, cujo conhecimento vamos adquirindo dia a dia, à medida que progredimos no conhecimento jurídico, sem jamais podermos considerar finda a nossa tarefa cognoscitiva. Como já ponderamos anteriormente a ciência é, até certo ponto, a sua linguagem.
Já dissemos que as normas jurídicas se ordenam logicamente. Essa ordenação tem múltiplos centros de referência, em função dos campos de relações sociais que elas disciplinam, havendo uma ou mais ideias básicas que as integram em unidade. Desse modo, as normas da mesma natureza, em virtude de uma comunhão de fins, articulam-se em modelos que se denominam institutos, como por exemplo, os institutos do penhor, da hipoteca, da letra de câmbio, da falência, da apropriação indébita. Os institutos representam, por conseguinte, estruturas normativas complexas, mas homogêneas, formadas pela subordinação de uma pluralidade de normas ou modelos jurídicos menores a determinadas exigências comuns de ordem ou a certos princípios superiores, relativos a uma dada esfera da experiência jurídica.
Quando um instituto jurídico corresponde, de maneira mais acentuada, a uma estrutura social que não oferece apenas uma configuração jurídica, mas se põe também como realidade distinta, de natureza ética, biológica, econômica etc., tal como ocorre com a família, a propriedade, os sindicatos etc., costuma-se empregar a palavra instituição. A não ser por esse prisma de maior objetivação social, envolvendo uma “infraestrutura” associativa, não vemos como distinguir um instituto de uma instituição.”


Para Paulo Dourado de Gusmão (“Introdução ao Estudo do Direito”, Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 62)


“34. INSTITUIÇÃO JURÍDICA - As regras de direito, quando unificadas, constituindo um todo orgânico destinado a reger uma matéria jurídica vasta, compreendendo várias relações jurídicas, formam uma instituição jurídica (§§ 22 e 199). A família, o Estado, etc. são instituições. Como entendê-la? Segundo Roubier (Théorie Générale Du Droit), é o “conjunto orgânico, que contém a regulamentação de um dado concreto e durável da vida social e que está constituído por um núcleo de regras jurídicas dirigidas para um fim comum”. Assim, tem, como nota Roubier, dois elementos principais: duração, manifestada na repetição de fatos que lhe servem de base, e caráter orgânico, decorrente do conjunto jurídico harmônico por ela criado. A duração é relativa, pois muitas instituições jurídicas do passado não mais existem, como, por exemplo, a escravidão e o feudalismo. Existe, diz Roubier, razoável durabilidade. A organicidade, isto é, a interligação das normas em função da finalidade que lhes é comum, como nota Roubier, é a forma ideal de integração das regras jurídicas. A maioria das instituições jurídicas tem sua origem na vida social, como, por exemplo, a família. Sendo a instituição jurídica conjunto orgânico, durável, de regras jurídicas, tem os seguintes caracteres da regra de direito: bilateralidade, coercibilidade, generalidade e sanção do poder público ou o consenso das nações (instituições internacionais). Mas a essas características se sobrepõe a finalidade comum em função da qual a instituição exerce o seu papel jurídico-social e em razão da qual devem ser interpretadas as normas que a constituem.”





ATUALIZAÇÃO DE 06 DE JULHO DE 2018:

Tenho percebido na doutrina - felizmente - um certo retorno a alguns conceitos importantes que se perderam diante da confusão generalizada por que passa o Direito brasileiro.

Tomara que esta seja realmente uma tendência que se confirme, porque um dos preceitos basilares do Estado de Direito é exatamente a segurança jurídica, algo que anda faltando neste país.

No texto acima já falamos sobre "instituto jurídico", que definimos como sinônimo de "instituição jurídica", e nos comentários abaixo discorremos sobre "natureza jurídica".

Refiro-me agora, especificamente, a um conceito mais amplo, o de "categoria jurídica", que anda sendo "ressuscitado" por aqui.

Para defini-lo, recorro inicialmente a uma autora mais atual, Maria Helena Diniz, para quem "categoria jurídica" é o "significado último dos institutos jurídicos”, acrescentando que se trata da “afinidade que um instituto jurídico tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação” (DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, vol. 3, 1998, p. 337).

Ok, esta é a relação entre "instituto jurídico" e "categoria jurídica", mas precisamos ampliar o conceito.

Para ampliá-lo, então, vamos colher o ensino de José Cretella Junior (1920-2015), que em 1966 dava uma definição sucinta e precisa:
“Que são categorias jurídicas? A expressão é aqui entendida no sentido de formulações genéricas, in abstracto, com suas conotações essenciais, ainda não comprometidas com nenhum dos dois ramos em que se divide a ciência jurídica. Trata-se das figuras, in genere, comuns ao direito público e ao privado.” (CRETELLA JÚNIOR, José. As categorias jurídicas e o direito público. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 62, n. 2, p. 213-222, dec. 1966. ISSN 2318-8235. Acesso em: 06 julho 2018. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2318-8235.v62i2p213-222.)
Também disponível em (CRETELLA JUNIOR, José. As Categorias Jurídicas e o Direito Administrativo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 85, págs. 29-30, Ed. FGV e Ed. Forense, 1966, e-ISSN | 2238-5177. Acesso em 06 julho 2018. doi: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v85.1966.28805.
PDF: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/28805/27657. ), para quem quiser se aprofundar no tema.

Recomendo, também a leitura da abordagem atual sobre "categorias jurídicas", clicando no link abaixo:

O Direito Tributário não pode prescindir do conhecimento das categorias jurídicas do Direito Civil




Não deixe de ler os comentários abaixo. Pode ser que eles resolvam alguma dúvida que restou depois da leitura do texto, ou ainda novas dúvidas surjam. Neste caso, fique à vontade para postar no campo próprio abaixo a sua dúvida ou pergunta. Estamos todos aqui para aprender, de preferência juntos. Obrigado!









sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Não procrastine!




"Procrastinar é
questionar no escuro
o que
Deus prometeu em claro.
...
A procrastinação é, geralmente, a alternativa preferida do covarde. Todos sabemos disso. Quando ignoramos a presença e o poder do Senhor na análise de um desafio, o pânico nos atinge e adiamos uma ação ou decisão importante. O que Deus esclareceu na luz, questionamos na escuridão. Coragem é o temor que fez suas orações. Procrastinação é o temor que esqueceu o prometido nas orações."

(Lloyd John Ogilvie, no livro "O Senhor do Impossível", Ed. Vida, págs. 93/94)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

As crônicas de Marvin - 02

Executando o plano



6 de junho de 2050, 8:00h


Primeiro dia de semana de minhas férias. Seriam minhas primeiras férias após o trauma. Passei dias esquematizando o que faria. Agora, havia chegado a hora de agir.Já tinha dispensado a Kátia, para a alegria dos anciãos. Nenhum deles gostava dela, menos um deles, que saía secretamente com ela. Minha despedida foi dramática. Foi em uma festa que ela promoveu em sua casa (com o meu dinheiro), onde se insinuava para todos e achava que eu não estava vendo. A festa não demorou muito para acabar, já que eu, que estava ocupado servindo as bebidas, tinha colocado um pouco de laxante em cada uma.Ao longo de minha vida no mundo da Torre, consegui juntar dinheiro suficiente para colocar meu plano em prática. É muito fácil para um nerd que não vive no mundo juntar dinheiro. Ele não pode comprar aquele monte de jogos violentos, os que não são violentos geralmente possuem um detalhe X que vem do antigo paganismo babilônico ou de qualquer outra civilização antiga. Outro dia conseguiram achar defeito até no Sim City 37. Este nerd isolado do mundo não compra revistas em quadrinhos, CDs de música (a menos que consiga uma boa desculpa para sua própria consciência), peças de computador (o computador precisa somente dos requisitos básicos para rodar o programa do CD da Watchtower). Bem, tinha conseguido um bom dinheiro não comprando toda esta quinquilharia neo-pagã mundana, e a Kátia não tinha idéia de quanto eu tinha realmente. Então agora eu poderia gastar em algo que fosse frutífero. Até aquele dia, eu usava camisas e calças comuns nas Reuniões. Para uma testemunha de Jeová, existe uma fantástica teologia para converter o uso de roupas sempre novas e impecáveis nos antigos dízimos cobrados por Jeová. Portanto, hoje resolvi pagar meu dízimo, e tentar melhorar minha imagem em minha congregação. A vida social e econômica de uma testemunha de Jeová é muito parecida com a de um maçon. Se você quer comprar alguma coisa, dê preferência a seu irmão. Eles são por definição, honestos. Se depois de comprar o produto ou pagar por um serviço você não gostar, fique calado. Não é muito bom falar mal dos irmãos.Fui à loja deste meu irmão, escolhida estrategicamente. Ao entrar, uma voz automática dava boas vindas:- Seja bem vindo. O versículo do dia para reflexão é Deuteronômio 32:25: “Minha é a vingança e a retribuição. No tempo designado cambaleará seu pé, porque está perto o dia do seu desastre e se apressam os eventos que os aguardam.”Respondi mentalmente:- Me perdoe, Jeová Deus. Mas esta eu tenho que levar até o fim.Me aproximei do balcão, onde a irmã sorridente me atendeu. Era a esposa do dono da loja, uma senhora muito distinta que foi agraciada com o dom da fala. Por isto mesmo a loja foi estrategicamente escolhida. Ela logo me pergunta:- Olá, irmão Marvin. Está procurando o Elias.Não irmã, vim pagar o dízimo, pensei. Mas lhe respondi:- Não, na verdade eu vim comprar algumas roupas novas para mim. Hoje acordei com vontade de mudar, para melhor. Sinto que Jeová está me direcionando para uma vida muito melhor.- Puxa, que bom ouvir isto, irmão. Então, o que você procura?- Gostaria de comprar dois ternos e alguns sapatos novos.Percebi a felicidade daquela senhora ao ouvir aquilo. Dinheiro? Talvez, mas como ela era uma pessoa mais simples, duvido disto. Acho que o impacto que eu queria causar surtiu efeito. Estava sendo agora um exemplo de mudança, talvez eu consiga um artigo na Sentinela?Comprei 2 ternos e 3 pares de sapatos novos.

11 de junho de 2050, 19:00


A minha primeira reunião após minhas aquisições. Mudança de roupas, mudança de tratamentos. A irmã da loja já tinha feito todo o marketing viral a meu favor. E agora todos me cumprimentavam com orgulho.Finalmente poderia colocar em prática todo o treinamento que fiz durante a semana, de falar devagar, como se eu acreditasse piamente que eu era um anjo. Tentava falar fazendo uma espécie de sinfonia, falando pausadamente. Só isto já dava um grande impacto nas pessoas. Eu estava parecendo mais sábio. Para completar, decorei algumas palavras que geralmente não se usa em conversas normais, principalmente aquelas que estão presentes na Tradução do Novo Mundo.Eu não estava agindo como um perfeito hipócrita naquela reunião. Aproveitei a chance para ajudar algumas pessoas ali que realmente precisavam, como a dona Ana Clara, uma viúva que morava sozinha. A pobrezinha vinha às reuniões para ter pelo menos uma vez por semana, uma companhia. Me sentei ao lado dela, e resolvi conversar um pouco com ela. Infelizmente a nossa congregação tinha muitos jovens, e eles só costumam dar atenção aos idosos na entrada e na saída das Reuniões.Durante o estudo dos artigos da Sentinela, sempre fiz questão de tentar responder todas. Isto também deve ter chamado a atenção. A pobre dona Ana Clara inclusive comentou que tinha dificuldades de comentar sempre, por causa da timidez. Eu aconselhei a ela comentar mais vezes, para perder o medo. Até conselhos estava dando.Imaginem isto no primeiro dia após minha mudança quase milagrosa. Esperava me tornar um exemplo de “cristão” padrão bem rápido. Eu teria que me tornar quase uma lenda jeovista. Assim, todo meu plano seria muito bem sucedido. Depois de alguns dias, já estava disputando o topo da lista dos casáveis com o filho de um dos anciãos, e era visto com respeito por todos.Enquanto isto, realizava algumas buscas na internet pela pessoa certa para me ajudar.

17 de dezembro de 2050, 08:00


Estava finalmente pronto para a segunda parte de meu plano.Encontrar Estêvão não foi fácil. Mas finalmente consegui achá-lo lá pelos fins de Agosto. Como eu, estava revoltado por ter sido enganado todo este tempo. E como eu, não pediu para se afastar. Conversei bastante tempo com ele, até me assegurar que ele era confiável. Realmente, ele queria muito dar o troco. Afinal de contas, ele não conseguia suportar a morte da irmã, que deixou de receber um órgão criado artificialmente. A proibição de transfusão de sangue deixou de ser algo alarmante a partir de 2037, quando a transfusão de sangue deixou de ser usada, substituída por outras técnicas mais eficientes. A Torre não satisfeita com isto (talvez o fato deles serem novamente normais para o mundo os incomodasse), criou uma nova proibição sobre transplantes de órgãos criados artificialmente, com a explicação que somente Deus pode criar alguma coisa. A maior revolta de Estêvão foi ter que deixar a irmã morrer, mesmo depois de ser responsável por várias mortes semelhantes (ele é médico).Conforme meu plano, Estêvão também mudou seu visual e sua forma de falar e tratar as pessoas. Ele foi ainda mais dramático: disse que agora entende que a irmã morreu acreditando que Jeová poderia trazê-la de volta ao Novo Mundo, e que ela havia provado sua fé.Bem, já éramos santos, candidatos certos para anciãos. Era hora de colocar a segunda parte do plano em ação. Fui novamente à loja do irmão Elias.- Olá, irmão Marvin! Como está? O que você deseja?- Olá, irmã Rosa. Estou aqui para comprar mais roupas. Estou de viagem marcada, e preciso de roupas apropriadas para a viagem.- Puxa, para onde você está indo, irmão?- Bem, estou indo para Nova Iorque. Há alguns dias, senti uma grande vontade de conhecer a sede do Escravo. Quem sabe eu conheça um dos cristãos ungidos que dirigem a Organização? - Que maravilhoso, irmão! E quando você está partindo?- Dia 24, irmã. Sabe como é, o feriado ajuda a baratear as passagens.Tivemos uma conversa muito amistosa no dia, e ela ficou deslumbrada. Meu plano estava dando certo.

Nova Iorque, 9 de janeiro de 2051, 14:00


A primeira vez que vi o irmão Estêvão, pessoa muito engraçada ele. Ele tinha aquele tique nervoso de ficar estralando o pescoço, como se ele fosse o mais novo Chuck Norris, canonizado pela associação internacional de artes marciais como o Inabalável, em 2026. De fato ele gostava muito de artes marciais, o que inclusive nos ajudou em nosso plano.Buscamos informações sobre o dia a dia dos ungidos que governavam a Torre de Vigia com mãos de ferro. Nosso objetivo primário era encontrá-los. Fomos tolos o bastante em acreditar nas histórias contadas na congregação, que falavam dos ungidos saindo para pregar de casa em casa. Ficamos uma semana aguardando eles andarem pelas ruas, e nada. Decidimos finalmente ir atrás deles.O Estêvão conheceu algumas pessoas que nos ajudaram por dinheiro. Não era muito difícil encontrar pessoas ali que topassem o tal serviço quando pagos, já que Nova Iorque estava cheia de pessoas de boa índole. Bem, felizmente eles não nos causaram grandes problemas, até parece que tal serviço era até normal em Nova Iorque.Assim, misteriosamente, cada membro do Corpo Governante desapareceu por pelo menos umas 3 horas. Tudo foi executado com extrema cautela, para que nenhum deles tivesse qualquer tipo de problema de saúde ou algo parecido. E ao final de cada encontro, mais e mais tínhamos certeza de nosso sucesso. Depois do último membro do Corpo Governante, pudemos finalmente descansar. Agora estamos bem tranquilos. Fomos convidados por um dos ungidos para uma visita. Teoricamente nos encontramos na porta da sede, quando tirávamos fotos do edifício. Foi quando ele nos convidou para a visita. Oficialmente conhecemos todos os membros e tiramos fotos para os irmãos de nossas congregações. Tudo em um clima cordial, diria até teocrático. Agora finalmente poderíamos voltar para nossos lares.

23 de janeiro de 2051, 20:00


Os últimos dias foram muito bons. Fiz muito sucesso em minha congregação ao retornar com as fotos. O Superintendente Viajante até ficou com ciúmes, já que toda esta pompa era geralmente para ele. Talvez o baque da falta da bajulação tenha sido forte. Ele de certa forma não estava gostando muito de mim. Mas não tinha muito problema, pois em alguns dias, eu iria virar o jogo.A dona Ana continuava sozinha, mas agora eu a acompanhava mais. Tinha pena dela, uma senhora sozinha que poucos valorizavam, principalmente por gaguejar ao ler o parágrafo (ao invés de comentá-lo).Também achava que o primogênito do ancião que estava em primeiro lugar na lista de casáveis precisava de alguma lição. Ele era o tipo do jovem fundamentalista, que já se achava por ser filho do ancião, e se achava ainda mais por ser alvejado pelas irmãs. Havia muita coisa para ser feita, mas agora, tudo é possível. Mais do que nunca, eu conseguiria demonstrar como o versículo de Atos 17:11 deveria ser valorizado.

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