Num artigo publicado recentemente no diário La República, da Costa Rica, Juan Manuel Villasuso escreve sobre a “síndrome do fanático sincero”, algo que eu desconhecia com este título, mas de certa forma já havia abordado en passant aqui no texto “O conto do bilhete premiado”. Agradeço ao Sérgio Cerqueira por ter me alertado sobre este excelente artigo do Villasuso, leitura altamente recomendada, ainda que em espanhol de fácil entendimento. O que ele comenta, numa rápida síntese, é sobre Lamar Keene, que se apresentou como o “príncipe dos médiuns” seguidas vezes nos Estados Unidos em 1976, em sessões espíritas em que ele supostamente conversava com os mortos e conduzia "experiências" inexplicáveis à razão. Algum tempo depois de ganhar muito dinheiro com isso, escreveu o livro “A Máfia Psíquica”, em que revelou os truques que havia utilizado para enganar os seus espectadores e seguidores (veja o vídeo abaixo).
Até aí, nada de novo no front, mas Keene analisou também a reação que muitas pessoas – que haviam acreditado na sua performance como, digamos, “sensitivo” – tiveram DEPOIS dele ter revelado a farsa. Elas se recusaram a aceitar que tudo não havia passado da mais grossa picaretagem embelezada com truques nem tão sofisticados. Estranhamente, elas continuaram convencidas de que haviam presenciado verdadeiramente um evento paranormal mesmo depois do desmentido. É este o fenômeno conhecido como “síndrome do fanático sincero”, que resume uma desordem cognitiva que leva o indivíduo comum a acreditar no inacreditável, mesmo que o simples emprego da razão e do bom senso o desmintam categoricamente. O fanático sincero, quanto mais se demonstra a fantasia, contradição lógica ou falsidade da sua crença, mais ele se agarra a esta “fé” derrubada por todas as evidências, de tal maneira que passa a crer que são os outros que estão errados ao não compreender e validar a sua estupidez e, muitas vezes, passa a tratá-los como inimigos e conspiradores. Aqui as conclusões de Keene batem com a do psicólogo social Eric Hoffer, que analisou o fenômeno que ele denomina de “verdadeiros crentes”, que são pessoas que se ajuntam em grupos e organizações de maneira sectária com o fim de reforçar suas crenças e nutrir a sua intolerância para com aqueles que são de fora.
O “fanático sincero” não é um imbecil, um sujeito de pouca instrução ou um desequilibrado mental. É alguém que convive normalmente na sociedade, ocupando muitas vezes um lugar de destaque, mas desenvolve uma espécie de patologia pela crença em algo absurdo que já foi cabalmente desmentido pela razão, o que lhe acarreta uma atitude intolerante, uma cegueira diante da realidade e um profundo desprezo por quem não compartilha da sua “fé”. Villasuso conclui que, felizmente, o número de “fanáticos sinceros” é reduzido e a ampla maioria das pessoas não padece desta desordem cognitiva e está disposta a escutar pontos de vistas divergentes e debatê-los de forma civilizada, pelo que finaliza: “sobre este diálogo se constrói a convivência e se consolida a democracia, ainda que o perigo esteja sempre latente”.
Retornando ao “conto do bilhete premiado”, reconheço que o tema é inesgotável e merece sempre novas revisões e ampliações, mas me parece que dentro do âmbito da religião, em que o senso crítico é naturalmente reduzido pela presença de um líder carismático que reforça reiteradamente a sua condição de “profeta ungido” (portanto, inquestionável) e não admite qualquer farsa ou erro, haja muito mais “fanáticos sinceros” do que o nosso olho nu possa discernir. Não raras vezes, eles se julgam os “iluminados” duelando contra todos aqueles que ainda não atingiram o seu nível de “iluminação” nem conseguem entender o motivo de sua obediência cega a um falso profeta. Contra toda a razão e a lógica, se orgulham de ser irracionais e ilógicos apelando para o que chamam - equivocadamente - de "sobrenatural" e "radical", fechando-se em guetos e movendo-se por discursos mitômanos e megalômanos que apenas reforçam a sua alienação. Triste assim.
Até aí, nada de novo no front, mas Keene analisou também a reação que muitas pessoas – que haviam acreditado na sua performance como, digamos, “sensitivo” – tiveram DEPOIS dele ter revelado a farsa. Elas se recusaram a aceitar que tudo não havia passado da mais grossa picaretagem embelezada com truques nem tão sofisticados. Estranhamente, elas continuaram convencidas de que haviam presenciado verdadeiramente um evento paranormal mesmo depois do desmentido. É este o fenômeno conhecido como “síndrome do fanático sincero”, que resume uma desordem cognitiva que leva o indivíduo comum a acreditar no inacreditável, mesmo que o simples emprego da razão e do bom senso o desmintam categoricamente. O fanático sincero, quanto mais se demonstra a fantasia, contradição lógica ou falsidade da sua crença, mais ele se agarra a esta “fé” derrubada por todas as evidências, de tal maneira que passa a crer que são os outros que estão errados ao não compreender e validar a sua estupidez e, muitas vezes, passa a tratá-los como inimigos e conspiradores. Aqui as conclusões de Keene batem com a do psicólogo social Eric Hoffer, que analisou o fenômeno que ele denomina de “verdadeiros crentes”, que são pessoas que se ajuntam em grupos e organizações de maneira sectária com o fim de reforçar suas crenças e nutrir a sua intolerância para com aqueles que são de fora.
O “fanático sincero” não é um imbecil, um sujeito de pouca instrução ou um desequilibrado mental. É alguém que convive normalmente na sociedade, ocupando muitas vezes um lugar de destaque, mas desenvolve uma espécie de patologia pela crença em algo absurdo que já foi cabalmente desmentido pela razão, o que lhe acarreta uma atitude intolerante, uma cegueira diante da realidade e um profundo desprezo por quem não compartilha da sua “fé”. Villasuso conclui que, felizmente, o número de “fanáticos sinceros” é reduzido e a ampla maioria das pessoas não padece desta desordem cognitiva e está disposta a escutar pontos de vistas divergentes e debatê-los de forma civilizada, pelo que finaliza: “sobre este diálogo se constrói a convivência e se consolida a democracia, ainda que o perigo esteja sempre latente”.
Retornando ao “conto do bilhete premiado”, reconheço que o tema é inesgotável e merece sempre novas revisões e ampliações, mas me parece que dentro do âmbito da religião, em que o senso crítico é naturalmente reduzido pela presença de um líder carismático que reforça reiteradamente a sua condição de “profeta ungido” (portanto, inquestionável) e não admite qualquer farsa ou erro, haja muito mais “fanáticos sinceros” do que o nosso olho nu possa discernir. Não raras vezes, eles se julgam os “iluminados” duelando contra todos aqueles que ainda não atingiram o seu nível de “iluminação” nem conseguem entender o motivo de sua obediência cega a um falso profeta. Contra toda a razão e a lógica, se orgulham de ser irracionais e ilógicos apelando para o que chamam - equivocadamente - de "sobrenatural" e "radical", fechando-se em guetos e movendo-se por discursos mitômanos e megalômanos que apenas reforçam a sua alienação. Triste assim.