Mesmo que o Natal tenha se tornado essa festa mercantilista, com o Papai Noel como figura proeminente (e exótica), em substituição ao menino Jesus, é interessante pesquisar as raízes do “bom velhinho” na cultura popular.
Primeiro, é curioso ver como a nomenclatura varia de país para país, inclusive dentro do mesmo idioma, como acontece em Portugal, onde Papai Noel é conhecido como Pai Natal.
Isto se justifica pelo fato de que Noël significa Natal em francês, e a influência gaulesa se fez sentir também nos países hispânicos, que o chamam de Papá Noel, com a divertida e defasada exceção do Chile, que o chama de Viejito Pascuero (Páscoa?!).
Entretanto, é pelo idioma inglês, sobretudo americano, que o nome Santa Claus remete à origem mais remota (e cristã) do Papai Noel.
O personagem histórico que teria inspirado a criação do mito do bom velhinho foi Nicolau de Mira, também conhecido como São Nicolau de Bari, canonizado por católicos e ortodoxos, e entronizado como santo padroeiro da Rússia, da Grécia e da Noruega.
Lembre-se de que a Lapônia, terra onde habitaria o Papai Noel, é uma região ártica que engloba parte dos territórios de Suécia, Noruega, Finlândia e um pequeno trecho da Rússia.
Só que São Nicolau de Mira nasceu mais ao sul, em Patara, hoje Demre (na Turquia), supostamente na segunda metade do século III, vindo a morrer no mesmo local em 6 de dezembro de 342 d. C.
O santo continua tão popular na Europa que, depois do alegado descobrimento – em 1993 - de sua tumba na ilha turca de Gemile, o governo muçulmano da Turquia requereu formalmente à Itália, em 2009, a devolução dos restos mortais de Nicolau, que haviam sido levados a Bari em 1087, ainda na época das Cruzadas.
Em 2000, governo russo chegou a doar uma estátua de São Nicolau à cidade de Demre, mas em 2005 o prefeito da cidade trocou o pobre Nicolau de bronze por um Papai Noel de plástico (vermelho, é claro - foto abaixo), de olho nos ganhos monetários advindos do turismo.
Os protestos russos não tardaram a ser ouvidos, mas o prefeito turco foi irredutível. Deixou Papai Noel no seu pedestal e retornou São Nicolau a uma esquina próxima da igreja ortodoxa da cidade.
É difícil separar o que é lenda do que é real na vida de São Nicolau, mas o fato incontestável é que ele era muito popular no seu tempo. Conta-se, por exemplo, que ele teria ressuscitado três crianças vítimas de um macabro assassinato, além de ter convertido hereges que queriam saquear a sua igreja.
A mais famosa história que se conta a seu respeito é a de um pai muito pobre que não tinha como prover o dote para casar as três filhas. Nicolau, à noite, teria atirado três sacos de moedas de ouro e prata na casa da família, e assim salvou as moças de se tornarem prostitutas, o que fatalmente seria o seu fim caso não pudessem se casar.
Por esse dado (histórico ou não), você pode perceber de onde vem boa parte da inspiração que, associada a pitadas de mitos germânicos e escandinavos (a figura idosa e bonachona de Odin, por exemplo), resultou na “invenção” folclórica do Papai Noel.
Já que o mito suplantou em larga escala o personagem histórico, é bom voltar às origens e resgatar um pouco da humanidade e da cristandade de São Nicolau.
Ele era muito religioso desde a mais tenra idade, e após perder os pais ainda muito jovem, em decorrência de uma epidemia, foi criado pelo tio, que também se chamava Nicolau e era bispo de Patara à época.
O jovem Nicolau teria ido a Jerusalém, buscando se dedicar a uma vida eremita de oração, como era comum naqueles tempos, mas Deus conseguiria convencê-lo de que devia voltar a sua terra, onde seria mais útil ao Senhor.
Foi assim que ele subiu paulatinamente na hierarquia eclesiástica e, por ocasião do Concílio de Niceia, em 325 d.C., Nicolau de Mira foi um dos cerca de 300 bispos presentes para decidir questões cruciais que ameaçavam os rumos da ortodoxia da Igreja.
O tema mais disputado em Niceia foi a doutrina da Trindade, combatido por Ário de Alexandria e seus seguidores.
Reza a lenda que, enquanto Ário defendia sua doutrina de que Jesus, o Filho, não era nem nunca havia sido igual (ou cosubstancial) ao Pai, Nicolau ficou tão furioso que cruzou o recinto (na presença do imperador Constantino) e deu um tapa na cara do herege alexandrino.
O ato intempestivo teria causado profundo constrangimento no concílio, e Nicolau foi sumariamente despido de suas vestes episcopais e lançado na masmorra, onde Jesus e Maria teriam aparecido a ele para dizer que ele não seria punido.
Lendas à parte, o fato é que, terminado o concílio, o arianismo foi derrotado e suas ideias declaradas como anátemas, consolidando-se o dogma da Trindade, e Nicolau foi restituído à sua posição de bispo.
Talvez outra semelhança entre São Nicolau e o Papai Noel seja a dificuldade em separar o que é lendário e o que é real, mas – obviamente – é muito mais fácil acreditar que (pelo menos) algumas coisas que se contam sobre Nicolau tenham muito mais substrato fático do que sobre um bom velhinho de roupa vermelha esquisita que voa numa carruagem puxada por renas aladas.
De qualquer maneira, o tapa que São Nicolau teria dado em Ário por conta de sua heresia é uma história (ou estória) boa demais para não ser recordada.
Muito provavelmente, se vivo fosse, ele daria um tapa na cara do consumismo que impera no tal "espírito natalino" dos tempos atuais.
Feliz Natal, Nicolau!