O jornal israelense Haaretz informou na sua edição de 02/01/14 que a inscrição de um pote encontrado em Jerusalém pertence ao tempo do Rei Salomão, o que o tornaria a mais antiga inscrição já descoberta na capital de Israel.
Quem a decifrou foi Gershon Galil, professor de Estudos Bíblicos e História Antiga na Universidade de Haifa.
Sua importância deriva do fato de que está escrita em hebraico arcaico e porque mostra que já havia o domínio do alfabeto em Israel no século X a. C.
O que pode ser ainda mais interessante, dependendo do ponto de vista com que se analise a descoberta, é que o pote era utilizado para guardar vinho, e a palavra "halak" nele inscrito significa "vinho barato".
"Halak" era um termo enológico na língua ugarítica, de Ugarit, no norte da região onde hoje se localiza a Síria.
Na época, havia três tipos de vinho, o de boa qualidade, o - digamos - "regular" - e o "vinho barato", de má qualidade.
De acordo com o professor Galil, o vinho "halak", muito provavelmente, era destinado aos milhares de operários que trabalharam nas grandes obras do reino de Salomão, como o primeiro Templo de Jerusalém, por exemplo.
O Primeiro Livro de Reis, no Velho Testamento, informa em seu versículo 5:15 que "tinha também Salomão setenta mil que levavam as cargas, e oitenta mil que talhavam pedras nas montanhas".
Um dos grandes questionamentos que os céticos opõem ao texto bíblico diz respeito à magnitude dos reinos de Davi e de Salomão, que, segundo alegam, não eram tão grandes como o relato bíblico faz crer.
Muitos chegam a afirmar que Jerusalém mal passava de uma vila pequena e desinteressante, sem qualquer importância no contexto do mundo antigo.
A se confirmarem as observações do professor Galil, o reino de Salomão passará a ser visto como bem administrado e que tinha um comércio internacional altamente significativo para a época.
Não se pode esquecer, entretanto, que outro grupo de arqueólogos alegou ter encontrado outra inscrição mais antiga de Jerusalém, conforme comentamos aqui no blog em julho de 2013.
Não fica claro, pela matéria do Haaretz, se se trata da mesma descoberta, então atribuída ao reino de Davi (também no século X a. C.), mas - ao que tudo indica até agora - parece se tratar do mesmo artefato.
Segue esta linha de raciocínio o Times of Israel, que teve acesso ao parecer do pesquisador e se adianta dizendo que se trata realmente daquela inscrição que foi descoberta em julho de 2013 (vide abaixo).
Aguardemos, então, maiores detalhes e análises independentes para saber se estamos realmente diante de uma descoberta espetacular para a arqueologia bíblica.
Jones F. Mendonça · 584 weeks ago
Sandro · 584 weeks ago
Gustavo 24p · 584 weeks ago
O texto do The Times of Israel, de onde o texto aqui se baseia, é de fato impreciso. A inscrição foi feita com um alfabeto antigo, anterior à escrita fenícia, já que as letras desta inscrição não apresentam a regularidade de escrita, característica do fenício. Agora, que idioma a escrita reflete, já que na região o mesmo alfabeto era usado por vários povos?
Alguns disseram que era o hebraico. Outros estão dizendo que é o fenício. Galil disse que era uma forma de ugarítico.
Mas é no fato de se apontar para idiomas não-hebraicos em Jerusalém que está a maior importância do achado. Pois se de fato houve um rei Salomão que fez várias obras em Jerusalém e empregou povos vizinhos neste trabalho, tal escrita poderia apontar para a veracidade disto. Afinal de contas, povos vizinhos não falavam hebraico, não é?
Mas vamos então partir das próprias evidências... O que esta evidência mostra é que havia no século 10 a.C. um povo tão culturalmente avançado que conhecia a escrita e a empregava em objetos de uso do dia-a-dia, como uma jarra de vinho. Que povo era? Seriam os jebuseus (uma designação para os primeiros habitantes de Jerusalém)? Neste caso os israelistas deveriam estar bem preparados para conquistar uma cidade com tal nível... Seriam os israelitas? Dizer que não há evidência para um reinado salomônico é ignorar as recentes discussões sobre a EXTENSÃO do reinado deles em círculos arqueológicos. Nem Finkelstein põe isto mais em dúvida.
Os fatos estão aí, e agora a tarefa é explicá-los à luz do que já sabemos. Galil tentou explicar à sua maneira, e assim outros também farão. É destas discussões que um consenso irá surgir. Dizer que alguém é precipitado para mim soa precipitado. Fazer todo este discurso de "obscurantistas contra ciência" que o Sandro fez é contar que o resultado disto tudo seja aquele que já se acredita... Igual aos "obscurantistas" que ele tanto critica... Ele continua com fé, só mudou seu foco.
Jones F. Mendonça · 584 weeks ago
Lembro que do ponto de vista histórico há várias teorias tentando explicar como os hebreus se fixaram na região. Você (como Galil e Mazar) parte do princípio de que houve luta armada como afirma o relato bíblico. Mas um cientista não pode trabalhar dessa maneira. Outra coisa, Finkelstein não duvida da existência de personagens como Davi (como atesta a estela de Tel Dan) e Salomão. O que ele questiona é a existência de um reino unificado sob Davi e Salomão. Essa é a questão.
Acho que é preciso distinguir arqueologia bíblica (trabalha sobre as rédeas da fé) e a arqueologia da Siro-palestina (ciência). Nem mesmo entusiastas "maximalistas" como Jim Davila, do Blog Paleojudaica deram bola para Galil.
Talvez encontrem evidências palpáveis da existência de Salomão, de um reino israelita sob seu governo, de um templo construído sob sus administração. O mais honesto (e sensato) é esperar.
Gustavo 24p · 584 weeks ago
É verdade que há muitas incertezas. Mas algumas podem ser descartadas a princípio. Como eu mencionei antes, a escrita é anterior à escrita fenícia, o que poderia datar o vaso para o século XI, como você mesmo mencionou que alguns fazem. Mas a matéria não informa se houve algum tipo de datação feita pelos arqueólogos colocando o vaso em um estrato do século X. Por que datar uma peça com escrita antiga 100 anos DEPOIS que esta escrita era usada?
Qual o idioma? Realmente, não se sabe. Por isto a suposição de que se trata de uma palavra ugarítica (e não hebraica, como você mencionou) é tão válida quanto outras suposições. Mas mesmo sem saber qual o idioma da inscrição, já temos algo muito importante aqui: havia uma cultura bem desenvolvida na região por volta do século XI e X a.C. Você nos lembrou que há mais de uma teoria explicando como os hebreus se fixaram na região (aparentemente elas não são precipitadas), e fico feliz por ser assim. Sei que há evidências de violentas destruições por fogo em prósperas cidades cananéias e filistéias, como Megido Estrato VIA e Tell Qasile Estrato X, o que pode apontar sim para uma luta armada como forma de fixação (assim, não estou apenas "partindo do princípio" como você menciona). Então, embora haja várias outras explicações sobre a fixação israelita, tenho motivos, baseados em evidências, para preferir uma explicação a outra. Gostaria de saber se há evidências para cada uma destas explicações que você mencionou... Seria interessante entender a linha de raciocínio defendida por elas.
No mais, concordo com você que o mais sensato é esperar. Mas mesmo assim é uma descoberta muito interessante.
Jones F. Mendonça · 584 weeks ago
Quanto à ocupação de Canaã pelos hebreus, tudo o que eu disse é que há inúmeras teorias. Não é porque Megido foi destruída pelo fogo que todo o relato do livro de Josué é histórico. Aliás, sequer sabemos quem destruiu Megido (esse é um assunto que dá "pano pra manga"). Bem, estamos falando de Jerusalém. Em cartas endereçadas ao rei do Egito o príncipe vassalo de Jerusalém (um jebuseu) pede auxílio ao faraó contra invasores (hapiru). As cartas são do século XIV! A cidade já era desenvolvida nesse tempo, não há dúvidas disso. A questão, volto a insistir, é saber se a Jerusalém sob controle israelita realmente existiu no século X a.C. Se ficar provado que o texto foi escrito em hebraico restarão poucas dúvidas disso. É o que Galil e Mazar estão tentando fazer há muito tempo (o óstraco de Qeyiafa é outro exemplo).
A descoberta terá grande valor se for provado que foi escrita por um israelita em hebraico. Até o momento não há consenso sobre isso (vale conferir, a título de informação quanto à complexidade do assunto: http://www.rollstonepigraphy.com/?p=561).
Veja: a datação é incerta, o idioma é incerto, a tradução é incerta, as consoantes não estão bem preservadas, no vaso não há o nome Salomão. As declarações de Galil são absurdamente especulativas.
Bem, para que você não ache que estou defendendo os minimalistas, gostaria de deixar claro que tanto Mazar e Galil (rotulados de maximalistas) como Finkelstein e Mario Liverani (rotulados de minimalistas) fazem declarações precipitadas. Não concordo com um tipo de trabalho arqueológico orientado pela crença ou pela descrença.